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sábado 2 de fevereiro de 2019 às 14:04h

Vale doava milhões para 25 Estados e ao Congresso

DESTAQUE, POLÍTICA


A Vale e suas mineradoras e empresas subsidiárias espalharam influência em 25 Estados e no Congresso Nacional ao distribuir, por meio de doações oficiais e legalizadas, recursos que somaram R$ 82,2 milhões a deputados, senadores, governadores e aos três candidatos mais votados à presidência, segundo levantamento do jornal Estado de SP. No total, 139 parlamentares estaduais e 101 federais, além de sete governadores e dez senadores, foram eleitos em 2014 – para a legislatura que se encerra agora – com alguma participação dessas mineradoras em suas campanhas.

Especialistas ouvidos pelo jornal apontam que a relação de mineradoras com políticos pode ter sido crucial para frear a imposição de regras mais rígidas para o setor, mesmo depois do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, em novembro de 2015. Doações de empresas a políticos já não são mais permitidas.

O valor doado colocou a Vale entre os maiores protagonistas de financiamento de campanha em 2014, em um patamar só comparável à JBS, empresa de alimentação que informou em delação premiada ao Ministério Público o caráter ilegal dos recursos doados. As doações da mineradora são concentradas em Estados onde desenvolve operações volumosas, como em Minas (18%), Pará (9%) e Espírito Santo (8%), mas compreende uma gama ampla de partidos e ideologias, do PC do B ao PSL, com destaque para políticos do PMDB e PT; no total, candidatos de 27 partidos diferentes receberam doação dessas mineradoras.

O cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV) Cláudio Couto vê uma ligação direta entre as doações e a defesa da agenda da doadora. “A empresa espera que o político defenda seus interesses, e isso não significa agir necessariamente de forma corrupta para facilitar algo. Mas que defenda um marco regulatório nos moldes desejados, por exemplo”, explica. “E isso não é peculiar ao setor da mineração. Acontece com a Taurus (fabricante de armas), quando ela doa para a ‘bancada da bala’. Acontece com vários setores”, acrescenta.

A miríade de doações da Vale fez com que políticos que receberam valores da mineradora fossem maioria entre os eleitos, como é o caso do Espírito Santo, onde oito dos dez deputados federais receberam doações da mineradora. A porcentagem é alta também entre os eleitos para o Congresso Nacional por Minas (64,5%), Sergipe (50%) e Pará (47%). Nas assembleias estaduais, o padrão é o mesmo: 16 dos 24 deputados estaduais do Mato Grosso do Sul receberam dinheiro da Vale, 24 dos 41 no Pará e 45 dos 77 em Minas.

“A Vale nem me procura porque sabe que não vou aceitar (doação)”, diz o deputado estadual de Minas João Vitor Xavier (PSDB), autor de um projeto que previa maior rigor na fiscalização de barragens e pretendia desativar modelos como o de Brumadinho. Em julho do ano passado, sua proposta acabou reprovada na Comissão de Minas e Energia da Assembleia por três votos a um. Dois dos três que votaram contra receberam doação da Vale em 2014.

“Durou 30 segundos a análise e eles votaram contra. Passamos oito meses desenvolvendo a proposta junto à população, Ministério Público e Ibama, mas eles não quiseram ouvir os argumentos técnicos e preferiram ouvir as mineradoras”, diz. Reeleito para mais um mandato, Xavier promete encampar novamente o projeto, dessa vez “esperançoso por mudança”.

Ainda que diga que não recebeu doação da Vale, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aponta que Xavier recebeu indiretamente R$ 465 da Mineração Corumbaense, empresa subsidiária integral da Vale no Mato Grosso do Sul – há ainda uma doação indireta da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) no valor de R$ 80 mil. A CBMM é umas gigantes da mineração, mas não pertence à Vale. Com ela e outras empresas do setor, as doações das mineradoras a todos os políticos ultrapassaram a casa dos R$ 100 milhões.

Além da Corumbaense, este levantamento específico sobre a Vale leva em consideração doações feitas pela Minerações Brasileiras Reunidas e Salobo Metais, além de outras subsidiárias que levam o nome da empresa, como a Vale Mina do Azul, operação no Pará.

O deputado Thiago Cota foi um dos que votaram contra o projeto do deputado João Vitor Xavier na Assembleia de Minas. O TSE aponta que ele recebeu R$ 50 mil da Corumbaense, mas ele nega ter agido pela empresa ao ajudar a derrubar a proposta. “Não defendo empresas específicas, e sim o segmento da mineração por entender que ele gera mais de 500 mil empregos diretos, indiretos e induzidos, o que movimenta positivamente a economia de nosso Estado, mas jamais defendi uma mineração que não prezasse pela segurança ambiental, social e pela sustentabilidade”, afirmou, em nota.

Sobre as doações, ele reitera que elas ocorreram de forma legal, “uma vez que a legislação permitia, à época”. “Os recibos foram devidamente apresentados ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral) e a prestação de contas foi aprovada.”

O levantamento considerou doações diretas ou indiretas, ou seja, à época, os recursos podiam ser transferidos da empresa para diretórios dos partidos ou candidatos, para só então serem depositadas para o político. O TSE, no entanto, registrou todo o caminho e exigiu a identificação do chamado doador originário.

A reportagem realizou questionamentos à mineradora Vale sobre o assunto. Foi perguntado com que fins institucionais a empresa realizou essas doações, como foram escolhidos os candidatos que receberam recursos, por que as doações são mais volumosas nos Estados onde há mais operações da Vale, se a Vale manteve contatos com os parlamentares eleitos com ajuda da empresa e se há uma nova política para doação por pessoa física. As perguntas não foram respondidas.

Para 138 legisladores, doações da Vale foram importantes

O levantamento mostra que as doações foram mais importantes para cerca de 138 legisladores eleitos. Para esse grupo, as doações da mineradora representaram mais de 10% do volume total de recursos gastos em cada campanha, ou foram superiores a R$ 50 mil.

Entre os 138 há 76 deputados da Câmara dos Deputados ou 15% da casa, vindos de 22 Estados. Se fosse um partido, seria a maior bancada do Congresso. Esse “partido” teria 16 deputados de Minas, sete da Bahia e do Pará, seis de São Paulo, Rio e Espírito Santo , quatro em Pernambuco e Rio Grande do Sul; três em Sergipe e Paraíba; dois no Piauí e Paraná, e um em mais dez estados.

Nas assembleias estaduais, as doações da Vale foram importantes para 21 deputados estaduais de Minas, 12 do Espírito Santo, oito do Pará, cinco do Mato Grosso do Sul, quatro de Sergipe, dois do Ceará e do Pernambuco e um de mais oito estados. Ou seja, 40% dos deputados estaduais capixabas e 20% dos mineiros e paraenses receberam quantias significativas da mineradora em suas campanhas eleitorais.

No caso mais extremo, as doações da empresa representaram 48% do que recebeu o deputado Helder Salomão (PT-ES). Isso se repete com os deputados Lucio Vale (PR-PA; 46,6%) e Geraldo Resende (MDB-MS; 43,92%). No caso dos deputados estaduais, as doações também são relevantes, como para o Doutor Hércules (MDB-ES/ 58,8%) e Audic Mota (MDB-CE/ 54%).

Em Minas, só um projeto pós Mariana avançou; ‘lobby da mineração agiu’, diz deputado

Após o desastre em Mariana, a Assembleia Legislativa de Minas formou a Comissão Extraordinária de Barragens. O grupo formado por onze deputados encerrou os trabalhos em 2016 com a proposição de três projetos de lei, além de outros encaminhamentos. Entre as propostas, só uma, a menos abrangente, foi aprovada e está em vigor. As demais ficaram pelo caminho e, segundo deputados, foram alvos do “lobby da mineração”.

A mudança aprovada prevê que os recursos arrecadados por meio da cobrança da taxa a empresas sejam direcionados integralmente para a Secretaria do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (Semad), o que pode resultar em reforço nas atividades de fiscalização, por exemplo.

Já as propostas que ficaram pelo caminho previam medidas mais efetivas, como proibição de modelos de construção de barragens, desenvolvimento de políticas de assistência a afetados por essas estruturas, além de licenciamentos mais exigentes quanto à proximidade com a população e mananciais, por exemplo.

“A pressão das mineradoras fez com que um dos projetos sequer fosse posto para votação. Escutava de vários deputados: ‘esse (projeto) não passa’”, disse o deputado Rogério Correia (PT). Questionado sobre quem teria agido dessa forma e como se configurava o chamado “lobby da mineração” na Assembleia, Correia disse que “basta ver o mapa dos deputados que recebeu recurso (de doação de campanha)”. “Não vou citar nomes.”

O remédio para a pressão das mineradoras, diz o parlamentar, era a pressão social. “O MAB (Movimento dos Atingidos por Barragem) nos ajudou, mas essa pressão acabou sendo insuficiente para fazer os projetos andarem”, acrescenta Correia.

Ele diz esperar que, diante de uma nova tragédia, a pressão das mineradoras diminua. “Agora, as exigências precisam ser radicalizadas.” O projeto derrotado na Comissão de Minas e Energia do Legislativo mineiro deverá ter um substitutivo apresentado em uma nova comissão visando à tramitação até o plenário. “Temos de chegar a um consenso para aprovação rápida, sem sermos afetados pelo lobby”, acrescenta.

A relação entre lobby e doação de campanha parece ser mais complicada do que Correia sugere. Não são poucos os deputados que receberam quantias significativas de mineradoras, mas dizem agir de forma imparcial sobre o tema. O deputado Paulo Guedes (PT) é um deles. De acordo com o TSE, as doações de mineradoras a Guedes somaram mais de R$ 400 mil, de forma direta ou indireta, por meio do diretório do partido.

Mas ele relativiza. “As doações são legais e foram enviadas pelo partido. Não tenho relação com mineradora, não tenho rabo preso com ninguém e isso não interfere em nada na minha atuação”, diz. “Nunca votei em defesa da mineração ou da forma brutal como ela atua”, acrescenta.

Guedes, que se elegeu deputado federal, disse que agora há novas expectativas de mudanças na legislação. “Infelizmente no Brasil, só se lembra das coisas depois que a desgraça já está feita. O acidente obriga a todos a tomarem atitudes mais coerentes e mais práticas, cobrando de forma mais clara as empresas”, diz. “Não podemos nos calar diante de uma segunda tragédia.”

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