Em entrevista ao jornal O Globo, o encarregado de negócios na embaixada da Ucrânia em Brasília, Anatoliy Tkach, afirma que meio milhão de pessoas de origem ucraniana no Brasil esperam que o governo brasileiro defenda uma solução pacífica para o conflito com a Rússia. Ele afirmou que seu governo gostaria que o presidente Jair Bolsonaro se manifestasse a favor da Ucrânia, na visita que fará a Moscou, em meados de fevereiro. Ressaltou que a viagem à região seria mais equilibrada se Bolsonaro passasse por seu país.
Tkach está à frente do posto em Brasília desde dezembro de 2021, quando o embaixador Rostyslav Tronenko voltou para seu país. Segundo ele, apesar de a Rússia ter deslocado mais de 100.000 militares para a fronteira da Ucrânia, não há indicadores sugerindo que o Kremlin já decidiu atacar. Ele destaca que a agressão russa não tem apenas dimensões militares, mas também econômicas, financeiras, campanhas de desinformação e ataques cibernéticos em massa. O diplomata diz, ainda, que os cidadãos ucranianos não têm medo e” estamos prontos para qualquer cenário, mas a Ucrânia sempre insiste em um acordo diplomático”.
O que a Ucrânia espera do Brasil nessa crise com a Rússia?
A agressão russa é real, acontece desde 2014. Continua a tirar a vida das pessoas, e há uma possibilidade real de que a Rússia possa usar a força novamente. Portanto, é fundamental reagir de maneira resoluta e responsável, independentemente da escala da possível invasão da Rússia. Vale lembrar, neste contexto, que a Rússia já demonstrou muitas vezes antes que pode atacar a Ucrânia disfarçada, sem reconhecer o envolvimento de tropas regulares. O Brasil atualmente cumpre o seu 11º mandato como membro não permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas e é sua função defender nos foros internacionais a Constituição do Brasil que prega, em seu Artigo. 4.º, a autodeterminação dos povos, a não intervenção nos assuntos internos de outros países, igualdade entre os Estados, defesa da paz e a solução pacífica dos conflitos. No Brasil são mais de meio milhão de brasileiros de origem ucraniana que têm suas famílias na Ucrânia sob a ameaça russa e esperam um posicionamento do Brasil ao respeito da agressão russa contra a Ucrânia.
Como o governo da Ucrânia avalia a viagem que o presidente Jair Bolsonaro fará à Rússia?
O governo ucraniano espera que Bolsonaro levará uma mensagem de conciliação a Moscou?
Não temos informações sobre isso, mas gostaríamos de acreditar que o presidente do Brasil se manifestará em apoio à Ucrânia em seu diálogo com seu colega russo.
As autoridades ucranianas acreditam de fato que a Rússia poderá invadir seu país?
Apesar de a Rússia deslocar mais de 100.000 das suas tropas nas fronteiras da Ucrânia, não há indicadores sugerindo que o Kremlin já decidiu atacar. Sendo este o caso, deveríamos estar fortemente focados na diplomacia. A agressão russa não tem apenas dimensões militares, mas também econômicas, financeiras, campanhas de desinformação, bem como ataques cibernéticos em massa. A Rússia está investindo enormes esforços para minar a estabilidade econômica e financeira da Ucrânia, semeando o pânico, ameaçando a sociedade e as empresas ucranianas de que uma nova operação militar é inevitável. A Rússia está explorando as preocupações de segurança levantadas por outros países e está tentando minimizar os esforços da Ucrânia para garantir a estabilidade econômica, bem como as reformas que tiveram sucesso no nosso país.
No entanto, se analisarmos os fatos, a Ucrânia encerrou o ano de 2021 com os melhores indicadores econômicos desde 2012. Estamos no bom caminho no que diz respeito à economia e não devemos permitir que a Rússia destrua nossa estabilidade econômica.
Como está a população da Ucrânia diante dessa possibilidade de guerra?
A Rússia iniciou a guerra contra a Ucrânia há oito anos e, durante esse período, mais de 14.000 pessoas morreram, devido à agressão russa.
O exército ucraniano ficou muito mais forte do que em 2014 e tem 261 mil pessoas. Temos a oportunidade de organizar uma força de defesa territorial de 130 mil, temos 400 mil veteranos da guerra ucraniano-russa. Se ocorrer uma invasão em grande escala, será uma catástrofe não apenas para a Ucrânia, mas também para a Europa, que, entre outros, provocará uma crise de imigração grave. Os cidadãos ucranianos não têm medo e estamos prontos para qualquer cenário, mas a Ucrânia sempre insiste em um acordo diplomático.
Que tipo de apoio a Ucrânia espera da Europa e dos Estados Unidos?
Enquanto nossos parceiros estão avaliando as contramedidas abrangentes, a liderança russa deve entender que o Ocidente estará pronto para impor as sanções mais duras se a situação se agravar. A diplomacia ativa e mensagens políticas fortes devem continuar até que Moscou cesse seus planos agressivos. Estas devem ser seguidas por novas sanções econômicas e fortalecimento das capacidades defensivas da Ucrânia. Apelamos aos nossos parceiros para permanecerem unidos no seu compromisso de assegurar que as medidas de dissuasão sejam fortes e eficazes. Não haverá segurança na Europa sem a segurança da Ucrânia. Qualquer discussão sobre segurança europeia deve incluir a União Europeia e a Ucrânia. Quaisquer concessões à Rússia sem o cumprimento de suas obrigações previstas nos acordos de Minsk e acordos alcançados no formato da Normandia, inclusive durante a Cúpula da Normandia em Paris em 2019, apenas incentivarão a liderança russa a conduzir uma política externa mais agressiva.
Existe o temor de que os EUA abandonem a Ucrânia, tal como fizeram com o Afeganistão?
A situações no Afeganistão e na Ucrânia não podem ser comparadas. A Ucrânia vem se defendendo militarmente da agressão russa há oito anos. Agradecemos o apoio internacional, incluindo suprimentos de armas dos EUA e de nossos parceiros europeus.
Apelamos aos nossos parceiros para permanecerem unidos no seu compromisso de assegurar que as medidas de dissuasão sejam fortes e eficazes. Nesse contexto, a decisão recente dos EUA de fornecer à Ucrânia um pacote de apoio militar no valor de US$ 200 milhões que ajudará a fortalecer nossa capacidade defensiva é muito oportuna. Isto servirá como um sinal de unidade transatlântica.
Como Kiev vê a posição hesitante da Alemanha?
A Alemanha é um parceiro importante da Ucrânia e somos gratos por seu apoio. Mas não aceitamos a sua posição sobre o fornecimento de armas e outras decisões que prejudicam a segurança da Europa e encorajam de fato o agressor. A posição oficial da Alemanha de se recusar a fornecer armas à Ucrânia mina a segurança da Europa e encoraja o agressor. A Ucrânia tem o direito legal de autodefesa quando seu território é bombardeado dia e noite com armas pesadas russas e quando civis e soldados morrem. Hoje, mais que nunca, a firmeza e a solidariedade são importantes para conter as intenções destrutivas da Rússia. A destruição da unidade para dissuadir a Rússia é o que Moscou está buscando agora para continuar a implementar seus planos agressivos. A Alemanha, que desempenha um papel tão importante na solução do conflito, não pode hesitar. A agressão russa não é só contra a Ucrânia. No próprio território da Alemanha, os serviços especiais russos assassinam opositores no coração de Berlim, realizam ataques de hackers a membros do Bundestag e campanhas de desinformação em massa na sociedade alemã.