Ao fim de janeiro deste ano, em Tel Aviv, em Israel, foi realizada uma das mais importantes feiras de tecnologia do mundo. Nada de celulares ou computadores superavançados. Bienal, a Cybertech reúne o crème de la crème das inovações em segurança cibernética. Em pequenas estandes se aglomeram desenvolvedores de serviços de telecomunicações criptografados, de proteção a servidores, além de uma miríade de produtos focados na guarda de dados de governos. Missões do mundo inteiro são organizadas para visitar a feira e conhecer as novidades, inclusive saídas do Brasil. Israel vive em constante ataque cibernético. Encrustado no Oriente Médio, o país precisa se defender ininterruptamente de ataques a suas plantas de energia, hospitais e outros serviços públicos. Nenhum líder na área se faz de rogado ao chamar os vizinhos de “bad guys” (caras maus, em tradução literal, ou bandidos, no melhor sentido da expressão). Toda e qualquer empresa governamental israelense utiliza um método muito eficaz para conseguir aperfeiçoar constantemente sua segurança.
Na área de tecnologia, são designados dois times de hackers — sim, o governo contrata hackers. Um dos times, o vermelho, tenta diuturnamente quebrar a segurança dos sistemas, enquanto que o azul, tenta combatê-los. O nível de avanço israelense na área é tão grande que alguns setores não trabalham mais com humanos focados em romper as barreiras de proteção, mas no desenvolvimento de robôs dotados de tecnologia do tipo machine learning — a qual utiliza inteligência artificial para garantir o constante aprimoramento autônomo dos robôs — para encontrar as brechas. Assim também funciona também os times que tentam defender os sistemas, criando uma batalha entre máquinas, e não mais com pessoas. Quem criar o melhor robô, vence. Essa lógica permite que Israel tenha um dos sistemas de informação mais seguros do mundo. Mesmo assim, seus cidadãos confiam pouco nas instituições para guardar seus dados. Escândalos de crises de segurança como o vírus Wannacry, que acometeu os sistemas da Microsoft, em 2017, são vistos como um alerta e estímulo para um permanente aprimoramento.
Como dito, Israel é uma nação em meio a um barril de pólvora. As hostilidades internacionais enfrentadas por lá são muito diferentes das vivenciadas no Brasil. Contudo, não há desculpas para o governo brasileiro ter um sistema de informação tão capenga quanto temos. Na noite de segunda-feira, uma suposta célula dos hackers ativistas Anonymous vazou dados pessoais do presidente Jair Bolsonaro, de seus familiares e de pessoas próximas, como o ministro da Educação, Abraham Weintraub, e o empresário Luciano Hang, dono da rede varejista Havan. A facilidade que os hackers encontraram nos servidores que armazenam não só informações cadastrais, como CPF e e-mail, mas também dados bancários, como cartões de crédito, é assustadora. Não está se falando de uma pessoa comum que utiliza uma senha fraca em seu e-mail pessoal, mas do cidadão mais poderoso da República, o próprio presidente. Os sistemas de proteção de dados do governo só não é motivo de piada porque a questão é muito séria e não sugere risos.
Dois casos dantescos no início da década deixaram claro como as informações brasileiras são de fácil acesso para serviços de inteligência de outros países. Primeiramente, o caso Wikileaks, que mostrou como agentes americanos captaram informações sigilosas do governo brasileiro. Depois, em 2013, Edward Snowden mostrou ao mundo que essa era uma prática permanente e que o governo americano continuava a espionar seus próprios parceiros — políticos e comerciais. Eles deveriam ter servido de aviso, mas nada foi aprendido com esses casos.
Entre 2012 e 2018, o governo destino parcos 125 milhões de reais para aumentar a segurança cibernética. Para este ano, foram 19 milhões. Segundo o relatório desenvolvido pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Congresso, esses valores não chegam a um terço do necessário para garantir a intransponibilidade dos serviços de informação do Brasil. De acordo com a consultoria japonesa Trend Micro, o Brasil é um dos países com maior fragilidade a ataques de hackers. Talvez por isso, no ano passado, Bolsonaro investiu 7 milhões de reais em equipamentos de segurança eletrônica para proteger o Palácio do Planalto de grampos, câmeras ocultas, dispositivos de escuta de áudio e rastreadores de GPS. Embora esse dispêndio seja importante, a maneira como o governo se protege, como se prova agora, já está absolutamente defasada.
Quando um grupo de ativistas com um conhecimento que só vai um pouco além da média em segurança cibernética é capaz de expor dados tão sensíveis do Presidente da República, é lógico pensar no tamanho do estrago que países que possuem recursos ilimitados poderiam causar. Já que o governo brasileiro possui em Israel um norte de moralidade e militarização, seria bom também se inspirar neles no que têm de melhor: a segurança de informações.