domingo 22 de dezembro de 2024
Edmundo González, candidato da oposição venezuelana, de 74 anos — Foto: Federico PARRA / AFP
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sábado 10 de agosto de 2024 às 11:53h

Venezuela: Não há saída negociada sem reconhecer González eleito, diz líder de oposição

NOTÍCIAS, POLÍTICA


Uma das lideranças mais influentes da oposição na Venezuela, Leopoldo López, do partido Voluntad Popular, mantém contato permanente com a frente ampla encabeçada por Edmundo González Urrutia e María Corina Machado diretamente da Espanha, onde está exilado. As informações são do jornal, O GLOBO.

De lá, ele vem entrando em contato também com diplomatas e interlocutores capazes de ajudar na pressão internacional sobre Nicolás Maduro. López defende que uma eventual saída negociada entre os oposicionistas e o regime chavista, como defende o Brasil, só pode ocorrer a partir do reconhecimento da vitória de González nas eleições do último dia 28.

Para López, há prazo limite para uma transição democrática na Venezuela: 10 de janeiro de 2025, data que a Constituição do país prevê a posse do presidente eleito. Todos os esforços, defende, devem ter essa data como norte.

“Não se pode iniciar qualquer discussão, transição ou negociação que não parta deste fato contundente, a verdade”, argumenta Leopoldo López, que compara a mobilização popular nesta eleição a um “tsunami” em comparação com disputas anteriores. “Desta vez, a consequência de reconhecer os resultados é que haverá uma mudança de governo, ou seja, a saída de Maduro”.

Eleições na Venezuela

López passou seis anos em uma penitenciária militar como preso político após organizar protestos contra Nicolás Maduro que paralisaram a Venezuela, em 2014 e, mais recentemente, chegou a ser cotado para disputar a presidência do país de dentro da cadeia. Nesta entrevista, ele cobra de Lula coerência na defesa da democracia.

Leia abaixo a entrevista:

Brasil, Colômbia e México estão exigindo a divulgação das atas eleitorais. Para a oposição, a proximidade de Lula, Gustavo Petro e López Obrador com Maduro é uma vantagem para uma saída negociada ou um elemento de desconfiança?

É preciso começar pela verdade. E a verdade é que os venezuelanos saíram às ruas para votar em 28 de julho e houve uma manifestação maciça [em votos] a favor de Edmundo González Urrutia. E esse fato ficou claro para observadores internacionais, claríssimo para os venezuelanos, e também para os olhos do restante do mundo que acompanhou as eleições – incluindo os governos do Brasil, do México e da Colômbia, que cobraram transparência nos resultados.

A partir desta verdade é que poderemos construir o restante [da saída negociada] tendo como meta viabilizar a transição para a democracia com um cronograma claro: que no dia 10 de janeiro de 2025, como estabelece a Constituição venezuelana, Edmundo González seja empossado presidente da República.

Este é o fator mais elementar e concreto de uma democracia – que as pessoas expressem a vontade popular, que na Venezuela foi expressa no último dia 28 de forma clara, contundente, massiva, legítima e constitucional. Ao todo, 70% dos venezuelanos votaram por González.

O Brasil assumiu a representação da Argentina em Caracas e mantém Maduro sob pressão, mas Lula e Celso Amorim também já afirmaram mais de uma vez no passado que a democracia venezuelana é sólida. Qual a expectativa de vocês em relação ao Brasil?

Veja, o que nós esperamos é que Lula seja coerente com o que ele mesmo declarou dias antes da eleição, quando Maduro ameaçou com um banho de sangue e uma guerra civil [caso fosse derrotado]. Ele se disse assustado com essas declarações. Imagino que agora esteja sentindo ainda mais medo porque já não se trata de ameaças, mas da realidade. São mais de 2 mil presos, torturados, desaparecidos e mais de 20 mortos nos últimos dias.

O que nós esperamos do Brasil e de Lula é que sejam coerentes com a posição exercida de que a vontade popular seja respeitada – e ela se manifestou no dia 28. Não apenas se expressou, mas foi registrada em cada uma das dezenas de milhares de urnas nas mais de 16 mil seções eleitorais e em cada uma das atas eleitorais. Estes documentos estão acessíveis pelo público e podem ser revisados, digitalizados e auditados, como já vêm sendo por observadores internacionais, pelo Carter Center, por investigações independentes de jornais como o Washington Post e o New York Times, por especialistas eleitorais e, claro, por organizações não governamentais.

Todas apontam que a eleição do dia 28 foi o que foi. Isso não pode ser distorcido, escondido, esquecido. Não se pode iniciar qualquer discussão, transição ou negociação que não parta deste fato contundente, a verdade.

A cautela da diplomacia brasileira atende às expectativas da oposição?

Temos observado que os países têm reagido de forma distinta [à crise]. Não podemos falar em comunidade internacional, isso não existe. Há blocos dentro da comunidade de nações ao redor do mundo.

Há um bloco autocrático que rapidamente saiu em defesa da fraude de Maduro, o que não é surpresa, já que são países que não respeitam eleições livres, não respeitam e nem têm direitos humanos, Estado de Direito, e têm como objetivo destruir a democracia. Me refiro à Rússia, à China, ao Irã, à Coreia do Norte, a Cuba, à Nicarágua, à Eritreia, à Bielorrússia e outros países que respaldaram a fraude. Nenhum deles é uma nação democrática.

De outro lado estão os países democráticos que manifestaram dois tipos de resposta: os que reconheceram Edmundo González como presidente eleito, como Argentina, Uruguai, Costa Rica e Panamá, e outro grupo do qual fazem parte Brasil, México e Colômbia que tem cobrado a apresentação dos resultados, ou seja, de provas claras e incontestáveis vitória declarada pelo Maduro, o que, de certa forma, também é a posição da União Europeia enquanto bloco.

Maduro não vai poder apresentar as atas porque o resultado apresentado simplesmente não foi o que ocorreu. E ele não poderá forjar as atas que já estão nas mãos de Edmundo, com a assinatura de fiscais do Maduro e de Edmundo e dos funcionários do Conselho Nacional Eleitoral e que foram vistas, revisadas e presenciadas por militares que estavam em cada um dos centros de votação. Será impossível esconder a verdade.

O ministro da Defesa de Maduro, Vladimir Padrino López, tem propagado que o ditador conta com o respaldo total dos militares, e González e María Corina se dirigiram diretamente a eles na última segunda-feira pedindo apoio.

A realidade hoje é que os militares tomaram a decisão de respaldar a fraude de Maduro. Infelizmente é o que está dado. No entanto, mesmo não sendo militar, mas tendo passado quatro anos preso na penitenciária militar de Ramo Verde, posso afirmar que os militares também são venezuelanos.

Seus problemas, e suas afinidades, aspirações, frustrações, carências, sua família e seus vizinhos são os mesmos dos venezuelanos. O que vimos na semana passada, nos dias seguintes à eleição, foram policiais abandonando seus uniformes e se juntando aos protestos e guardas nacionais tomando a decisão de desacatar a ordem de reprimir e aderindo às manifestações.

Creio que isso representa o sentimento da imensa maioria dos militares que hoje estão obrigados a reprimir [a população]. Não duvido que existam servidores – inclusive sabemos que há pessoas sádicas que disparam, matam, reprimem e desfrutam da maldade porque lamentavelmente este é um regime que há anos pratica o sadismo, a perseguição e a tortura. E, claro, parte da condição humana traz motivações obscuras. Quando têm licença para matar, matam. Quanto têm licença para torturar, torturam, e Maduro lhes deu essa chancela.

O que diferencia as eleições presidenciais de 2024 da de 2018, que foi boicotada pela oposição?

A primeira diferença é que há uma unidade absoluta dos venezuelanos, de organizações e lideranças que lutam por mudanças em torno da candidatura de Edmundo González Urrutia e da liderança de María Corina Machado. Uma das consequências muito positivas dessa unidade foi uma organização política que permitiu a vitória [da oposição] e também o registro desse triunfo por meio das atas eleitorais.

Já tínhamos conseguido em 2015, na eleição para a Assembleia Nacional, mas na ocasião o Executivo não estava em disputa. Maduro acabou desmantelando progressivamente o Congresso. Mas, desta vez, a consequência de reconhecer os resultados é que haverá uma mudança de governo, ou seja, a saída de Maduro. Essa é uma segunda diferença que, obviamente, impõe muito mais tensão ao momento atual.

A terceira é que há uma maioria esmagadora [de votos]. Estamos falando de 70% dos que votaram na Venezuela. Se somássemos a isso os venezuelanos que estão no exterior, como eu, considerando os 5,5 milhões de votos que não puderam ser expressados, a oposição teria tido mais de 80% contra Maduro. Isso é gigantesco, esmagador, é um tsunami de apoio à mudança pela via da democracia.

A quarta diferença é que mesmo aqueles que mantinham afinidades históricas, ideológicas ou afetivas com Maduro e o chavismo têm se distanciado. Os casos mais relevantes por serem governos nacionais são o Brasil, o México e a Colômbia que ao seu estilo, à sua forma e a seu tempo reconheceram que os resultados apresentados por Maduro não são críveis.

E não há porque deixar de lado exemplos de vozes que vão desde Cristina Kirchner, historicamente aliadas de Nicolás Maduro, até as Damas de Branco [movimento de esposas de presos políticos em Cuba] e que estão questionando os resultados e exigindo o mesmo que demandam os venezuelanos: a apresentação das atas eleitorais e dos resultados.

Vocês temem que o regime de Maduro prenda outros líderes, como o próprio González, nos próximos dias? Há alguma informação sobre o paradeiro do ex-deputado Freddy Superlano (levado pela polícia de Maduro) ou de seu estado de saúde?

Já se passou mais de uma semana desde o sequestro de Superlano e não temos nenhuma informação além do que informou o procurador-geral de Maduro, Tarek William Saab, de que ele estava sob custódia – sob sequestro, na verdade, porque nenhum caso foi apresentado [pela procuradoria], o que é uma violação de seus direitos.

Este é um dos milhares de casos [de exceção]. Há milhares de jovens que foram sequestrados e outros que estão sendo detidos arbitrariamente e não foram apresentados perante à Justiça e estão sendo tratados como delinquentes.

Maduro precisa sustentar uma fantasia forjada. É uma realidade muito dura para ele ter pessoas saindo às ruas para protestar, venezuelanos que responderam com o voto, com frustração, e que derrubaram dezenas de estátuas de Hugo Chávez. É uma imagem icônica de quedas de ditaduras, como se viu com Saddam Hussein [no Iraque], com Muammar Gaddafi [na Líbia] e nos países do bloco soviético.

Maduro tenta esconder isso alegando que são jovens treinados no Chile, no Texas e em outros lugares [fora da Venezuela]. A realidade é que esta juventude que saiu às ruas para protestar contra a fraude representam o espírito da imensa maioria dos venezuelanos, que desejam que os resultados sejam respeitados, assim como a verdade.

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