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Sessão plenária do STF — Foto: Antonio Augusto/SCO/STF
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segunda-feira 27 de janeiro de 2025 às 07:43h

Um a cada cinco prefeitos nomeia parentes como secretários, prática na mira do STF

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Em sua segunda passagem pela prefeitura de Caucaia (CE), município de 355 mil habitantes na Região Metropolitana de Fortaleza, o prefeito Naumi Amorim (PSD) decidiu chamar a família para ajudá-lo a administrar a cidade, a segunda maior do estado. Para isso, nomeou o filho, a irmã e dois sobrinhos em cargos no primeiro e segundo escalão da prefeitura. A mesma estratégia foi usada pela prefeita de Aracaju (SE), Emília Corrêa (PL), que, em sua estreia na administração pública, escalou o marido para ser o secretário de Governo da capital do Sergipe. Ela justificou a escolha pela confiança que deposita nele, enquanto Amorim alegou que todos os seus parentes têm “experiência comprovada e perfil adequado para exercerem as suas funções”.

Levantamento de Luisa Marzullo, do jornal O Globo aponta que, dos 154 municípios com mais de 200 mil habitantes, em pelo menos 29, espalhados pelas cinco regiões do país, prefeitos nomearam parentes em secretarias municipais, incluindo cinco capitais — além de Aracaju, Natal (RN), Palmas (TO), Macapá (AP) e Boa Vista (RR). Ou seja, um a cada cinco gestores das maiores cidades brasileiras optou pelo expediente caseiro ao distribuir os principais cargos da gestão. Entre os casos mapeados, a prática mais comum foi a de prefeitos que nomearam suas mulheres para trabalhar ao lado.

Prefeito de Macapá Dr. Furlan e Rayssa, sua mulher e secretária — Foto: Divulgação
Prefeito de Macapá Dr. Furlan e Rayssa, sua mulher e secretária — Foto: Divulgação

A estratégia, contudo, pode vir a ser considerada nepotismo, proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) há 16 anos — e, no limite, configurar até improbidade administrativa. O argumento mais comum utilizado pelos prefeitos para empregar seus parentes é que a vedação estabelecida pela Corte não abrange cargos de natureza política, como o de secretário municipal. Uma ação que questiona essa interpretação, com relatoria do ministro Luiz Fux, está prevista para ser julgada pelo plenário do tribunal em fevereiro.

‘Paixão pelo social’

Foi o que ocorreu em Palmas, capital do Tocantins, onde a primeira-dama, Polyanna Teixeira Siqueira Campos, assumiu o cargo de secretária da Ação Social na prefeitura comandada pelo marido, Eduardo Siqueira Campos (Podemos). De acordo com informações divulgadas no site do município, Polyanna é formada em línguas e literatura de língua inglesa e “traz consigo uma sólida formação acadêmica e uma profunda paixão pela ação social”. Ela receberá R$ 23 mil mensais no cargo. Procurada, a prefeitura afirmou, em nota, que “há vasta e robusta jurisprudência” para permitir a nomeação.

O prefeito de Palmas também incluiu no secretariado sua filha, Gabriela, que assumiu a pasta de Proteção e Bem-Estar Animal. Ela havia atuado como marqueteira na campanha de 2024.

Outro prefeito que empregou a própria mulher é Dr. Furlan (MDB), reeleito em Macapá, capital do Amapá. A médica Rayssa Cadena Furlan já havia comandado uma secretaria municipal no primeiro mandato do marido. Ela se afastou do cargo para concorrer ao Senado em 2022, quando perdeu por uma diferença de 21 mil votos para o senador Davi Alcolumbre (União-AP). Agora, voltou a ser nomeada. Procurados, Furlan e Rayssa não se manifestaram.

Já em Natal, capital do Rio Grande do Norte, o prefeito Paulinho Freire (União) apostou na experiência da mulher, a vereadora Nina Souza (União), para chefiar a Secretaria do Trabalho e Assistência Social. A prefeitura afirma não haver ilegalidade na nomeação e destacou a capacidade técnica da secretária, que é advogada e professora.

Em Aracaju, Emília Corrêa anunciou em vídeo no Instagram a escolha do marido Itamar Bezerra como secretário de Governo — Foto: Reprodução
Em Aracaju, Emília Corrêa anunciou em vídeo no Instagram a escolha do marido Itamar Bezerra como secretário de Governo — Foto: Reprodução

A vedação ao nepotismo na administração pública está prevista numa Súmula Vinculante do STF, dispositivo que prevê um entendimento uniforme sobre determinado tema. Desde que a súmula foi adotada, em 2008, a Corte já se debruçou sobre casos específicos de nomeação de parentes. Em 2017, por exemplo, o então ministro Marco Aurélio Mello, hoje aposentado, suspendeu a posse do filho do então prefeito do Rio, Marcelo Crivella, como secretário da Casa Civil. A falta de formação e experiência na área foi um dos argumentos citados pelo magistrado.

Em decisão mais recente, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu, no ano passado, a nomeação do irmão do governador do Maranhão, Carlos Brandão, como secretário de Assuntos Legislativos do estado. Na decisão, Moraes pontuou que, apesar de o cargo ser político, a nomeação desrespeitava o princípio da impessoalidade na gestão pública.

A professora de Direito da FGV-SP, Juliana Palma, observa que o Supremo não tem hoje uma regra única para ser aplicada em caso de cargo político, analisando a aplicação da súmula de acordo com situações concretas. Em geral, segundo ela, há critérios a serem observados, como a capacidade técnica dos nomeados:

— Temos de verificar critérios que o próprio Supremo manda aplicar. Embora seja uma nomeação política, tem de observar os princípios da impessoalidade, ou seja, se a pessoa que foi nomeada tem capacidade técnica e moral, e ainda observar se a relação de parentesco não fica muito à frente da capacidade.

Foi com esse argumento, da capacidade técnica, que a prefeita de Bauru (SP), Suéllen Rosim (PSD), conseguiu perpetuar a mãe como secretária municipal de Assistência Social. A nomeação foi levada à Justiça, que negou liminar e manteve Lúcia de Fátima Silva Rosim no cargo. “Ela é formada em Gestão Pública e foi presidente do Fundo Social de Solidariedade por quatro anos”, destacou a prefeitura.

Princípio da eficiência

Para a advogada constitucionalista Vera Chemim, a escolha de parentes para cargos de primeiro escalão configura nepotismo se o nomeado não comprovar conhecimento técnico necessário para a função. Assim, se um educador físico é nomeado secretário na área econômica, por exemplo, pode haver vedação:

— Configura nepotismo a partir do momento em que fere o princípio da eficiência da administração pública, quando o nomeado não comprova competência para o cargo.

Na ação que deve ir ao plenário em fevereiro, o STF vai julgar se a proibição do nepotismo se aplica também a cargos políticos. A questão chegou à Corte após o Ministério Público de São Paulo questionar uma lei municipal de Tupã, cidade paulista de 64 mil habitantes a 514 quilômetros da capital, que permitiu a nomeação de parentes até terceiro grau na prefeitura.

Fontes a par do processo indicam que a tendência é o STF barrar esse tipo de prática, o que deixaria uma leva de parentes de prefeitos desempregados. Além dos casos em capitais, O GLOBO também localizou exemplos de gestores apostando na própria família em municípios de até 200 mil habitantes.

Em Birigui (SP), a prefeita Samanta Borini (PSD) nomeou, de uma vez só, cinco parentes no primeiro escalão: sua tia, Sônia Silvana, na Assistência Social, e o marido dela, Ilário, como secretário-adjunto de Serviços Públicos. A prima, Kaira, assumiu a Secretaria de Meio Ambiente, enquanto sua cunhada, Silvana, está na Assistência Social. Além disso, seu pai, o ex-prefeito Wilson Borini, condenado em 2015 por compra de votos, atua como secretário de Governo. A prefeitura sustenta que as nomeações foram realizadas com o objetivo de formar “uma equipe comprometida”.

Já em Pau D’Arco, no Piauí, o prefeito Milton Passos (PT) colocou sua esposa, Maria Assunção, à frente da Secretaria de Assistência Social. Suas duas filhas, Tayanny e Tatianny, chefiam as pastas de Administração e Finanças, enquanto seu cunhado, Antônio Araújo, e seu neto, Lucas Lira, ocupam outros cargos. Em Rio Bonito (RJ), o prefeito Marcos Abrahão (União) nomeou sua esposa, Eucimar, para a pasta de Desenvolvimento Urbano, e o sobrinho, Ricardo, para a Comunicação. Procuradas, as duas gestões não comentaram.

Em Wenceslau Braz (PR), o prefeito Palaco (PSB) tornou a mulher secretária de Assistência Social e o filho, médico, o de Saúde. A prefeitura diz ser costumeiro alocar primeiras-damas na área social e que o rapaz é um quadro técnico.

O cientista político Paulo Baia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), frisa que a presença de parentes em cargos públicos acaba facilitada em municípios menores:

— Nesse locais, os grupos políticos se confundem, de fato, com grupos familiares, e é muito comum que parentes do prefeito componham a gestão municipal. Quanto menor, mais isso acontece.

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