As dificuldades que a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfrenta atualmente no Senado são debitadas, em parte, a uma possível sobrecarga do líder do governo na Casa, o senador pela Bahia, Jaques Wagner (PT). O motivo seriam problemas com os vice-líderes, que normalmente ajudam o Palácio do Planalto a se dividir na atuação em comissões, mas muitas vezes têm contrariado orientações do Executivo.
Segundo Julia Lindner e Caetano Tonet, do jornal Valor, o governo atualmente possui oito vice-líderes: Confúcio Moura (MDB-RO), Daniella Ribeiro (PSD-PB), Jorge Kajuru (PSB-GO), Dorinha Seabra (União-TO), Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), Weverton (PDT-MA), Zenaide Maia (PSD-RN) e Augusta Brito (PT-CE). Na visão de aliados do Planalto, no entanto, a troca de qualquer um deles poderia intensificar o mal-estar com a base aliada. E não é momento para isso.
Um dos casos mais recentes ocorreu no mês passado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Apesar de o governo se posicionar contra o projeto de decreto legislativo (PDL) que suspende normas da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a vice-líder do governo, Augusta Brito (PT-CE), liberou a bancada para cada um votar como quisesse.
“Por minha conta e risco, hoje, representando aqui a liderança do governo, eu quero deixar a bancada liberada nessa comissão liberada para votar conforme a sua consciência mandar”, disse Augusta.
No início da mesma sessão, a senadora chegou a fazer uma orientação contra a proposta alegando que o texto pode “prejudicar o ponto de vista do governo e da Aneel”. Depois, ao longo do debate, ela recuou por ser a favor do PDL.
A Aneel diz que a medida vai baratear os custos da conta de luz, principalmente no Nordeste. Mas parlamentares da região alegam que o efeito será o oposto. O autor do PDL é o deputado Danilo Forte (União-CE), do mesmo Estado de Augusta.
Augusta justificou o episódio dizendo que recém assumiu a vice-liderança e, por isso, não participou das articulações anteriores sobre a matéria pelo lado do governo. Ainda segundo a parlamentar, a proposta precisa de uma análise de impacto do governo.
“A sugestão da liderança [do governo] foi votar contra o governo, mas ouvindo os outros senadores decidimos liberar a bancada para garantir a construção de um acordo entre governo e oposição”, alegou a senadora cearense.
“Tentamos fazer um acordo o tempo todo, que não conseguimos”
— Jaques Wagner
Em mais um momento de descompasso, ainda no mês passado, o próprio Jaques Wagner admitiu que não conseguiu chegar a um acordo com a vice-líder Daniella Ribeiro sobre a proposta de emenda à Constituição (PEC) que permite a coleta de plasma humano pela inciativa privada. O texto avançou na CCJ mesmo contra a vontade do governo, mas ainda está pendente de deliberação em plenário.
“Eu quero dizer, senadora [Daniella], com todo o respeito – e nós tentamos fazer um acordo o tempo todo, que não conseguimos: eu não vejo aqui a solução”, reclamou Wagner, durante sessão da CCJ.
Outro caso que chamou atenção foi a postura do senador Weverton, também vice-líder do governo, em relação ao projeto que trata do marco temporal das terras indígenas. Na ausência do presidente Davi Alcolumbre (União-AP), que estava no exterior, o senador comandou a sessão da CCJ de setembro na qual foi apresentado o relatório favorável de Marcos Rogério (PL-RO) e marcada a votação para a semana seguinte. Wagner estava fora do país.
Na ocasião, Randolfe Rodrigues, que também é líder do governo no Congresso, admitiu que foi pego de surpresa pelo avanço da matéria e reclamou da presidência do colegiado, insinuando que teria havido uma displicência. Dias após, quando o texto foi para o plenário, Weverton votou a favor da matéria.
“Sempre deixei claro para o governo que, mesmo sendo vice-líder, tenho restrições à política de demarcação de terras indígenas. Não defendo as inconstitucionalidades, mas acredito que é preciso parar para acertar antes de continuar demarcando e é preciso estabelecer regras”, disse Weverton, ao ser procurado pelo Valor.
Weverton não foi o único vice-líder do governo favorável ao marco temporal, apesar de a orientação do governo ter sido formalmente contrária. Os senadores Jorge Kajuru e Dorinha também votaram “sim” naquela ocasião. Já Daniella Ribeiro não registrou voto.
Ao jornal Valor, Jorge Kajuru disse que informou antes o seu voto a Jaques Wagner e que “ele entendeu”. Outro vice-líderes citados também foram procurados, mas preferiram não comentar
Até mesmo Randolfe Rodrigues já foi criticado internamente por ter apoiado a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) que reintegra servidores dos ex-territórios do Amapá, Rondônia e Roraima aos quadros da União. A equipe econômica estima que a matéria poderá resultar em um custo extra de R$ 6,5 bilhões ao ano para o governo federal. Até 50 mil funcionários podem ser contemplados pela PEC.
Após a aprovação da matéria, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) afirmou que iria buscar modificações na Câmara, para onde o texto foi encaminhado.