Foi-se o tempo em que a imagem da Europa era a de uma ilha de equilíbrio num mundo conturbado. Hoje a Europa se apresenta atravessada por várias ondas e correntes de instabilidade.
Na frente política, recentemente a instabilidade arrastou tanto o irrequieto Boris Johnson, arrancado do cargo de primeiro-ministro britânico, quanto conforme Flávio Aguiar, da RFI, o fleugmático primeiro-ministro italiano Mario Draghi, demissionário. Emmanuel Macron perdeu a maioria de que dispunha no parlamento francês e na Alemanha o governo de Olaf Scholz se equilibra a duras penas na corda-bamba de uma economia ameaçada de naufrágio, no que pode vir a ser a pior recessão dos tempos recentes.
Na frente econômica a situação não se apresenta melhor. Pela primeira vez em mais de dez anos, o Banco Central Europeu elevou a taxa básica de juros, de zero para 0,5%, como parte de um esforço para conter uma inflação considerada galopante frente ao padrão vigente nos últimos anos. A média europeia está em cerca de 8% ao ano, mas ela se distribui desigualmente entre países, chegando a 80% na Turquia, e entre produtos, atingindo sobretudo os alimentos, energia e transportes.
A crise na importação europeia de grãos e de gás liquefeito devido à guerra na Ucrânia produz uma constante nuvem ameaçadora sobre no futuro próximo. Em pleno verão, os europeus mostram-se cada vez mais preocupados com o próximo inverno. Pode faltar energia para aquecer adequadamente lares privados, creches, escolas e outros prédios públicos, ou então seu custo subir às nuvens.
Na Alemanha, autoridades do setor conjecturam que o preço da energia pode triplicar em 2023. Aventam-se as mais diferentes soluções, todas restritivas do consumo e, no fim de contas, desconfortáveis: limitar o aquecimento dos prédios a 17 graus Celsius, racionar o uso de água quente, até mesmo impor um blackout noturno parcial. Tudo isto ainda não passa de conjecturas, mas produzem inquietação e alarme.
Economia e política juntam-se nas controvertidas análises sobre os efeitos das sanções aplicadas à Rússia devido à guerra. Na mídia, a voz predominante é a de que as sanções devam ser mantidas e até mesmo aprofundadas, mas começam a surgir vozes dissonantes, alertando para que elas ameaçam, também, a estabilidade econômica da Europa.
A notícia de que a Rússia retomou o fornecimento de gás liquefeito através do gasoduto Nordstream 1, depois de interrompê-lo durante dez dias para manutenção, trouxe pouco alívio. O fornecimento foi reduzido a menos da metade do habitual. O governo alemão anunciou um pacote de socorro à principal empresa importadora de gás, a Uniper, ameaçada de quebrar pelo corte no fornecimento do gás russo e por ter de comprá-lo em outras fontes mais caras. O investimento imediato será de € 267 milhões, com a ampliação de uma linha de crédito de até € 9 bilhões, a ser usada conforme as necessidades.
Rússia e Ucrânia assinaram, em Istambul, um acordo patrocinado pela Turquia e com chancela da ONU para retomar o fornecimento de grãos, sobretudo trigo e milho, através dos portos ucranianos. Os navios deverão passar pelas águas turcas, sujeitos a inspeção para conter a possibilidade do contrabando de armas ou de outros produtos. Entretanto a realidade da guerra e dos bombardeios continua a ameaçar o trânsito marítimo na região.
Além dos problemas imediatos provocados pela instabilidade econômica e política, agravada pela permanência de cifras altas quanto à pandemia da Covid-19, há ainda a incerteza quanto ao futuro da própria União Europeia. A perspectiva do agravamento futuro das tensões sociais levanta a ameaça da progressão de forças anti-unionistas, particularmente por parte da extrema direita em diferentes quadrantes do continente. Além disso, a expectativa de que os gastos militares venham a crescer nos países europeus traz embutida a ameaça de uma nova corrida armamentista.
Por fim, mas não menos importante, deve-se mencionar que os problemas do clima estão se avolumando. Num continente que se via como uma liderança no esforço para conter o aquecimento global, volta-se a falar até na reutilização das usinas de carvão, para diminuir de imediato a dependência em relação ao gás russo.
A impressão que este quadro angustiante deixa é a de que as principais lideranças europeias não estavam devidamente preparadas para enfrentar a situação de uma guerra prolongada em território ucraniano, com a participação, ainda que indireta, da OTAN, dos Estados Unidos e de países do continente, através do fornecimento de armas para o governo de Kiev. E de momento a possibilidade de um acordo de paz que ponha fim ao conflito segue sendo uma quimera distante. Enquanto isto, problemas que até pouco tempo atrás eram vistos como típicos do Terceiro Mundo crescem no território e na imaginação dos europeus.