O economista Luiz Fernando Figueiredo mantém a cautela em relação à política fiscal que será implementada pelo governo Lula e ao impacto que ela terá na economia. Apesar de dizer que as medidas anunciadas na semana passada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deverão reduzir segundo o Estadão, o déficit primário e desacelerar o crescimento da dívida pública, ele prefere pagar para ver se as promessas de que haverá equilíbrio fiscal a partir de 2024 vão se concretizar. “Uma coisa é o Haddad falar ‘vou trazer a estabilidade fiscal’. Outra é ele convencer o presidente e o PT a fazerem isso”, afirma. “Só o tempo vai nos dizer o que irá acontecer.”
Como o sr. avalia os primeiros movimentos do governo Lula na economia?
O governo começou mal. Antes mesmo de assumir, já trouxe um custo adicional ao País, de cerca de R$ 200 bilhões só em 2023, com a chamada PEC da Transição, aprovada pelo Congresso. É louvável que o governo queira honrar os compromissos de campanha, mas não precisa honrar tudo na data zero. Além disso, depois que o Lula falou sobre um suposto conflito entre estabilidade fiscal e responsabilidade social, logo após as eleições, o custo projetado para a rolagem da dívida pública aumentou de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões, porque os juros do mercado futuro subiram barbaramente.
Por que a reação dos investidores em relação à PEC da Transição foi tão negativa?
Porque não dá para desassociar equilíbrio fiscal de responsabilidade social. A gente precisa entender que o Brasil tem uma dívida que é mais alta entre os países emergentes e não tem uma situação fiscal que nos permita manter essa dívida em equilíbrio. Para a dívida se estabilizar, a gente precisa ter um superávit primário da ordem de 2% a 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto) ao ano. Só que essa PEC gerou um déficit de 1% a 1,5% do PIB, elevando o rombo fiscal em 2023 para mais de 3% do PIB, e nos deixou mais distantes de uma situação de sustentabilidade da dívida.
Até que ponto as medidas fiscais anunciadas por Haddad na semana passada mudaram essa percepção?
Não dá para tomar as medidas anunciadas pelo ministro pelo valor de face, de R$ 242 bilhões. Mas, quando a gente avalia de forma mais realista o impacto fiscal que elas terão, chega num número bem razoável. Na nossa conta, vai dar mais ou menos uns R$ 150 bilhões. Isso deve reduzir o déficit primário neste ano para algo entre -0,5% e -1% do PIB. Não é um bom cenário, mas é um cenário melhor. Falta ainda definir o arcabouço fiscal que deverá substituir o teto dos gastos. O Haddad disse que ele virá em seguida. É o mínimo que se espera para a gente ter um ambiente de estabilidade, para ir para frente e não para trás, viabilizando a agenda social. Agora, a gente ainda precisa ver o que virá, para saber quais serão as regras fiscais que vão nos levar a essa situação de sustentabilidade da dívida.
A questão é que, mesmo com essas medidas, a dívida pública ainda deverá crescer de forma considerável em 2023.
Não há dúvida de que a dívida vai crescer, não só por conta do déficit primário, mas também por causa do juro, que está muito alto, para reduzir a inflação. Ainda assim, deverá subir menos do que se projetava. Antes do anúncio das medidas fiscais, a previsão com a aprovação da PEC era de que a dívida passaria de 74% do PIB para 82/83% do PIB no fim do ano. Agora, a previsão é de que fique perto de 80% do PIB. Ainda será um salto enorme num ano só, sem os gastos extraordinários feitos em 2020, no auge da pandemia, mas um pouco menor do que se imaginava. Não é à toa que, no Brasil, os mercados melhoraram bem desde o anúncio do pacote fiscal.
Nos últimos dias, tanto Haddad quanto a ministra do Planejamento, Simone Tebet, têm reforçado o compromisso de buscar o equilíbrio fiscal. Como o sr. analisa isso?
Se o que eles estão dizendo se transformar em ações concretas, pode haver uma reversão do cenário. Se as promessas de que, a partir de 2024, não teremos mais déficit forem cumpridas, a gente deverá voltar para um cenário de razoabilidade na trajetória das contas públicas. Só que, por enquanto, são só falas. Será que eles vão conseguir convencer o presidente e a área política do governo a seguir por esse caminho? Uma coisa é o Haddad falar “vou trazer a estabilidade fiscal”. Outra é ele conseguir convencer o presidente e o PT a fazerem isso. Só o tempo vai nos dizer o que irá de fato acontecer. Agora, o Haddad é muito próximo ao Lula. Isso conta pontos a favor. Outra coisa que conta a favor é a ministra do Planejamento, com quem o Lula tem certo compromisso político, estar junto com o Haddad nesta empreitada.
Neste contexto, qual o impacto que a independência do Banco Central deve ter? Em que medida isso deve mudar o que a gente viu no governo Dilma, quando havia muitos questionamentos sobre uma possível interferência política na gestão dos juros e do câmbio?
A independência do Banco Central acaba se traduzindo num freio para que o ambiente não deteriore mais. Em 2014, eu escrevi um artigo sobre o assunto, no qual eu falava que a autonomia do Banco Central deveria ser chamada de Lei de Responsabilidade Monetária. O Brasil tem uma institucionalidade que outros países que foram para o buraco não têm e isso vai nos ajudar caso a agenda econômica desse governo seja muito ruim. A própria autonomia do Banco Central é um bom exemplo disso.