A gestão do ministro Flávio Dino no Ministério da Justiça e da Segurança Pública aproximou o governo federal dos policiais e deu grande destaque às operações integradas que mobilizam as diversas forças de segurança — muitas vezes para combater crises pontuais, como no caso do tráfico de drogas no Rio de Janeiro.
Para especialistas em segurança pública, Dino e seu secretário executivo, Ricardo Cappelli, adotaram o “estilo xerife” na condução da segurança pública, o que deu grande repercussão às ações policiais. E, por isso, haverá pressão para que esse alinhamento se mantenha, mesmo após a saída de Dino do Ministério, sendo essa a principal herança que ele deixará para o novo ministro (leia mais abaixo).
Dino sairá da pasta para tomar posse como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) em 22 de fevereiro, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No lugar dele no Ministério da Justiça assumirá, em 1º de fevereiro, o ministro aposentado do STF Ricardo Lewandowski, nome de confiança de Lula.
O desafio de Lewandowski à frente da Justiça
Entenda abaixo as cinco “heranças” deixadas por Dino a partir dos seguintes tópicos:
- Manutenção no perfil
- Caso Marielle
- Câmeras nas fardas
- Protocolos de abordagens
- Garantia da Lei e da Ordem (GLO)
Manutenção do perfil
Na avaliação do presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, entidade que reúne pesquisadores do tema em todo o país, a gestão de Dino retirou de políticos da oposição “a exclusividade sobre o discurso de combate à criminalidade, o que foi importante no início do governo Lula.”
Já Lewandowski tem um histórico diferente. Mais discreto do que Dino, o ministro aposentado do STF foi o responsável por implantar as audiências de custódia, com o objetivo de garantir que presos não sofressem tortura da polícia, além de ter concedido um habeas corpus coletivo para libertar da prisão centenas de mães com filhos pequenos, entre outros exemplos de medidas voltadas à garantia de direitos.
Para Lima, o passado de Lewandowski indica que ele poderá voltar seu olhar não para a aproximação com as polícias, como Dino e Cappelli, mas para a outra ponta da questão da segurança — o sistema prisional, que também está sob a alçada do Ministério da Justiça e é onde as facções criminosas ganham força.
Segundo o pesquisador, porém, haverá muita cobrança para que o perfil atual da pasta seja mantido, e essa será a principal herança da gestão de Dino. “A pressão em cima do Lewandowski será imensa e o risco é que o discurso da defesa de direitos seja escanteado em nome da realpolitik [um pragmatismo político]”, diz.
O pano de fundo dessa “pressão” é a discussão sobre o rumo que a segurança pública tomará em um governo de esquerda.
Na quinta-feira (11), horas depois de ser oficialmente anunciado como novo ministro da Justiça, Lewandowski sinalizou ao blog da Julia Duailibi que sua gestão priorizará a segurança pública, embora não tenha detalhado de que forma. “Combate permanente e rigoroso à criminalidade”, declarou o futuro titular da Justiça.
Nesta sexta (12), um aliado próximo de Lewandowski afirmou ao g1 que ele dará “grande importância” a essa área. “Embora ele seja garantista, ele também é muito firme”, ressaltou.
Caso Marielle
Outro desafio imediato de Lewandowski à frente do Ministério é cumprir a promessa, feita por Dino, de que o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, será totalmente elucidado “em breve”.
No ano passado, Dino determinou à Polícia Federal (PF) que investigasse os mandantes do crime, tratado como “questão de honra”. O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, disse no início desta semana que tem “convicção” de que o caso será encerrado no primeiro trimestre deste ano, até março. Ele não antecipou detalhes da apuração.
Essa investigação é considerada complexa, de acordo com investigadores e especialistas em segurança pública, porque o crime ocorreu em março de 2018, há quase seis anos, e a passagem do tempo dificulta encontrar novas provas, como vídeos e mensagens
Câmeras nas fardas
O Ministério da Justiça prepara duas normas para regulamentar e incentivar o uso de câmeras corporais por policiais de todo o país, iniciativa com potencial de gerar desgaste principalmente com os policiais militares dos estados.
Uma das normas trata das características técnicas dos equipamentos. A outra, mais relevante para o debate político, dispõe sobre as diretrizes de uso das câmeras.
Esse texto entrou em consulta pública em dezembro para receber sugestões das corporações e de especialistas. A expectativa é que essa norma fique pronta no fim de fevereiro — no início da gestão de Lewandowski.
Pioneiro na adoção de câmeras corporais, o estado de São Paulo mostra que o assunto é polêmico. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) chegou a dizer no início de seu mandato que retiraria os aparelhos dos uniformes de PMs — uma pauta de opositores do governo —, mas recuou e manteve os equipamentos, apesar das críticas de parte de seus apoiadores.
Protocolo de abordagens
Outra medida com potencial de desagradar os policiais, mas que é cobrada por especialistas em segurança pública e por organizações de direitos humanos, é a edição de um protocolo nacional para padronizar as abordagens feitas a cidadãos nas ruas. Estudos indicam que um dos principais critérios empregados pela polícia atualmente é a cor da pele — negros estão mais sujeitos às abordagens.
Uma das possibilidades era que os estados, responsáveis pelas polícias militares, adotassem as normas previstas neste protocolo em troca de contrapartidas do governo federal, como recursos para a segurança.
A iniciativa não avançou na gestão de Dino e deverá ser cobrada de seu sucessor. Em nota, o Ministério da Justiça informou que montou um grupo de trabalho para atualizar as diretrizes nacionais sobre o uso da força e que, a partir daí, produzirá o protocolo de abordagens. Não há data para isso ocorrer.
Garantia da Lei e da Ordem (GLO)
Desde novembro passado, militares das Forças Armadas atuam nos portos e aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo para coibir o uso desses espaços por traficantes de drogas. O policiamento desses locais é atribuição da Polícia Federal.
A atuação excepcional dos militares se baseia em um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) assinado por Lula em meio à crise de segurança no Rio. O Ministério da Justiça é um dos responsáveis por acompanhar a execução da medida, prevista para durar até maio.
Segundo especialistas em segurança, é preciso aguardar o balanço final da GLO para avaliar se ela foi bem-sucedida e qual terá sido o impacto, na PF, do emprego de militares para desempenhar funções que são da corporação.
Dois policiais federais que trabalham no combate ao tráfico de drogas disseram ao g1 que a presença ostensiva de militares armados nos portos e aeroportos inibe, de fato, a atuação de traficantes nesses locais, mas que “os grupos criminosos sempre encontram rotas alternativas para escoar as drogas”. Essas rotas, segundo eles, têm sido monitoradas pela PF.