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segunda-feira 28 de agosto de 2023 às 05:04h

Versão do orçamento secreto e repasse rápido favorecem aliados da gestão Lula

NOTÍCIAS, POLÍTICA


O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou um ritmo acelerado no repasse de recursos herdados do orçamento secreto e favoreceu aliados políticos, inclusive ministros de Estado, ao liberar os repasses em áreas como saúde, assistência social e agricultura. Em alguns casos, o dinheiro caiu na conta das prefeituras 24 horas depois de ter sido reservado no orçamento, algo incomum na máquina pública. As informações são do portal, Estadão Conteúdo.

Um dos beneficiados foi o Hospital Veredas, localizado em Maceió, com R$ 17,9 milhões. A diretora financeira do hospital, Pauline Pereira, é ex-prefeita de Campo Alegre (AL) e prima do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). O dinheiro foi empenhado no dia 29 de junho e no dia 30 já estava na conta da prefeitura de Maceió, responsável pela intermediação. A prefeitura, governada por João Henrique Caldas (PL), outro aliado do presidente da Câmara, mandou o recurso para a entidade menos de um mês depois, no dia 19 de julho. Enquanto isso, funcionários faziam greve na porta do hospital por causa de salários atrasados.

Alagoas, reduto de Lira, foi o Estado que mais recebeu recursos neste ano, principalmente do Ministério da Saúde – foram três vezes mais recursos do que São Paulo e mil vezes mais do que o Amapá. Em outros quatro ministérios (Agricultura e Pecuária, Educação, Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e Cidades), os ministros privilegiaram seus próprios Estados na hora de mandar o dinheiro. Além disso, houve concentração de empenhos do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional no Piauí, reduto do relator-geral do Orçamento. Já a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) privilegiou a Bahia, de onde é o deputado que apadrinhou o presidente do órgão no cargo.

Repetição

Com o direcionamento e a falta de transparência nas transferências, o governo Lula adotou prática semelhante usada por seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), apesar de ter criticado o esquema durante a campanha eleitoral. O orçamento secreto, revelado pelo Estadão, foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O Congresso, no entanto, deu um jeito para garantir o mecanismo no Orçamento de 2023, com a sanção de Lula. Parte dos valores foi transferida para os ministérios, um total de R$ 9,85 bilhões. Em março, o Estadão antecipou a manobra do governo para manter a influência política e a falta de transparência nos repasses.

Antes da eleição presidencial do ano passado, Lula classificou o mecanismo do orçamento secreto como uma “excrescência”. “Se é secreto, tem safadeza”, afirmou o petista durante um discurso em maio, ainda na pré-campanha. Na época, o então candidato do PT ao Palácio do Planalto chegou a dizer que o Congresso era o “pior da história” e defendeu a retomada do controle do dinheiro federal pelo Poder Executivo, o que não aconteceu. Depois de eleito, Lula afirmou que as emendas não deveriam mais ser “secretas”, mas foi aconselhado por aliados a parar com as críticas e a fazer uma aliança com Lira.

Portarias

A manobra dos ministérios para favorecer os próprios titulares das pastas e outros aliados sem transparência consiste em alegar que o dinheiro não é de emenda e adotar os critérios de distribuição por meio de portarias internas. Assim, os municípios cadastram propostas para entrar no rateio. Nos bastidores, porém, o governo pode manobrar para favorecer aliados políticos. “As propostas são apresentadas pelos entes ou entidades interessadas, e não indicadas diretamente pelos parlamentares”, afirmou a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República em resposta aos questionamentos do Estadão.

O Ministério da Saúde argumenta que o dinheiro liberado não é de emenda. A pasta baixou uma portaria com critérios para os municípios receberem os repasses. As prefeituras registram as propostas e o governo decide para onde vai o dinheiro. Mesmo com toda essa engenharia, ninguém explicou por que Alagoas foi o Estado mais beneficiado. “Lembrando que, com a maior parte dos recursos a serem distribuídos até o final do processo, é precipitado tirar conclusões de que algum Estado da Federação tenha sido beneficiado”, disse o ministério, em nota.

Agricultura

Outro repasse feito em tempo recorde ocorreu no Ministério da Agricultura. No dia 20 de julho, o órgão destinou R$ 5,3 milhões para a manutenção de estradas de terra em Canarana (MT), um dos redutos eleitorais do ministro Carlos Fávaro (PSD). Em 27 dias, o dinheiro já estava na conta da prefeitura. Dos R$ 277,5 milhões liberados pela pasta de Fávaro, praticamente a metade foi parar em Mato Grosso (R$ 135 milhões).

O Estado do ministro recebeu 285 vezes mais do que o vizinho Mato Grosso do Sul (R$ 473 mil), que também é um centro de produção agrícola. Outro polo agropecuário, o Rio Grande do Sul, vítima de uma estiagem e de três ciclones tropicais só neste ano, ficou com R$ 4,2 milhões, um valor 32 vezes menor. A assessoria de Fávaro não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem sobre os critérios adotados.

Também favoreceram seus próprios Estados os ministros da Educação, Camilo Santana (PT); das Cidades, Jader Filho (MDB); e do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias (PT). Santana destinou metade do dinheiro da Educação para o Ceará, com R$ 4,8 milhões de um total de R$ 9,8 milhões. Jader Filho priorizou o Pará, com 39% dos R$ 146,9 milhões destinados que eram do extinto orçamento secreto. No Desenvolvimento Social, o Piauí, Estado de Wellington Dias, foi o terceiro maior beneficiado, com R$ 35,6 milhões, atrás apenas de Goiás e da Paraíba.

O direcionamento causou críticas no Congresso, que se queixaram de ver os ministros do governo mandarem o dinheiro para os próprios Estados sem beneficiar as regiões dos parlamentares. Em média, todos os recursos que eram do orçamento secreto e que foram pagos caíram na conta das prefeituras em menos de um mês, de acordo com dados do Siga Brasil, sistema mantido pelo Senado. Em outros casos, prefeitos chegam a esperar até cinco anos para o dinheiro de uma obra ou projeto de investimento ser liberado.

O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou recentemente que o Brasil tem 14 mil obras paradas, muitas delas porque os recursos pararam de ser enviados. Problemas na licitação e fiscalização, além de restrição orçamentária e falta de vontade política, estão entre as razões da demora.

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