Representantes de vários segmentos ligados à participação feminina na política debateram nesta quinta-feira (5) os tipos de violência e as principais restrições que afastam as mulheres do exercício da política. A audiência pública da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher (CMCVM) foi presidida pela senadora Zenaide Maia (Pros-RN), que defendeu maior presença feminina no Executivo e no Legislativo como forma de reduzir a desigualdade social, de garantir direitos trabalhistas e de levar para a educação básica a realidade de que todos, homens e mulheres, são iguais.
Também moderadora na mesa de debates, a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) contou que vive diariamente o medo da violência, que envolve ameaças de morte e a obriga a usar escolta e carro blindado, e lembrou do assassinato da vereadora Marielle Franco, em março de 2018, no Rio de Janeiro. Para Talíria, é forte a caracterização do corpo como forma de violência contra a mulher: “Chamam de vadia, louca, burra, feia”.
Segundo a Agência Senado, o apelo a estereótipos estigmatizantes vinculados ao corpo, à sexualidade, à estética e à beleza também foi lembrado pela professora da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenadora de Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem), Marlise Almeida. Ela mostrou como três presidentes eleitas nas últimas décadas na América do Sul — Dilma Roussef, Michelle Bachelet (Chile) e Cristina Kirchner (Argentina) — sofreram críticas negativas relacionadas ao corpo e a supostos fracassos na maternidade ou tiveram associação permanente a figuras masculinas como se delas dependessem, como os ex-presidentes Lula e Nestor Kirchner, da Argentina.
Marlise lamentou que a violência contra a mulher na política seja vista apenas como delito eleitoral eventual ou, quando muito e apenas em alguns casos, como uma ofensa criminal.
“Mais do que um problema criminal, tal forma de violência coloca limites concretos à democracia, aos direitos humanos, à igualdade e à justiça de gênero”, disse.
A professora lembrou que, na América Latina, a busca pela paridade na representação política foi reafirmada no Consenso de Quito (2007) e de Brasilia (2010), ambos assinados por 44 países membros e 9 países associados à Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). A Plataforma de Ação de Pequim, documento que serve de parâmetro para as Nações Unidas nas políticas de combate às desigualdades estruturantes em relação aos direitos das mulheres, completa 25 anos em 2020.
De acordo com a coordenadora da ONU Mulheres, Ana Carolina Querino, a participação das mulheres na política ao redor do mundo vem crescendo, mas ainda em marcha lenta. Elas ocupam 24% das vagas parlamentares, 8% dos cargos de chefes de Estado e 6,2% dos de chefes de governo. Entre os ministros de Estado, 20% são mulheres, e elas comandam 26% dos governos locais. Na América Latina e no Caribe, segundo ela, estão os maiores índices de mulheres no parlamento. Mas isso não inclui o Brasil: enquanto na Bolívia elas são 53% do parlamento e no México, 48%, no Brasil e no Paraguai elas ocupam apenas 15% das cadeiras.
Definições
Ana Carolina explicou que a violência política é definida por uma série agressões físicas, psicológicas e sexuais cometidas contra candidatas, eleitas, nomeadas ou no exercício da função pública ou ainda contra sua família. O objetivo da violência, segundo ela, é restringir, suspender ou impedir o exercício do cargo, induzindo ou obrigando a mulher a agir contra a sua vontade, ou incorrendo à omissão no cumprimento de suas funções ou no exercício de seus direitos.
A coordenadora da ONU Mulheres contou que as mulheres engajadas nesses cargos sofrem muitas vezes o assédio político: ato ou conjunto de atos de pressão, perseguição, hostilização e ameaças, contra mulheres candidatas, eleitas, ou nomeadas, ao exercício de um cargo político, com o propósito de diminuir, suspender, impedir ou restringir as funções inerentes a seu cargo.
De acordo com dados da União Parlamentar Internacional (IPU), 82% das parlamentares ouvidas viveram violência psicológica; 44% receberam ameaças de morte, estupro, espancamento ou sequestro; 26% sofreram violência física no parlamento e 39% afirmaram que a violência política minou a implementação de seus mandatos e sua liberdade de expressão.
Pesquisadora e doutora em demografia pela Unicamp, Jackeline Romio disse que desde o final da década de 90 é feito um esforço em relacionar mortes de mulheres às ausências dos Estados na prevenção e punição, além da busca por evidenciar a relação destas mortes aos contextos políticos nacionais, fronteiras, guerras insurgentes (Colômbia), ditaduras militares, desparecimento de mulheres em contextos políticos de golpe (Honduras), conflitos por terra e perseguição a lideranças dos movimentos feministas, indígenas e negros (Brasil).
Cotas
A professora da Fundação Getúlio Vargas Lídia Fabris defendeu a política de reserva de cotas para mulheres nas candidaturas. Ela explicou que a reserva de 30% das vagas de candidatura de mulheres foi definida no século passado, primeiramente como uma carta de intenção dos partidos em 2015, mas só em 1997 a reserva foi de fato assegurada.
Pela teoria da massa crítica entende-se que 30% é o mínimo de pessoas necessário para que um determinado grupo minoritário influencie de fato o processo decisório político.
A senadora Zenaide Maia explicou que a previsão de 30% das candidaturas não resolve a falta de mulheres, mas é indispensável.
Se não existisse essa previsão não existiria a previsão do financiamento dessas campanhas. Financiamento não é compra de voto, é ter a oportunidade de mostrar a plataforma, de gravar sua mensagem, de imprimir seu material. Sem financiamento a campanha não tem nada.
Zenaide apresentou uma projeção feita pelo Instituto Patrícia Galvão, movimento feminista de referência nos campos dos direitos das mulheres, segundo a qual apenas em 2118 o Brasil atingirá a igualdade de representatividade política entre homens e mulheres.