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sexta-feira 16 de fevereiro de 2024 às 06:49h

União Europeia precisaria de seu próprio arsenal atômico?

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Críticas à OTAN feitas por Donald Trump impulsionam discussões sobre um “escudo nuclear” para defesa do bloco europeu. Alemanha tem papel peculiar em termos de defesa atômica. O ministro alemão da Defesa, Boris Pistorius, estava visivelmente irritado. Ele não apreciou que a questão das armas nucleares na Europa se tornassem tema de debate em um programa de televisão. “Não há motivos para discutirmos agora o escudo protetor nuclear”, afirmou, em entrevista à emissora pública alemã ARD.

Há poucos dias, o provável candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou, caso seja eleito, não ajudar militarmente os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Ele afirmou que quem não investir o suficiente em defesa não terá, necessariamente, a proteção dos EUA. Disse até que encorajaria a Rússia a fazer “o que diabos quiser” com as nações inadimplentes. Dessa forma, Trump ameaça pôr fim ao compromisso de proteção mútua entre os países da Otan.

O Artigo 5 do Tratado afirma que se um membro for atacado, este será então um ataque à toda a Otan. Os demais membros deverão tomar as medidas necessárias para garantir a segurança do território da Otan, “inclusive com o uso da força”.

Armas nucleares para a UE?

A vice-presidente do Parlamento Europeu, a social-democrata alemã Katarina Barley, coloca em dúvida a confiabilidade da proteção nuclear dos Estados Unidos à Europa à luz da fala de Trump. Ela defende que a UE avalie a aquisição de seu próprio arsenal nuclear.

O ministro alemão das Finanças, Christian Lindner, defendeu um estreitamento da cooperação com as potências nucleares europeias. O Reino Unido e a França são as duas únicas nações da Otan, além dos EUA, a possuírem armas nucleares, ainda que em número relativamente menor.

A União Europeia (UE) como poder nuclear é algo completamente ilusório, afirmou à DW o especialista Karl-Heinz Kamp, da Sociedade Alemã de Política Externa (DGAP), que já trabalhou para a Otan e para o Ministério da Defesa da Alemanha.

“A UE sequer é um poder militar. Não temos Forças Armadas ou um governo em comum. Isso tudo seria pré-requisito para a Europa se tornar uma potência nuclear. Teríamos que ter um presidente; um chefe que tomasse as decisões sobre as armas nucleares. Enquanto não tivermos tudo isso, essas serão considerações completamente ilusórias.”

Poder protetor dos EUA

A questão sobre armas nucleares é “um debate bastante alemão, algo que não tempos em nenhum outro país”, diz Kamp. Menos ainda no Leste Europeu, onde os países se sentem particularmente ameaçados pela agressividade da Rússia de Vladimir Putin, o que gera uma ameaça de guerra nuclear.

Kamp diz acreditar que não haverá uma defesa comum no futuro próximo “por que os países do Leste Europeu não querem isso de modo algum. Eles pensam ‘onde estaríamos na guerra russa contra a Ucrânia sem os americanos?’”.

Maximilian Terhalle, professor do Instituto de Políticas de Segurança da Universidade de Kiel, observou em entrevista ao jornal alemão Tagesspiegel que “se Trump vencer e a Europa estiver despreparada, estará aberta a chantagens devido à falta de um obstáculo confiável. A Europa deve se preparar contra isso de modo robusto e nuclear”.

A situação da Alemanha tem muito a ver com sua história recente. Após as experiências da Segunda Guerra Mundial, o primeiro chanceler da jovem República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental), Konrad Adenauer, declarou em 1954 a renúncia alemã às armas nucleares.

Os EUA se empenharam em incluir a Alemanha Ocidental na dissuasão nuclear contra o Pacto de Varsóvia, dominado por Moscou.

“Agressividade inerente” alemã

“Um país que sempre era visto como inerentemente agressivo até o fim da Segunda Guerra e que deflagrou duas guerras mundiais, não era visto de maneira confiável como nação capaz de receber armas nucleares”, explica Kamp.

Por esse motivo, nunca houve uma discussão sobre possíveis armas nucleares alemãs. “Aqueles que falam agora sobre armas em uma dimensão de defesa europeia não falam sobre armas nucleares alemãs; isso porque a Alemanha é membro do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares e assumiu diversos compromissos sob as leis internacionais para renunciar à posse de armas de destruição em massa – inclusive armas nucleares”, lembra o especialista.

Após a queda do muro de Berlim, em 1989, o colapso da União Soviética e o fim da separação entre o Leste e o Oeste, a posição alemã foi novamente cimentada no chamado Tratado Dois-Mais-Quatro, que impede o país de possuir armas nucleares.

As quatro nações vencedoras da Segunda Guerra (EUA, União Soviética, França e Reino Unido) decidiram em 12 de setembro de 1990 que a Alemanha Ocidental deveria se reunificar com a Oriental (por isso o nome “Dois-Mais-Quatro”) e abandonar as armas nucleares. Além disso, diz Kamp, “um poder nuclear alemão seria algo que causaria terror, unicamente por questões históricas”.

“Participação nuclear”

Durante a Guerra Fria, os EUA equiparam a Europa Ocidental em larga escala com armas nucleares, de modo a impedir uma ataque soviético. Washington retirou muitas dessas bombas atômicas após o colapso soviético. Entretanto, calcula-se que em torno de 180 armas nucleares ainda estão em solo europeu: na Itália, Turquia, Bélgica, Holanda e Alemanha. O modelo em que um país não nuclear como a Alemanha pode possuir armas atômicas em seu território é chamado de “participação nuclear”.

Especialistas calculam que 20 armas nucleares americanas estejam armazenadas na cidade alemã de Büchel, no estado da Renânia-Palatinado. “Contudo, a única autoridade com poder para decidir o destino dessas armas é o presidente dos Estados Unidos”, diz Kamp.

Na entrevista à emissora ARD, o ministro alemão Boris Pistorius criticou as declarações de Trump aos países mau pagadores da Otan. De maneira um tanto presunçosa, ele assegurou que “a maioria das pessoas responsáveis nos Estados Unidos sabem exatamente o que possuem na relação com parceiros transatlânticos na Europa; o que possuem na Otan”.

O especialista em defesa Karl-Heinz Kamp observou que “Trump poderá causar danos significativos à Otan, mas não conseguirá destruí-la. Não se pode destruir décadas de relações transatlânticas em apenas um mandato.”

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