Na primeira eleição presidencial com 35 dias de propaganda eleitoral na TV e no rádio, a maioria dos pré-candidatos ao Palácio do Planalto tem ignorado os prazos legais e colocado suas campanhas na rua sem qualquer fiscalização ou prestação de contas. Nesse vale tudo eleitoral, os concorrentes só não têm pedido voto, o que, na prática, não impede a exposição de seus projetos e até mesmo a realização de comícios, caravanas e anúncios em outdoors. E sem levar em conta o teto de gastos, de R$ 70 milhões.
A antecipação informal da campanha vai contra a determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que estipula a data de 16 de agosto para o início oficial do período no qual os concorrentes podem fazer propaganda eleitoral nas ruas e na internet. O mesmo calendário, no entanto, não estipula regras para a fase de pré-campanha, o que abre brecha para os postulantes montarem estruturas profissionais de assessoria e marketing, usarem jatinhos (ou cota parlamentar para pagar passagens) e participarem de atos eleitorais.
A menos de seis meses da eleição, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso na Lava Jato, e o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ) foram os pré-candidatos que até aqui mais tiveram contato com os eleitores em eventos públicos que nada diferem dos realizados na campanha oficial.
O PT ainda afirma manter a candidatura de Lula, mas ele, além de preso, está inelegível conforme a Lei da Ficha Limpa. Nas caravanas que fez pelo País, a equipe de Lula, por exemplo, contou com um aparato profissional, formado por seguranças, assessores, fotógrafos, políticos, técnicos para montagem de palco e som e transporte assegurado por ônibus e aviões fretados. No dia em que foi preso, 7 de abril, o petista ainda discursou por 55 minutos do alto de um carro de som.
O roteiro de Bolsonaro também segue padrões dignos de uma campanha. Na véspera de qualquer viagem, o parlamentar avisa seus apoiadores pelas redes sociais sobre o horário em que vai desembarcar no aeroporto e os compromissos agendados. A estratégia faz com que o parlamentar seja recebido nas cidades com carros de som, fogos de artifícios e outdoors espalhados pelas ruas, o que é vedado pela Lei Eleitoral.
Mas, neste caso, a punição só pode ser aplicada a partir de 16 de agosto – multa de R$ 5 mil a R$ 15 mil por dia. Brecha que é ‘comemorada’ por Bolsonaro nas redes sociais. Em seu perfil no Facebook, o deputado agradece a quem instala outdoors com seu rosto – os exemplos mais recentes são de Marataízes (ES) e Chã Grande (PE).
Mas o mesmo perfil não cita, por exemplo, como as viagens são pagas, se com a verba da Câmara dos Deputados ou com recursos do Fundo Partidário, seja do PSL, atual sigla do deputado, ou do PSC, de onde se desfiliou mês passado. O dinheiro usado para custear a pré-campanha de Lula, segundo o PT, vem da arrecadação de filiados pela internet e também do Fundo Partidário. A legenda não revela os custos.
Também sem informar os recursos já empregados em suas viagens, o senador Álvaro Dias, do Podemos, visitou ao menos 11 cidades no mês passado, em oito Estados, como Rio Grande do Sul, Goiás e Ceará. Mesmo com uma estrutura pequena – afirma viajar só com o assessor do partido e em voos de carreira –, Dias registra cada passo seu de olho na campanha.
No dia em que o Supremo Tribunal Federal negou o habeas corpus preventivo a Lula, por exemplo, o pré-candidato foi à Avenida Paulista, em São Paulo, gravar um depoimento em defesa da prisão em segunda instância.
Preocupado em se posicionar como austero, o agora ex-governador paulista Geraldo Alckmin, presidente nacional do PSDB, tem optado por voos comerciais e por viajar sozinho, sem assessores. Nos bastidores, porém, uma equipe experiente formada por marqueteiros e jornalistas grava todas as suas falas para abastecer as redes sociais do tucano, que também afirma pagar os gastos com verba do Fundo Partidário.
As viagens de cunho eleitoral, no entanto, começaram antes mesmo de Alckmin deixar o cargo. Assim que assumiu o partido, em dezembro de 2017, o tucano já passou a dividir a agenda de governador com a de líder partidário, participando de reuniões quase semanais em Brasília.
DEVERIA TER CONTROLE DE GASTOS, DIZ EX-MINISTRO DO TSE
“O que deveria ser feito era liberar a pré-campanha e criar um controle sobre os gastos feitos nessa época. Dessa forma, os candidatos estariam submetidos à fiscalização desde o começo”, disse ao Estado o ex-ministro do TSE Henrique Neves. Para ele, a pré-campanha é um “período complicado”. “Não pode proibir de discutir política, mas quando alguém começa a usar carro de som, outdoor, jornal e outros meios que demandam dinheiro, isso pode ser examinado pela Justiça como abuso de poder econômico.”
Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D’Ávila (PCdoB) também têm viajado depois de serem lançados por seus partidos.
O TSE informou que, de acordo com a legislação eleitoral em vigor, “não existem gastos de pré-campanha”.
RECURSOS PÚBLICOS E PRIVADOS PAGAM VIAGENS
Sem fiscalização nem regras claras, a pré-campanha tem revelado um abismo entre os concorrentes ao Planalto no que diz respeito à estrutura usufruída por cada um. Enquanto o empresário Flávio Rocha (PRB) se desloca pelo País em um jatinho da sua empresa, a Riachuelo, ou em aeronaves de amigos, a ex-ministra Marina Silva (Rede) faz os trajetos em avião de carreira ou ônibus e, de acordo com o local, se hospeda em casa de aliados.
Segundo a assessoria de Rocha, ele dispõe, na condição de presidente da empresa, de um crédito de horas das aeronaves para uso pessoal. “O empresário tem exercido esse direito, outorgado pelos acionistas e previsto em seu contrato. Rotineiramente, quando o limite desse crédito é ultrapassado, o executivo devolve a diferença.”
Marina disse que já esteve em seis Estados “andando de avião de carreira, pegando voos às cinco da manhã, porque são mais baratos, conversando com as pessoas nos aeroportos, pegando carro para fazer deslocamento de um município para o outro”. “Vou continuar fazendo minha andança, inclusive com as dificuldades de um partido que não terá o dinheiro bilionário dos fundos partidários do PT, PMDB, PSDB”, disse a pré-candidata.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), usou aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para viajar pelo País e participar de compromissos muitas vezes estranhos a seu cargo. Após o lançamento de seu nome, Maia passou a viajar com recursos do DEM – a sigla aluga um jatinho quando necessário e avalia investir cerca de R$ 1 milhão até agosto, quando a candidatura será ou não confirmada.
“A rigor, o candidato em pré-campanha não presta conta e não dá satisfação de nada. Quem está no cargo e disputa reeleição também não tem restrição nessa fase”, afirmou o advogado Alberto Rollo Filho, especialista em direito eleitoral.