Após passar a última metade de 2023 andando em marcha lenta – alta de 0,1% no terceiro trimestre e estabilidade no quarto -, a economia brasileira deve ter reacelerado nos três primeiros meses de 2024, ajudada por uma combinação de impulso fiscal, mercado de trabalho pujante e o início da colheita das principais culturas agrícolas de exportação. De olho na largada promissora no início do ano, inclusive, alguns economistas já embutiam viés de alta em suas projeções de atividade. O cenário para 2024, no entanto, ficou completamente nublado com a tragédia climática no Rio Grande do Sul. A reportagem é de Marcelo Osakabe e Marta Watanabe, do jornal Valor.
Segundo a mediana das estimativas de 73 consultorias e instituições financeiras coletadas em pesquisa do Valor, a economia brasileira cresceu 0,7% no primeiro trimestre, na comparação com três meses anteriores. Em relação a igual trimestre do ano passado, a mediana de 71 casas indica alta de 2,2%.
O intervalo das projeções colhidas para a variação na margem tem piso em 0,4% e teto de 1,2%. O IBGE divulga o resultado na próxima terça-feira, 4 de junho.
A estimativa para a atividade no primeiro trimestre veio mais forte que o esperado em relação às projeções do início do ano. Na última pesquisa Valor, divulgada no fim de fevereiro, a mediana apontava alta de 0,4% na comparação trimestral.
“O primeiro trimestre surpreendeu. No fim do ano passado, tínhamos uma alta perto de 0,3% no período. Já se esperava uma agricultura fraca no ano, mas estamos antecipando um número bastante forte no primeiro trimestre. O comércio também veio melhor que o esperado e acabou puxando os serviços. Isso melhorou o desempenho pelo lado da oferta”, afirma o economista-chefe do banco Bmg, Flávio Serrano, que espera avanço de 0,6% ante o fim de 2023.
Com base em 35 projeções coletadas, o setor de serviços deve ter crescido 0,5% nos três primeiros meses do ano. Já a mediana das estimativas para a agropecuária aponta avanço de 8,8% no período. No caso da indústria, o desempenho é mais contido: alta de 0,3%.
Segundo semestre deve ser marcado por recuperação do Rio Grande do Sul”
— Flavio Serrano
O Bmg vê alta de 9,9% para agropecuária e 0,4% para os serviços no primeiro trimestre. Serrano pondera que o bom número do agro na comparação trimestral também vem por um efeito-base, já que a segunda metade de 2023 apresentou números bem fracos, após um primeiro trimestre forte. “Não é verdade que será um ano difícil para o setor. A questão é que 2023 foi espetacular. Veremos a manutenção de uma base muito forte, só que ligeiramente menor.”
“O que observamos no primeiro trimestre foi um bom ritmo de crescimento, assim como em 2023, quando o impulso ficou concentrado no início do ano. Parte da explicação vem dos estímulos fiscais do governo, como o pagamento de precatórios e o reajuste real do salário mínimo. Mas há também o impulso trazido pela agricultura, que sobe 4,7%”, diz Claudia Moreno, economista do C6 Bank.
O banco está na ponta otimista das projeções para o período, com alta esperada de 1% para o PIB agregado. “Pela ótica da demanda, o destaque é o consumo, que beneficiou tanto serviços prestados às famílias quanto varejo, que teve desempenho surpreendente nos primeiros meses de 2024”, diz Moreno, citando fatores como o pagamento de R$ 90 bilhões em precatórios ao fim do ano passado e o reajuste real do salário mínimo.
A Rio Bravo Investimentos projeta alta de 0,4% na margem. “A projeção reflete atividade que ainda cresce, mas com desaceleração da indústria, comércio e serviços sob efeito da política monetária”, diz o economista Luca Mercadante. O setor externo, diz, deve ter contribuição negativa, com exportação crescendo 0,3% e importações em alta de 4,2%. Do lado da demanda, o consumo das famílias vem ainda forte, baseado em bom desempenho do mercado de trabalho, embora restrito por juros ainda altos, indica.
Entre as 30 casas que enviaram projeções, a mediana para o consumo das famílias foi de alta de 1,1%, sempre na comparação trimestral. Já para a formação bruta de capital fixo, foi de 3,8% – após queda de 3% em 2023.
“O ano passado contou com vários fatores negativos para a formação bruta de capital fixo. Desde a venda de caminhões, que caiu porque muitos anteciparam as compras para 2022 para escapar da mudança de padrão de emissões (Proconve P8), até as altas taxas de juros, que prejudicaram o desempenho da construção civil. Então o que esperamos é uma normalização do segmento neste ano, mas não necessariamente um número expressivo”, diz Thaís Zara, economista sênior da LCA Consultores. “O que pode mudar esse cenário é o desastre no Rio Grande do Sul. Os esforços de reconstrução poderão ajudar o setor, algo que pode se estender até 2025.”
Ele também espera contribuição positiva do setor externo. O BRP projeta alta de 0,6% na exportação e de apenas 0,1% na importação no primeiro trimestre, contra queda de 0,6% e avanço de 1,7% respectivamente na mediana das projeções coletadas. O desempenho dos volumes de minério de ferro, de petróleo, café, açúcar, carne e soja embarcados no primeiro trimestre mostra que a exportação deve ter resultado um pouco mais positivo, aposta.
As incertezas crescem para o cenário de 2024. O ponto médio das projeções do ano indica crescimento de 2%, mas apenas 24 das 76 casas mudaram suas estimativas após o desastre climático no Rio Grande do Sul. Parte dos economistas relatou que prefere aguardar mais dados e o desenrolar da situação. Outras retiraram viés positivo que tinham para 2024 ou acrescentaram um risco baixista às suas projeções.
A EQI Asset tem a visão mais pessimista capturada pela pesquisa. Para o segundo trimestre, seu número passou de alta de 0,5% para contração de 1,1%.
“Antes das enchentes, achávamos que o consumo se mostraria mais resiliente, o que tornaria uma desaceleração mais difícil pensando que também temos um desemprego baixo e melhora das condições de crédito”, diz o economista-chefe, Stephan Kautz. “Avaliamos alguns cenários de queda brusca de atividade, como o da pandemia, e entendemos que a queda do PIB gaúcho pode chegar a 30% no segundo trimestre. Isso, claro, sem contabilizar danos com a perda de capacidade produtiva. Ponderando pelo peso que as cidades afetadas têm no PIB nacional – cerca de 5,5% -, chegamos a impacto final de 1,6 ponto porcentual (p.p.) sobre o PIB nacional.”
Para 2024 como um todo, o impacto líquido esperado é negativo em 0,7 p.p., o que derrubou a projeção da EQI: de alta de 1,5% para 0,8%. “Puxamos para cima a estimativa para o terceiro e quarto trimestres, para 0,9% em cada um, para considerar os gastos com a reconstrução do Estado. Acredito, no entanto, que esse efeito vai ser mais diluído. Até por isso, nossa perspectiva para 2025 passou de 1,5% para 1,8%”, afirma Kautz.
A LCA preferiu esperar para revisar seu cenário. “Tínhamos um viés de alta para nossa projeção de PIB de 2024, depois de números melhores que o esperado na safra e também no consumo das famílias”, explica Zara. “Além disso, a situação ainda se desenrola no Sul. No caso da indústria, é também preciso pensar nos impactos indiretos, já que fábricas instaladas lá forneciam insumos para empresas instaladas fora do Estado.”
Ela também é da opinião que os efeitos da reconstrução devem ser mais longos, possivelmente alcançando 2025. “Um setor que deve se beneficiar é o da construção civil, que já terá alta de 1,5% no primeiro trimestre, na comparação anual”, comenta.
O BRP, por sua vez, embutiu um impacto líquido pequeno das enchentes sobre o PIB de 2024, de apenas 0,05 p.p. “A literatura acadêmica mostra que há uma aceleração de atividade extremamente robusta após desastres naturais. Teremos queda no segundo trimestre bastante intensa, mas haverá crescimento no médio e longo prazos. Se o clima permitir e as expectativas em torno do grande volume de recursos disponibilizados se realizarem, a partir do fim de junho teremos aceleração muito forte no PIB gaúcho, que ficará mais expressivo no quarto trimestre e transbordará para 2025”, diz Rocha, para quem a economia brasileira cresce 2,45% neste ano.
“A grande dificuldade é saber quanto caiu a produção e venda de bens e os serviços. No setor agropecuário, a soja e o arroz já tinham boa parcela colhida, mas também não sabemos o quanto estragou”, admite Serrano, do Bmg. “Podemos, sim, ter um PIB negativo no segundo trimestre.”
O economista lembra também que o desastre climático tornou mais difícil avaliar o cenário do segundo semestre de 2024. A economia, diz, tem reagido à queda de juros observada desde agosto de 2023 e a atual deterioração das expectativas de inflação deve afetar os cortes na Selic, em uma mudança que tende a afetar mais o crescimento em 2025 do que em 2024. “Mas o segundo semestre provavelmente será marcado pela recuperação do Rio Grande do Sul, o que talvez se sobressaia aos efeitos de ordem macro. Teremos queda abrupta e intensa, que depois levará a uma recuperação importante”, diz Serrano. “Então, o comportamento do ajuste sazonal no decorrer dos trimestres de 2024 ficará um pouco fora do que era a trajetória costumeira por causa disso, com um terceiro trimestre que poderá vir forte por causa da recuperação do Sul, e não sob efeito da política monetária.” O Bmg projeta alta de 1,8% para o PIB de 2024.