A importância de desconstruir o discurso “catastrófico que demoniza” a internet e afasta dos pais a responsabilidade na educação digital dos filhos e de investir num círculo de construção da paz que conecte pais, filhos e educadores numa rede interativa de conexão presencial foram alguns dos tópicos debatidos nesta última terça (8), na ‘2ª Conferência Tecnologia e Infância’, que abordou o tema ‘O melhor da infância é off-line’.
Na abertura do encontro, a procuradora-geral de Justiça Ediene Lousado lembrou que a tecnologia, ao mesmo tempo que gera facilidades, pode limitar a convivência entre as pessoas. “A presença excessiva no mundo cibernético prejudica a troca de afetividade entre as pessoas, além de gerar um isolamento que leva a problemas graves, como o suicídio, decorrente do bullying online”, afirmou a PGJ, fazendo referência a dados apresentados no encontro.
Uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (USP) revelou um aumento de 24% na taxa de suicídios de pessoas na faixa entre 10 e 19 anos no Brasil. O número foi apresentado pela procuradora de Justiça Marly Barreto, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Criança e Adolescente (Caoca), que organizou o evento com o apoio dos Centros de Apoio Operacional de Defesa da Educação (Ceduc), da Saúde Pública (Cesau), dos Direitos Humanos (Caodh), Criminal (Caocrim), além do Núcleo de Combate aos Crimes Cibernéticos (Nucciber) e do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf). De acordo com a procuradora, a pesquisa relacionou o número de suicídios ao isolamento provocado pela exposição excessiva das crianças aos aparelhos eletrônicos, sobretudo com acesso à rede mundial de computadores, a internet. Uma pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) que ouviu mais de 170 mil jovens de 13 a 24 anos e foi apresentada pela pesquisadora Ana Carolina Fonseca revelou que um terço deles afirma já ter sido vítima de bullying online e 40% deles já presenciaram algum tipo de discriminação nas redes sociais da internet.
O psicólogo e doutor em ciências da educação Alessandro Marimpietri afirmou que a superexposição aos meios eletrônicos, a falta de filtros e a centralidade das redes sociais na vida dos jovens é um risco real. O neuropsicólogo disse, porém, que demonizar a internet, além de não resolver, pode agravar o problema. “Ao se comportar assim, os pais afastam de si a responsabilidade, colocando os eletrônicos como vilões por si só, esquecendo que eles próprios deram os dispositivos eletrônicos aos filhos e não impuseram os limites de uso necessários”, disse, salientando que o caminho é desconstruir o discurso catastrófico e oferecer no dia a dia da criança e do adolescente o que ele busca na internet: diversão, relacionamentos e informação. “Muitas vezes, o jovem busca preencher, por meio da internet, vazios que existem nas suas vidas e poderiam ser preenchidos pelos próprios pais e pela educação.
Na mesma linha de raciocínio, o diretor da Safernet Brasil e doutor em psicologia social Rodrigo Nejm destacou a importância da família e da escola no papel de orientar o jovem quanto ao uso consciente da internet. O pesquisador desmentiu o que chamou de ‘mito do nativo digital’. “É falsa a ideia de que os jovens de hoje já nascem sabendo usar a rede. Na verdade, ninguém está preparado para enfrentar sozinho os desafios do mundo digital. Isso precisa sempre ser feito sob a orientação dos responsáveis”, frisou o pesquisador.
Doutora em Saúde Pública e pós doutorada em Justiça Restaurativa, a juíza aposentada Isabel Lima acrescentou que são justamente esses responsáveis que devem criar as pontes que conectem esses jovens e crianças a outras pessoas não necessariamente por meios digitais. “Os pais e mestres precisam viver com os jovens experiências partilhadas, dividir momentos e histórias criando uma conexão de valores capaz de integrar os adolescentes a uma outra dimensão”, afirmou ela, destacando a importância de ouvir o jovem no processo. “Quando escutados, o adolescente e a criança estabelecem, com o adulto, formas pactuadas de atender às suas demandas. É uma construção coletiva, que não precisa afastar o jovem da internet, mas sim aproximá-lo dos seus pais e da satisfação das carências que eles buscam na rede”, concluiu.