Concluída após 14 anos de obras cortando o semiárido nordestino, a transposição do rio São Francisco já fornece água a Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Mas, agora pronta, há um dilema a ser resolvido: quem vai pagar pelos custos de manutenção dos canais?
A reportagem é de Carlos Madeiro, do portal UOL.
Os trabalhos terminaram oficialmente em fevereiro deste ano, mas até aqui não houve acordo entre União e estados receptores da água. Além disso, para 2023, não há previsão de orçamento capaz de cobrir todos os custos de manutenção dos dois eixos.
O problema é que, ainda em 2006, um decreto federalpreviu que caberia à União arcar com os custos de implantação do sistema. Com os estados, ficariam os custos de operação e manutenção do PISF (Projeto de Integração do Rio São Francisco).
O MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional), que responde pela obra, afirma que o projeto está na fase de pré-operação comercial e os custos estão sendo bancados pela União. Por ano, diz, são necessários cerca de R$ 300 milhões.
Mesmo sem acordo comercial firmado, para 2023 o governo federal não colocou nem metade do valor necessário no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual), que tramita no Congresso.
De acordo com a rubrica para “gestão, operação e manutenção do PISF”, estão previstos apenas 135,4 milhões. Somente neste ano já foram gastos até hoje R$ 177 milhões.
Valores do PLOA ano a ano para o projeto (atualizados pelo IPCA):
- 2023 – 135.400.000*
- 2022 – 304.815.409
- 2021 – 225.240.782
- 2020 – 180.515.673
- 2019 – 125.630.660
- 2018 – 131.639.621
* Ainda não aprovado
Fonte: Siga/Senado
Para cobrir os custos do empreendimento, o projeto prevê uma tarifa para cobrar pelo valor da água utilizada, que é atribuição anual da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico). Para o ano que vem, ainda vai ser definida a tarifa.
“Os valores que cada estado terá que pagar à operadora federal do PISF (a Codevasf) decorrem da quantidade de água solicitada pelos estados anualmente. Essa demanda é avaliada e aprovada pela ANA no Plano de Gestão Anual”, informou a ANA à coluna.
Sem acordo
Segundo o MDR, um termo de pré-acordo chegou a ser feito, com expectativa de que o contrato de operação comercial fosse assinado entre União e estados beneficiados até agosto de 2021. Os documentos foram elaborados e encaminhados aos entes estaduais, mas não se chegou a um consenso. Com isso, o acordo deve ficar para a próxima gestão.
Nesta semana, o MDR explicou à coluna que a celebração dos contratos para prestação de serviço está sendo conduzida no âmbito da Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal.
Para tentar “progredir na assinatura dos contratos”, diz a pasta, a União propôs subsídio da manutenção.
“Haveria um escalonamento da tarifa, em que a União arcaria com 95% dos custos no primeiro ano, 85% no segundo, 65% no terceiro e 35% no quarto ano, encerrando-se a participação da União no quinto ano. Haveria a possibilidade de revisão do escalonamento no quarto ano”, explica.
Cabe ressaltar que o Projeto São Francisco vem prestando o serviço de adução de água desde 2017, com custos arcados exclusivamente pela União.”
Ministério de Desenvolvimento Regional
Estados aceitaram, mas…
Segundo o secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte, João Maria Cavalcanti, a proposta citada à coluna pelo MDR foi elaborada inicialmente pelos estados receptores e faziam parte de um pré-acordo com os quatro estados e mediação da AGU (Advocacia-Geral da União).
“Depois disso, o governo federal elaborou o acordo. Porém, nele estavam incluídos pontos que não tinham sido pré-acordados com os quatro estados. Com isso, não foi assinado pelos estados receptores”, diz. O secretário, porém, não quis detalhar quais seriam esses pontos.
Para ele, o documento precisa ser rediscutido a partir das inserções que teriam sido realizadas pelo governo federal.
Os estados receptores estão em constante diálogo e coesos em relação a esse posicionamento, buscando reabrir a discussão, inclusive agora frente a um novo governo, para estabelecer as condições para que um novo acordo seja assinado.”Secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte, João Maria Cavalcanti
O secretário dos Recursos Hídricos do Ceará, Francisco Teixeira, afirma que o estado prefere aguardar a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para retomar o tema.
“A Secretaria dos Recursos Hídricos aguarda o novo governo federal assumir para continuar o diálogo a respeito do processo de implementação do sistema tarifário do PISF, a fim de alcançar a sustentabilidade financeira do sistema”, afirmou em nota à coluna.
O canal
A obra da transposição demorou 14 anos para ter seu projeto básico finalizado —dez anos de atraso, considerando a promessa inicial. Após R$ 14 bilhões investidos, hoje a água chega a sertanejos de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.
A transposição do Velho Chico —como o rio é conhecido— é um sonho antigo, da época do Império, no século 19, que só saiu do papel em 2008. Trata-se de um empreendimento de engenharia complexa e que gerou muita polêmica.
A captação da água ocorre em dois pontos: nos municípios de Floresta e Cabrobó, ambos no sertão pernambucano.
O eixo leste recolhe água em Floresta, cruza o estado de Pernambuco e chega até o rio Paraíba, em Monteiro (PB). Ele foi inaugurado para fase de testes em 2018. O lançamento ocorreu com dois eventos: um oficial, do presidente Michel Temer (MDB); e outro com a presença dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff (PT).
Já o eixo norte leva água de Cabrobó até o reservatório de Jati, no Ceará —o último a ser inaugurado. A conclusão da obra foi anunciada com visita de Bolsonaro ao Nordeste em fevereiro deste ano.
Números da transposição
- Mais de 477 km*
- R$ 14,6 bilhões investidos
- 390 municípios atendidos
- 12 milhões de pessoas beneficiadas
* Não inclui os ramais do Agreste, Salgado e Apodi