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quarta-feira 22 de março de 2023 às 08:04h

‘Vampirizar’ recursos hídricos confronta a humanidade com crise ‘iminente’, alerta ONU

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A humanidade “vampiriza” os recursos hídricos do planeta “gota a gota”, alerta a ONU em um relatório publicado horas antes da abertura, nesta quarta-feira, da primeira conferência sobre a água em quase meio século, que tentará dar esperança a milhões de pessoas, ameaçadas por uma crise mundial “iminente”.

“O uso insustentável da água, a contaminação e o aquecimento global descontrolado estão drenando o sangue vital da humanidade, gota a gota”, alertou o secretário-geral da ONU, António Guterres, no prólogo do informe publicado por ocasião da conferência das Nações Unidas sobre a Água, a primeira desde a realizada em 1977 em Mar del Plata, na Argentina.

“A humanidade se dirige, cega, por um caminho perigoso”, destacou, antes de criticar a “vampirização” deste recurso vital, que afeta a “todos”.

Escassez em muitos lugares, abundância ou contaminação em outros, multiplicam-se as situações dramáticas relativas aos recursos hídricos e o relatório elaborado em conjunto pela ONU-Água e a Unesco adverte para o “risco iminente de uma crise mundial da água”.

“Quantas pessoas serão afetadas por esta crise mundial da água é uma questão de cenário”, explicou à AFP seu principal autor, Richard Connor. “Se nada for feito, entre 40% e 50% da população vão continuar sem acesso a serviços de saneamento e cerca de 20%-25%, à água potável”, assegurou. Ainda que os percentuais não mudem, a população aumenta, e por isso mais pessoas serão afetadas, observou.

Para tentar reverter esta tendência e garantir, até 2030, o acesso de todos à água potável e aos serviços sanitários, objetivos estabelecidos em 2015, cerca de 6.500 pessoas, entre as quais uma centena de ministros e alguns chefes de Estado e governo se reúnem em uma conferência dedicada ao tema até a sexta-feira em Nova York, com “compromissos” concretos.

 “Agora ou nunca”

“Há muito a fazer e o tempo não está do nosso lado”, avalia Gibert Hougbo, presidente da ONU-Água, plataforma que coordena o trabalho da ONU, que não tem nenhuma agência dedicada a este tema vital.

Desde 1977 não é celebrada nenhuma conferência deste porte para abordar o assunto, que tem sido amplamente ignorado.

Em um mundo onde, nos últimos 40 anos, o consumo de água doce aumentou cerca de 1% ao ano – particularmente nos países de renda baixa e emergentes -, o relatório destaca as dificuldades que “tendem a se generalizar” e se agravar com o impacto do aquecimento global. A agricultura absorve 72% da água, enquanto o consumo no setor industrial caiu 12%.

Em regiões como a América Central e o Caribe, a América do Sul e a Ásia, de 2000 a 2018, as extrações de água aumentaram, diferentemente do resto do mundo.

Cerca de 10% da população mundial vivem em países onde o estresse hídrico (a relação entre o uso da água e sua disponibilidade) atingiu um nível alto ou crítico. Segundo o relatório dos climatologistas da ONU (IPCC), publicado na segunda-feira, “cerca da metade da população” sofre de escassez hídrica “grave” durante pelo menos parte do ano.

Esta situação reflete desigualdades. “Independentemente de onde esteja, se tem dinheiro suficiente, conseguirá ter água”, explica Richard Connor. Mas, “quanto mais pobre, mais vulnerável se é a estas crises”.

O problema não é apenas a falta d’água, mas a contaminação que pode estar vinculada à falta ou à precariedade dos sistemas de saneamento.

Segundo dados atualizados do Instituto Trata Brasil, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público dedicada ao avanço do saneamento básico no país, “a falta de acesso à água potável impacta quase 35 milhões de pessoas e cerca de 100 milhões de brasileiros não possuem acesso à coleta de esgoto”.

No mundo, pelo menos 2 bilhões de pessoas bebem água contaminada com excrementos, o que as expõem à cólera, disenteria, tifo e pólio. Ainda está presente a contaminação por produtos farmacêuticos, químicos, pesticidas, microplásticos e nanomateriais.

Garantir o acesso de todos à água potável até 2030 demandaria pelo menos triplicar os níveis de investimentos atuais na área, segundo o informe da ONU.

A contaminação também ameaça os ecossistemas de água doce, que o relatório situa “entre os mais ameaçados do mundo”. Estes ecossistemas prestam serviços inestimáveis à humanidade, particularmente ajudando a conter o aquecimento global.

“Rompemos o ciclo da água”, resumiu em declarações à AFP Henk Ovink, enviado especial para a água dos Países Baixos, co-organizadores, em conjunto com o Tadjiquistão, da conferência da ONU.

“Devemos agir já porque a insegurança relacionada com a água mina a segurança alimentar, a saúde, a segurança energética e o desenvolvimento urbano e (multiplica) os problemas sociais”, acrescentou. “É agora ou nunca: a oportunidade de uma geração”.

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