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segunda-feira 4 de dezembro de 2023 às 16:35h

TSE aperta punição à fraude de cotas de gênero e condena 82% dos casos

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Enquanto a Câmara discute anistiar as multas aplicadas aos partidos que descumpriram a cota de gênero nas eleições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vem acelerando punições às fraudes. Levantamento de Mariana Muniz , do jornal O Globo, O com base nos 51 julgamentos envolvendo candidaturas laranjas no pleito de 2020 mostra 42 decisões que resultaram na cassação de chapas inteiras de vereadores, ou seja, 82% dos casos, atingindo 101 postulantes. O patamar antecipa quais serão os próximos passos para 2024, quando o tribunal vai manter o rigor para coibir a prática.

Na tentativa de ampliar a representatividade feminina, a lei define um mínimo de 30% de mulheres nas nominatas. Para driblar a exigência, as legendas se valem de candidatas que não concorrem de fato.

Nas duas últimas semanas, o TSE determinou quatro condenações por fraudes à cota de gênero, uma delas envolvendo as eleições para a Câmara de Vereadores de Belém. Relatora do caso, a ministra Cármen Lúcia apontou que duas candidatas do PSD que tiveram votação zerada ou ínfima não gastaram com publicidade de campanha nem fizeram propaganda nas redes sociais. A decisão atingiu uma vereadora da sigla, que perdeu o mandato. O PSD afirma que não houve irregularidade e que as candidatas apontadas como laranjas, na verdade, desistiram de concorrer na campanha.

— Não se pode fazer de conta que se está cumprindo, porque lei não é aviso, sugestão nem proposta. É uma norma para que tenhamos um estado democrático. Nós, mulheres, queremos que isso se cumpra com a nossa participação efetiva, correta e republicana — afirmou a ministra Cármen Lúcia no julgamento.

Na última quinta-feira, o tribunal tomou decisão semelhante em relação a Muqui (ES). Dois vereadores do PDT perderam os mandatos após a Corte considerar que uma candidata da chapa, com votação zerada, não realizou atos eleitorais e tampouco teve uma movimentação financeira condizente com a disputa. O partido alega que ela realizou uma cirurgia bariátrica na campanha, o que forçou a desistência.

A “virada” na forma de avaliação do TSE veio há um ano e meio. Em maio de 2022, ao julgar um processo referente a Jacobina (BA), os ministros definiram os critérios para balizar as decisões: votação zerada ou pífia das candidatas; prestação de contas com movimentação financeira irrelevante; e ausência de atos efetivos de campanha. Três anos antes, o tribunal tinha dado outro passo: ao julgar o caso de candidaturas fictícias nas eleições de 2016 em Valença (PI), estabeleceu que a comprovação da fraude à cota derruba toda a coligação ou partido.

Na análise do caso de Jacobina, seguindo o voto do ministro Alexandre de Moraes, a Corte determinou um novo cálculo da votação para vereador, declarou nulos os votos obtidos pelo PP, cassou diplomas dos envolvidos e estipulou a inelegibilidade, por oito anos, das quatro candidatas da legenda ao cargo. O PP sustenta que não há “evidências” que demonstrem a ilegalidade.

— Precisamos ser duros em relação a essas candidaturas fictícias de mulheres, se quisermos implementar efetivamente a política de gênero — ressaltou Moraes.

Ao assumir a presidência da Corte, em agosto do ano passado, ele seguiu no mesmo tom e afirmou que partidos e agremiações que optassem pela burla teriam prejuízo “muito grande”.

Efeito reverso

Como consequência das decisões do TSE cassando as chapas inteiras, mulheres também vêm perdendo o cargo na esteira das condenações. Especialistas alertam para o risco de um efeito reverso da ação afirmativa, afastando as mulheres da política em vez de aproximá-las.

— Cassar o direito fundamental de uma mulher eleita em razão de fraude cometida por terceiro não é cumprir a lei, é violar a Constituição. Mulheres eleitas não podem mais ser tratadas como efeito colateral, ao argumento de que essa seria a única forma de dar consequência à ação afirmativa que deveria protegê-las — aponta a advogada Marilda Silveira, doutora em Direito Público pela UFMG.

Foi o que aconteceu com a pedagoga Simone Lima em São Miguel dos Campos (AL). Após perder quatro vezes a eleição para vereadora, enfim foi eleita em 2020, pelo PP, com 555 votos. A constatação de uma candidatura laranja em sua chapa, porém, fez com que ela perdesse o mandato após mais de dois anos de atividade legislativa. O partido nega fraude e diz que houve uma desistência legítima da candidatura. A Câmara hoje tem apenas duas vereadoras entre 15 integrantes.

— Eu me sinto injustiçada. Fui eleita e perdi o meu mandato porque colocaram uma mulher para compor a chapa. Não tenho nada a ver com o que fizeram de errado, e mesmo assim fui punida — disse ela ao GLOBO.

Outra mulher que perdeu o mandato, que preferiu não ser identificada, diz que há falhas na “fiscalização prévia”. Ela, que decidiu não se candidatar mais, afirmou ser vítima de uma burla feita pelo partido.

O debate sobre ampliar a responsabilização já chegou ao TSE. “Temos percebido certo automatismo na imposição irrestrita de inelegibilidade apenas às mulheres, sem a inclusão dos dirigentes partidários”, disse em abril a então ministra da Corte Maria Cláudia Bucchianeri, ao votar em um processo relativo à cidade de Andradina (SP).

— A solução é investigar a fundo e punir quem contribuiu diretamente, tal como os dirigentes partidários — afirma Bianca Maria Gonçalves, pesquisadora do LiderA.

Debate no Congresso

Em paralelo, o Congresso Nacional analisa uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que livra os partidos de multas aplicadas pelo descumprimento à cota de gênero. A PEC da Anistia também acaba com a obrigatoriedade de preenchimento de 30% das chapas com candidaturas femininas.

— As cotas de gênero são uma conquista e toda fraude deve ser rigorosamente apurada, mas isso precisa ser feito com a devida proporcionalidade. Essa fórmula de “cassa todo mundo” provoca justamente reações como a tentativa de anistia geral do Poder Legislativo — analisa a especialista Amanda Guimarães, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.

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