As linhas gerais da reforma tributária sobre o consumo foram aprovadas pelo Congresso Nacional na última semana, após décadas de discussão no Legislativo.
Pontos importantes, como o fim da cumulatividade (cada setor paga o seu imposto, se creditando do que foi pago na etapa anterior), cobrança dos impostos no destino (onde os produtos são consumidos, após uma longa transição), simplificação e fim de distorções na economia (como passeio de notas fiscais e do imposto cobrado “por dentro”) já foram assegurados.
Entretanto, vários temas sensíveis ficaram para o ano de 2024, pois o texto aprovado indica a necessidade de regulamentação de alguns assuntos por meio de projetos de lei. É a chamada regulamentação da reforma. Há um prazo de 180 dias para envio dos projetos ao Legislativo.
🔎 Para entender: leis complementares servem para regulamentar dispositivos específicos da Constituição. A aprovação depende de número menor de votos, em comparação às PECs — 257 deputados (em dois turnos) e 41 senadores (em somente um turno).
O cronograma da Fazenda prevê que a regulamentação será feita entre 2024 e 2025. Com o término dessa fase, poderá ter início, em 2026, a transição dos atuais impostos para o modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
Entre esses temas, estão:
▶️Definição das alíquotas necessárias dos IVAs federal, estadual e municipal, assim como do imposto seletivo, para manter a carga tributária estável. Estimativas do governo apontam que a alíquota padrão (para setores sem benefício) pode chegar a 27%, o que seria uma das maiores do mundo.
▶️Deliberação sobre quais itens serão incluídos na cesta básica, que contará com isenção dos futuros impostos sobre consumo federal, estadual e municipal. Quanto maior for a lista de produtos da cesta básica com alíquota zero, maior tende a ser a alíquota padrão (cobrada dos setores sem benefícios).
▶️Determinação de quais produtos e serviços poderão contar com alíquotas reduzidas. A PEC traz as categorias que serão beneficiadas com alíquotas reduzidas, mas o benefício terá de ser detalhado, em lei complementar, por bens e serviços. Quanto mais produtos beneficiados, maior terá de ser a alíquota padrão (para setores sem benefício).
▶️Regimes específicos de tributação para o setor financeiro, incluindo o ramo de seguros, além de combustíveis para operações com imóveis (incorporação, aluguel, imóveis residenciais e comerciais). Se esses setores contarem com tributação menor do que atualmente, tende a haver impacto na alíquota dos demais setores.
▶️Produtos que terão cobrança do imposto seletivo — apelidado de “imposto do pecado” —, criado para desestimular produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente. Armas e munições também seriam taxados pelo imposto, mas o trecho foi barrado pelos deputados na votação dos destaques (sugestões de alteração do texto) no segundo turno.
▶️Funcionamento do “cashback”, a devolução de parte do imposto pago às famílias de baixa renda. Lei complementar definirá quem poderá receber o benefício, como ele será pago, e quais bens e serviços seriam objetivo de devolução de imposto.
▶️A criação do Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia e do Amapá, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento e a diversificação das atividades econômicas na região, também será regulamentada por meio de lei complementar.
▶️Lei complementar também trará as regras de um regime fiscal favorecido para os biocombustíveis e para o hidrogênio de baixa emissão de carbono, para que tenham tributação menor que de combustíveis fósseis.
De acordo com Leonardo Roesler, advogado especialista em direito tributário, existem ao menos 46 pontos da reforma tributária sobre o consumo que vão ser regulamentados por meio de lei complementar.
“Após a promulgação, as discussões sobre a reforma não se encerram. O Congresso precisa ainda analisar série de projetos de lei que vão regulamentar pontos específicos (…) isso faz com que os efeitos com a aprovação não sejam sentidos de imediato, por conta da transição, que começaria em 2026 e mudaria somente em 2033”, declarou.
Segundo ele, a simplificação trazida pela reforma é “louvável em questão de redução da burocracia”.
“Mas a aplicação prática dessa medida gera preocupações sim, ao mencionar simplificação dos impostos sobre consumo inevitavelmente a gente pode falar que pode ter acréscimo de carga tributária para alguns setores”, concluiu Leonardo Roesler, advogado especialista em direito tributário.
Tiago Conde, advogado tributarista, professor e doutor em Direito, avaliou que o grande desafio do governo no próximo ano é justamente essa regulamentação da reforma tributária, que acontecerá em um ano de eleições municipais.
“Não será um ano fácil também, o governo vai ter que se esforçar para que essas regulamentações saiam a contento”, disse ele, acrescentando que “não existe tributo se não tiver a lei complementar para estabelecer as bases”.
“Acho que outro grande desafio é trazer segurança jurídica, o contribuinte quer sistema tributário limpo, não tão complexo como o nosso atual, mas o que precisamos realmente é ter sistema seguro, onde vou ter, por exemplo, direito a crédito e meu crédito estará garantido (…) segurança jurídica para que contribuinte tenha confiança de que essa reforma não vai causar muita judicialização”, disse Tiago Conde, advogado tributarista, professor e doutor em Direito.
Reforma tributária
Após décadas de discussões, o Congresso Nacional aprovou, na semana passada, em votação histórica, o texto-base da proposta de emenda à Constituição (PEC) que atualiza o sistema tributário brasileiro. Concluída a votação, a reforma vai para promulgação, ato que tornará o texto parte da Constituição.
Pela PEC, cinco tributos serão substituídos por dois Impostos sobre Valor Agregado (IVAs) — um gerenciado pela União, e outro com gestão compartilhada entre estados e municípios:
▶️ Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS): com gestão federal, vai unificar IPI, PIS e Cofins;
▶️ Imposto sobre Bens e Serviços (IBS): com gestão compartilhada estados e municípios, unificará ICMS (estadual) e ISS (municipal).
No modelo do IVA, os impostos não são cumulativos ao longo da cadeia de produção de um item.
Exemplo: quando o comerciante compra um sapato da fábrica, paga imposto somente sobre o valor que foi agregado na fábrica. Não paga, por exemplo, imposto sobre a matéria-prima que deu origem ao sapato – a fábrica já terá pagado quando adquiriu o material do produtor rural.
O valor do IVA ainda vai ser estipulado, em outra etapa, quando a PEC for regulamentada. A área econômica calcula que o percentual deverá ser algo em torno de 27% sobre o valor do produto, para manter a atual carga tributária do país — nem aumentar nem diminuir. Se confirmada, será uma das maiores alíquotas do mundo.
Além disso, os impostos passarão a ser cobrados no destino final, onde o bem ou serviço será consumido, e não mais na origem. Isso contribuiria para combater a chamada “guerra fiscal”, nome dado à disputa entre os estados para que empresas se instalem em seus territórios, mediante a oferta de incentivo fiscais.