O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se baseou segundo Matheus Teixeira, da Folha, em decisões sobre fixação de propaganda de campanha em local irregular e em um precedente que envolve a disputa interna pela presidência de um tribunal para justificar a cassação do mandato do deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR).
O relator no TSE, ministro Benedito Gonçalves, fez um paralelo do caso do parlamentar com outros quatro julgamentos para afirmar que o entendimento histórico da corte eleitoral e do STF (Supremo Tribunal Federal) em casos similares determinam a imposição de sanções judiciais.
Uma das referências usadas por Benedito diz respeito a ação analisada pelo Supremo em 2010 que anulou a disputa que elegeu o juiz Paulo Pereira para o comando do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região).
A lei proíbe magistrados que exerceram funções diretivas por dois biênios consecutivos de assumirem, na sequência, a presidência do tribunal. Na ocasião, Pereira pediu exoneração da vice-presidência da corte cinco dias antes de completar quatro anos à frente de cargos de direção.
O Supremo, no entanto, afirmou que houve fraude à lei “consumada mediante renúncia”. O relator do caso de Deltan, então, afirmou que o ex-coordenador da Lava Jato adotou postura similar por ter pedido exoneração do Ministério Público Federal a fim de evitar que alguma das 15 representações em curso contra ele se tornassem, posteriormente, processos administrativos disciplinares.
“Em outras palavras, quem pretensamente renuncia a um cargo (direito a princípio conferido pelo ordenamento jurídico), para, de forma dissimulada, contornar vedação estabelecida em lei (impossibilidade de disputar eleição para o cargo de presidente de tribunal), incorre em fraude à lei”, disse Benedito.
O magistrado, que foi acompanhado pelos outros seis integrantes da corte, afirmou que Deltan fraudou a lei ao pedir exoneração tendo contra si 15 representações que, mais tarde, poderiam se tornar PADs (processos administrativos disciplinares).
Benedito cita outros três julgamentos em que o TSE, segundo ele, “reconheceu a invalidade de atos a princípio lícitos, porém praticados com o intuito de frustrar a aplicação da lei eleitoral”.
Um deles trata da punição imposta pela corte eleitoral em 2014 a um candidato que retirou propaganda irregular de um bem comum, o que é vedado, mas logo na sequência fixou o material em outro local proibido.
A outra referência é a um processo analisado em 2016 de um candidato com alto potencial de votação que não podia disputar o pleito, mas, mesmo assim, entrou na eleição.
“O registro de candidato sabidamente inelegível, ‘puxador de votos’, que vem a ser substituído pela legenda apenas na véspera do pleito (o que antes se permitia no artigo 13 da Lei 9.504/97), sem que assim houvesse tempo para se retirar seu nome da urna eletrônica, garantindo-se assim votos para o seu substituto.”
O terceiro é sobre as chamadas candidaturas femininas laranjas. O TSE afirmou que a inscrição de mulheres que sequer disputam de fato a eleição “para, na verdade, dissimular o lançamento de candidaturas femininas”, também representa fraude à lei.
“Assim, seja de acordo com a doutrina, com a legislação ou com a jurisprudência, não há óbice a que o Tribunal Superior Eleitoral reconheça, na prática de determinado ato aparentemente revestido de licitude, fraude à lei praticada com o propósito de contornar vedação prevista na norma jurídica”, afirmou Benedito.
O ministro foi o único a apresentar sua posição sobre a situação de Deltan. Após a leitura do voto dele, os demais apenas concordaram com a posição e a conclusão da análise do caso durou cerca de um minuto.
Deltan afirmou que o julgamento foi injusto e que perdeu o mandato porque combateu a corrupção quando foi coordenador da força-tarefa da Lava Jato.
“Fui cassado por vingança. Fui cassado porque ousei o que é mais difícil no Brasil: enfrentar o sistema de corrupção”, disse na quarta-feira (17), em pronunciamento ao lado de parlamentares, incluindo o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Dos 7 votos contrários, 3 foram de ministros indicados por Bolsonaro: Kassio Nunes Marques, Carlos Horbach e Sergio Banhos.
Deltan se elegeu com mais de 344 mil votos pelo Paraná.
O Tribunal Regional Eleitoral do estado confirmou que a vaga dele será ocupada por Itamar Paim (PL), um pastor de Paranaguá, que teve 47 mil votos.
O Podemos defendia que Luiz Carlos Hauly substituísse Deltan, mas o PL argumentou que ele não havia atingido o quociente eleitoral mínimo e reivindicou a vaga. O pedido foi confirmado pela Justiça Eleitoral do estado. Com isso, PL deve chegar a cem deputados.
A Câmara ainda deve declarar a perda oficial de mandato do ex-procurador. A regra atual determina que não cabe à Casa analisar o mérito da determinação do tribunal, apenas cumprir a ordem sem a possibilidade de reverter a perda de mandato.
Apesar disso, nessas situações o Legislativo costuma cumprir um rito formal e burocrático após receber a notificação e abrir um prazo, geralmente de cinco dias, para o deputado se manifestar.
A tramitação deve ser conduzida pela Corregedoria da Câmara, atualmente chefiada pelo deputado Domingos Neto (PSD-CE). Após Deltan apresentar sua defesa, o relator prepara um relatório e o apresenta à Mesa Diretora para a declaração oficial da perda de mandato.
Assim, não há previsão de votação no plenário ou algum tipo de debate na Casa sobre a decisão do TSE.