Os alvos de operação dentro do inquérito das fake news do STF usam a internet para divulgar mensagens contra a corte, que incluem desde críticas à investigação (que classificam como inconstitucional) até fake news, xingamentos e, por vezes, ameaças. Há também ataques ao Congresso Nacional.
O ministro Alexandre de Moraes, ao autorizar os mandados de busca e apreensão contra blogueiros, empresários e parlamentares bolsonaristas, disse ter investigado postagens na rede, especialmente de 7 a 19 de novembro, com hashtags contrárias à corte, como #STFvergonhanacional e #foraSTF e #hienasdetoga.
Naquela ocasião, a corte havia mudado o entendimento e proibido a prisão após condenação em segunda instância, o que permitiu que o ex-presidente Lula deixasse a prisão, assim como outros réus da Lava Jato.
Uma análise do jornal Folha de S.Paulo em publicações feitas desde então mostra que aquele foi um dos momentos de maior ataque à corte, com manifestações contra ministros dentro e fora das redes.
Ondas semelhantes foram observadas na véspera das manifestações de 15 de março e quando o presidente nacional do Movimento Conservador e chefe do gabinete do deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP), Edson Salomão, e o blogueiro Allan dos Santos, do canal Terça Livre, foram chamados a depor no âmbito do inquérito, mas sem receber esclarecimentos sobre as acusações contra eles.
O tom das postagens piorou ao final de abril, quando uma decisão liminar de Moraes suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção da Polícia Federal, ao alegar que a medida do presidente Jair Bolsonaro violava os princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público.
Como mostrou a coluna Painel, da Folha de S.Paulo, segundo políticos e magistrados, por enquanto esse e os demais inquéritos no Supremo que atingem Bolsonaro têm como efeito prático aumentar tensões e, no máximo, desgastar a imagem do presidente. Se nada mudar, as apurações estarão fadadas ao fracasso.
Veja algumas das declarações dos investigados.
ALLAN DOS SANTOS
O blogueiro costuma espalhar hashtags na rede, como #STFvergonhanacional #ImpeachmentGilmarMendes #LagostaTL uma referência a gastos excessivos da corte usada com frequência por ele. Chamado para depor por duas vezes, em janeiro e fevereiro, Allan se recusou a depor ao alegar não saber o teor da acusação contra ele no inquérito.
Em março, numa transmissão do Terça Livre com o título “O STF quer calar você”, chamou os ministros de canalhas e crianças mimadas que usavam fraldas sujas. “Alexandre de Moraes, você precisa tirar essa merda que está na sua bunda porque você está atrapalhando o Brasil inteiro por falta de crescimento”, disse.
Em abril, após atos de bolsonaristas, ele acusou os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, de planejar uma desidratação do governo. “Se isso acontecer, o povo vai ficar calado?”, questionou.
Após a decisão contra Ramagem, elevou o tom. Defendeu a prisão de Moraes, sugeriu estampar a frase do ministro da Educação, Abraham Weintraub, contra a corte em camisetas e posou diante do STF levantando o dedo do meio e dizendo que a corte rasga a Constituição.
Ao longo do mês de maio, o blogueiro passou a invocar o artigo 142 da Constituição (sobre o papel das Forças Armadas na defesa da lei e da ordem), pedindo para o STF “fazer merda”. O mesmo argumento foi usado no dia da operação da Polícia Federal autorizada pelo Supremo no final de maio.
BERNARDO KUSTER
Após a corte acabar com as prisões em segunda instância, o youtuber católico que faz parte da direção do jornal online Brasil Sem Medo, ligado ao escritor Olavo de Carvalho, usou a hashtag #STFVergonhaNacional e disse que era hora de unir forças contra “os demônios laxativos e os excrementos em soltura”. Em outra publicação, Kuster chama os ministros de “demônios de preto”.
Em fevereiro, após o senador Cid Gomes (PDT-CE) ter avançado com uma retroescavadeira contra o portão de um quartel tomado por policiais militares que fazem motim por reajuste salarial, em Sobral, o youtuber disse que chamaria o parlamentar para agir contra a corte.
EDSON SALOMÃO
Após ser alvo de mandado de busca e apreensão e ser chamado a depor no âmbito do inquérito das fake news, em 19 de dezembro, Salomão disse que, segundo a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), a ação teria sido motivada por um vídeo que mostra membros do Movimento Conservador em São José dos Campos com armas airsoft a caminho das manifestações de 17 de novembro pelo impeachment do ministro do STF Gilmar Mendes.
Na data, o assessor parlamentar postou no Twitter “Gilmar Mendes provoca a população! Somos gente do bem que [sic] faremos a limpa no STF começando por você”, indicando um link de um story publicado no Facebook, não mais disponível.
Em uma das chamadas de divulgação para o ato, aparece a imagem de um homem armado com os dizeres “vamos botar para fuder”.
Após o episódio ser noticiado pela imprensa local, no início de dezembro, Salomão assinou uma nota de esclarecimento dizendo que o vídeo tinha teor figurado e que “em momento algum houve intenção de ameaçar, constranger ou intimidar qualquer autoridade legitimamente constituída”.
MARCELO STACHIN
Engenheiro de Sinop, Mato Grosso, Stachin está acampado em Brasília desde o início de maio junto com outros ativistas em atos que define como pró-Bolsonaro e “contra a ditadura do STF”.
Em um vídeo no youtube, convoca os matogrossenses a participarem da ação ao lado de outro militante, Paulo Felipe, que promete a chegada de caminhões com civis e militares da reserva para dar “cabo da patifaria que está estabelecida no país há 35 por aquela casa maldita ali, Supremo Tribunal Federal, com onze gangsters que tem destruído a nossa nação”.
Após a repercussão, Stachin publicou um outro vídeo na rede negando que o grupo tenha intenção de invadir o STF e que nunca disse nada do tipo. “Sob hipótese alguma compactuo com ações de violência”, declarou, afirmando defender o presidente e buscar denunciar “uma das maiores crises institucionais da história”.
OTAVIO OSCAR FAKHOURY
Em fevereiro, o empresário e investidor, dono do Crítica Nacional, site usado para defender Bolsonaro e atacar opositores, escreveu que numa realidade paralela, como na série Stranger Things, o monstro seria o ministro Gilmar Mendes, a quem chamou de “lacto purga do STF”.
Já em maio, após a decisão de Moraes que impediu a nomeação de ramagem, Fakhoury disse que o dia em que a população perdesse a paciência com os “ditadores togados do STF” a toga dos ministros viraria pano de chão, usando a hashtag #STFGolpeDeEstado.
RAFAEL MORENO
Coordenador do Movimento Brasil Monarquista, ao responder a uma publicação em que a advogada de Bolsonaro, Karina Kufa, pede para completar a frase “o Brasil que eu quero tem que ter”, ele diz “fechamento do Congresso”.
Em março, rebatendo uma crítica do presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP) a um pronunciamento de Bolsonaro, ele defende o uso das Forças Armadas contra o senador.
REYNALDO BIANCHI JUNIOR
O humorista e músico, que defende Bolsonaro nas redes sociais, no final de fevereiro respondeu a uma crítica do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, sobre as manifestações de 15 de março, dizendo que o protesto não era pelo fechamento do Congresso, mas para tirar ele e Alcolumbre do comando das Casas, chamando ambos de “ratos”.
Já em março, ele faz um post em que chama os ministros do Supremo de Vagabundos e Maia de ET das cavernas, defendendo que recebessem a fúria do povo, junto com uma foto do presidente do STF, Dias Toffoli, rebatendo que as manifestações de 15 de março não eram contra as instituições, mas “contra vocês, corruptos safados”.
ROBERTO JEFFERSON
O ex-deputado federal e presidente nacional do PTB passou a defender Bolsonaro ativamente a partir do momento em que o presidente passou a negociar cargos com partidos do chamado centrão para evitar um eventual processo de impeachment.
Com a decisão de Moraes contra a nomeação de Ramagem, Jefferson passou clamar que o presidente usasse as Forças Armadas para frear a corte.
“Nos casos repetidos de invasão de competência, feitos pelos ministros do STF contra o Presidente Bolsonaro, também o poder não está na toga, mas no cano do fuzil. Poder moderador FFAA, artigo 142 da Constituição da República”, disse.
No dia em que foi alvo do inquérito da fake news, o ex-deputado publicou uma caricatura que o retratava como Rambo usando uma metralhadora.
SARA WINTER
Após o STF proibir a prisão em segunda instância, em novembro, a militante bolsonarista disse que “gostaria de saber onde está o cabo e o soldado”, em referência a declaração de Eduardo Bolsonaro, divulgada em 2018, de que só isso seria preciso para fechar o Supremo.
No mesmo mês, ela afirmou que “se as instituições não tivessem sido aparelhadas pelo PT, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e muitos outros ministros do estariam atrás das grades”.
Em janeiro, após Allan dos Santos ser convocado a depor, ela disse que a corte não passava de uma “facção criminosa institucionalizada”.
Em outro post, em maio, ela critica a decisão da corte de autorizar o monitoramento de celulares para verificar o cumprimento da quarentena diante do coronavírus e disse que a corte “deve ser destruída”.
Depois de ter sido alvo de busca e apreensão, Winter publicou um vídeo afirmando ter vontade de “trocar socos” com Alexandre de Moraes e prometendo infernizar a vida do ministro e persegui-lo. As declarações motivaram a expulsão da militante do DEM.
PARLAMENTARES
BIA KICIS (PSL-DF)
No final de abril, a deputada compartilhou uma entrevista concedida em 2018 pelo jornalista Carlos Andreaza destacando a afirmação “pior ditadura é a da toga” e dizendo que estava claro que Bolsonaro era alvo de ativismo da corte.
Dias depois, já em maio ela compartilhou um vídeo do deputado estadual Douglas Garcia (PSL) mostrando a liberação de manifestantes que protestavam diante da casa do ministro Alexandre de Moraes e receberam voz de prisão criticando o ministro. “Papelão de ditador de 5ª categoria mandar prender manifestantes pacíficos”, escreveu.
Na relação de publicações de bolsonaristas no Twitter que consta no documento assinado por Moraes para autorizar os mandados no dia 27 de abril, há um post de Kicis que não consta mais na rede.
De acordo com o documento, no dia 5 de maio ela tuitou que o STF é hoje “o maior fator de instabilidade e insegurança jurídica no país” e que a corte estava “claramente a serviço da bandidagem”.
DANIEL SILVEIRA (PSL-RJ)
O deputado chamou o STF de “vergonha do Brasil” e “defensores do crime” após a corte mudar de entendimento proibindo a prisão após condenação em segunda instância, em novembro. No Facebook, ele publicou uma notícia do site de direita Crítica Nacional falando das razões para um impeachment de Gilmar Mendes.
Em abril, segundo o documento assinado por Alexandre de Moraes autorizando o cumprimento de mandados no dia 27 de abril, Silveira teria tuitado “já passou da hora de contarmos com as forças armadas”.
O post citado não foi localizado pela reportagem, mas o deputado confirmou em uma transmissão no Facebook que escreveu a mensagem. Na mesma data consta na rede a mensagem “Esqueçam as forças armadas! É hora de um exército muito maior ir a guerra: o povo!”. Em maio, na data da operação, ele chamou o STF de “ditadura” e ao compartilhar um vídeo ridicularizando os ministros escreveu que por causa deles a corte havia deixado de ser suprema.
FILIPE BARROS (PSL-PR)
No dia seguinte à proibição à prisão em segunda instância, definida com o voto do presidente do STF, Dias Toffoli, o deputado federal escreveu que o ministro teve a chance de resgatar a imagem da corte, mas preferiu jogá-la na lama.
Já no final de janeiro, após Allan dos Santos ser intimado a prestar depoimento, Barros tuitou “Ditadura do STF”, chamando o inquérito conduzido de forma sigilosa de “sequência escatológica de descumprimento das garantias individuais e do processo legal” e um ” frankensteinjurídico”.
Em maio, após a operação que atingiu bolsonaristas, voltou a chamar o STF de ditadura, dizendo que “só o povo na rua pode detê-la”. O deputado afirmou ainda que junto com os deputados Carlos Jordy (PSL-RJ) e Bia Kicis (PSL-DF), tinha protocolado um pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes.
LUIZ PHILLIPE ORLEANS E BRAGANÇA (PSL-SP)
No início de março, ao criticar uma declaração do presidente do STF, Dias Toffoli, de que atacar as instituições era atacar a democracia, o deputado disse que o ministro estava errado e que a democracia era a vontade popular.
“Atacar a vontade popular é que é atacar a democracia. E quem tem atacado tanto estado de direito quanto a vontade popular é o STF”, tuitou.
Na mesma rede social, no início de maio, ele afirmou que a corte praticava ativismo judicial mais do que qualquer outro poder. “A maioria dos juízes nunca foi juiz, todos da mesma ideologia, não querem se reformar e ignoram seu descrédito”, escreveu. No mesmo mês, o parlamentar concedeu uma entrevista à CNN defendendo uma reforma do STF para resgatar a função da mesma como corte constitucional.
CARLA ZAMBELLI (PSL-SP)
Em janeiro, a deputada usou o Twitter para falar de bonecos usados em manifestações em 2016 que retratavam ministros do Supremo como aliados do PT. No Facebook, Zambelli compartilhou um vídeo no dia 14 de março prometendo pedir o impeachment contra os ministros do STF caso tentassem acabar com a Lava Jato.
Em abril, no Twitter, Zambelli acusou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) de trabalhar junto com governadores e com Alexandre de Moraes para derrubar Bolsonaro.
Em outro post, disse que o pedido de intervenção militar, na qual não acredita, vindo de manifestantes era um “apelo desesperado de brasileiros diante de um Congresso que não atende aos anseios do povo, de um STF que não respeita a Constituição Federal e de governadores que prendem e roubam”.
No início de maio, Zambelli divulgou uma transmissão no Youtube com críticas a decisões da corte dizendo que que a mesma estava “passando dos limites”.
DEPUTADOS ESTADUAIS DE SÃO PAULO
GIL DINIZ (PSL)
Conhecido como Carteiro Reaça, em novembro, após a decisão sobre prisão em segunda instância, chamou o STF de vergonha nacional e disse que os ministros provocam repulsa dos brasileiros ao mudarem de posição conforme a conveniência.
No mesmo mês, ele divulgou o ato contra o ministro Gilmar Mendes com uma arte com dizeres “fora, Gilmar! fora, Toffoli” e compartilhou a hashtag “#impeachmentGilmarMendes. No dia do ato, Diniz chamou o momento histórico por levar o brasileiro às ruas contra os desmandos do ministro.
No dia da operação, ele soltou uma nota à imprensa afirmando que o inquérito não era legítimo, porque o ministro Alexandre de Moraes se apresentava como vítima, investigador e julgador, agindo como “um déspota de toga”.
DOUGLAS GARCIA (PSL)
O deputado também participou dos atos contra Gilmar Mendes e ajudou a divulgar a hashtag pelo impeachment do magistrado, em novembro. No mês seguinte, após seu assessor Edson Salomão ser alvo do inquérito, Garcia disse que existia no país uma “ditadura do Judiciário”.
Em abril, ele compartilhou um discurso feito um ano antes na Assembleia Legislativa em que ele também chama a corte de ditadura, afirmando que os ministros tinham que ter medo do povo nas ruas. “Eu creio em Deus que um dia a hora desses ministros vai chegar”, disse.
No dia da operação contra os bolsonaristas, Garcia acusou o STF de fazer terrorismo de Estado com o inquérito.