A Advocacia-Geral da União (AGU) intensificou, no Judiciário, o trabalho de combate ao desmatamento. Por meio de um acervo de 300 ações civis públicas, busca segundo reportagem de Arthur Rosa , do Valor, a recuperação de 331 mil hectares e a condenação ao pagamento de mais de R$ 4,5 bilhões por prejuízos ambientais. Parte desse valor refere-se ao chamado “custo social do carbono”, decorrente da supressão ilegal de vegetação, uma nova tese que passou a ser acatada pela Justiça.
Também faz parte dessa nova estratégia a criação do grupo de atuação AGU Recupera. O órgão passou a focar em grandes casos e buscar a recuperação de outros biomas, além da Amazônia. As ações civis públicas englobam também Cerrado, Pantanal, Caatinga, Pampa e Mata Atlântica. São decorrentes de infrações administrativas identificadas pelo Ibama e ICMBio – desmatamento e queimadas ilegais, além do uso de produtos florestais sem a devida licença ambiental ou mediante fraude nos sistemas de controle ambiental.
Uma das decisões que resultou da aplicação da nova tese pela AGU é da 6ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Amapá. O juiz Hilton Sávio Gonçalves Pires condenou uma madeireira a pagar indenização de R$ 1,4 milhão, referente ao custo social do carbono. A decisão foi dada em recurso (embargos de declaração com efeito infringente) contra a sentença, que não se pronunciou sobre esse pedido (processo nº 1003478-16.2018.4.01.3100).
Na decisão, o magistrado afirma que “os danos causados à coletividade pelo poluidor podem ser apontados como a perda de nutrientes e do próprio solo, os reflexos na população local, a perda de capital natural, incremento de dióxido de carbono na atmosfera, diminuição da disponibilidade hídrica”. E acrescenta que, nesse contexto, o réu deve ser condenado ao pagamento do custo social do carbono.
“Identificar e estabelecer um custo social do carbono (CSC) é particularmente útil para a construção de políticas públicas que se referem à mudança climática e ao desenvolvimento sustentável na região”, diz o juiz. A decisão inclui ainda a obrigação de recuperar uma área de 14,90763 hectares ou o pagamento de indenização por danos patrimoniais, em caso de impossibilidade de recuperação da área degradada.
Na Vara Federal Cível e Criminal de Itaituba (PA), a juíza Sandra Maria Correia da Silva também entendeu que o réu, uma madeireira, deveria ser condenado ao pagamento do custo social do carbono. O valor da indenização foi fixado em R$ 1 milhão, por considerar o “dano relevante”.
O réu foi acusado de ter em depósito 3,3 mil metros cúbicos de madeira serrada sem autorização válida para o armazenamento. “Foi necessário a supressão ilegal de 96 hectares de floresta nativa amazônica, com potencial capacidade de extinguir espécies da flora e da fauna, prejudicando-se o equilíbrio ecológico e a qualidade de vida no meio ambiente local”, diz a magistrada na sentença (processo nº 1000083-80.2019.4.01.3908).
O desmatamento tem que ser reparado de forma integral”
— Erika Bechara
A juíza condenou ainda a madeireira a recompor a área desmatada (96 hectares), além de impedir que tenha acesso a linhas de financiamento e incentivos e benefícios fiscais oferecidos pelo poder público. “O grau de culpa do ofensor é elevado, haja vista a exploração de terra pública, mediante desmatamento ou destruição da vegetação nativa, na região amazônica, sem autorização do poder público, quer quanto ao uso, seja em relação à destruição da vegetação”, afirma.
Além do custo social do carbono, a AGU passou a se concentrar em grandes casos ou que envolvam desmatadores contumazes, segundo a procuradora-chefe da Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente, Mariana Barbosa Cirne. “É para que sirvam de exemplo. A ideia é desestimular o desmatamento”, diz ela.
Num dos casos, o órgão, em ação civil pública, cobra R$ 292 milhões de um pecuarista suspeito de desmatar e queimar 5,6 mil hectares de floresta amazônica, entre 2003 e 2006. A quantia é a maior já cobrada em uma ação de dano climático, afirma a procuradora-geral. O valor foi calculado com base em parâmetros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
De acordo com a inicial, esses desmatamentos são fontes ilegais de emissão de gases de efeito estufa, um total de 901.600 toneladas de carbono, “a concorrer para o dano climático que se pretende reparar”. O caso tramita na 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas (processo nº 1037196-19.2023.4.01.3200).
A discussão sobre o custo social do carbono é uma tendência mundial e ganhou importância no Brasil com os altos índices de desmatamento registrados nos últimos anos, segundo especialistas. “Faz sentido essa discussão na medida em que a indenização se dá pela extensão do dano”, diz o advogado Thiago Pastor, sócio da área ambiental do Rolim, Goulart, Cardoso Advogados.
O grande problema, acrescenta o advogado, é mensurar esse prejuízo. “Existem várias metodologias e depende das características de cada floresta”, afirma ele, lembrando que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução nº 433, de 2021, para que os juízes, na condenação por dano ambiental, levem em consideração o impacto do dano na mudança climática global.
Para a advogada Erika Bechara, sócia do Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueiredo Lopes Advogados (SBSA Advogados), não basta mais o desmatador restaurar a área. “É uma parte da reparação”, afirma ela, acrescentando que uma das fontes da emissão de gases do efeito estufa é o desmatamento. “Não pode ser desprezado. O desmatamento tem que ser reparado de forma integral.”