O juiz federal Luiz Antonio Bonat foi confirmado como sucessor do ex-juiz Sergio Moro na condução dos processos da Operação Lava Jato.
O conselho de administração do TRF (Tribunal Regional Federal) da 4ª Região aprovou o processo de remoção de Bonat para a 13ª Vara Federal de Curitiba nesta sexta (8).
A sessão foi iniciada por volta das 16h. O processo agora será encaminhado para a corregedoria do TRF, que irá definir a data em que o novo juiz assume -o que deve ocorrer ao longo da próxima semana.
Bonat tem 25 anos de magistratura. E, embora atualmente julgue apenas ações de tema previdenciário, na 21ª Vara Federal de Curitiba, ele acumula experiências na área criminal.
Uma delas foi a condução de alguns processos do caso Banestado, um esquema de lavagem e evasão de divisas que foi um dos grandes casos de Moro.
Coube a Bonat tomar algumas das primeiras decisões sobre denúncias contra diretores do banco estatal paranaense, acusados de crimes financeiros e gestão temerária, no final dos anos 1990.
O juiz, na época titular da 3ª Vara Federal de Curitiba, tornou réus pelo menos 18 pessoas que seriam ligadas ao esquema, e chegou a conduzir um interrogatório com o ex-governador de Sergipe João Alves Filho (que foi acusado se beneficiar de empréstimos milionários do banco), no ano 2000.
O político, que virou réu por decisão de Bonat, teria acertado empréstimos em favor de sua empresa com o banco, após uma visita ao então governador do Paraná, Jaime Lerner. Ambos eram do PFL. Mas Alves Filho obteve decisão favorável do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que considerou que sua conduta não estava individualizada na denúncia, e trancou a ação. O caso foi arquivado.
Bonat também tornou réu outro político, o atual conselheiro do Tribunal de Contas do Paraná Durval Amaral. Na época, o magistrado era juiz convocado do TRF, e foi o relator de uma denúncia que acusava o então deputado estadual de obter um financiamento no Banestado por meio de duplicatas falsas.
Para ele, a peça demonstrava “a presença de indícios que apontam, em tese, para a existência de crime e também da autoria”.
Amaral sempre negou o crime, disse que não era responsável pelas duplicatas e que quitou o débito. Ele chegou a ser enquadrado no crime de estelionato pelo TRF, mas, na mesma decisão, teve sua punibilidade extinta, já que o crime prescrevera. O processo foi arquivado.
Antes de assumir casos de vulto, Bonat iniciou sua carreira como juiz em Foz do Iguaçu (PR), na Tríplice Fronteira, onde julgou casos de contrabando e tráfico internacional.
“As fronteiras entre os Estados já não são barreiras à atuação dos criminosos”, escreveu, em obra publicada 15 anos atrás. “Isso implica em que os Estados também persigam outras formas de combater essa nova criminalidade, de cunho quase que empresarial, estruturada em organizações complexas.”
O livro, do qual Bonat é coautor, é intitulado “Importação e Exportação no Direito Brasileiro”. Coube ao juiz o capítulo sobre crimes relacionados ao comércio exterior -no qual ele discorre, inclusive, sobre corrupção e lavagem de dinheiro, destacando a necessidade de cooperação internacional entre órgãos investigativos.
Para ele, crimes financeiros afetam diretamente a economia e os interesses nacionais, em prejuízo da população.
O magistrado não poupa a caneta para falar de criminosos de colarinho branco: “Essa criminalidade organizada, denominada colarinho branco, é formada por pessoas de elevado nível cultural, integradas nos mais respeitáveis círculos sociais. Por trás dessa máscara de ilibada reputação, […] esconde-se um criminoso com imenso potencial danoso à sociedade, desde que o seu agir contribui para o padecer da população, ante a sonegação de recursos que seriam revertidos em alimento, saúde, habitação, saneamento, em prol da coletividade, em especial aquela carente.”
Na obra, Bonat cita inclusive o juiz italiano Giovanni Falcone, responsável pela operação Mãos Limpas, que combateu a máfia na Itália e é considerada uma inspiração para a Lava Jato.
“Na realidade, os grandes fluxos ilícitos raramente têm saída para um só país. Lutar contra a lavagem de dinheiro exige sólida cooperação entre Estados”, diz a frase do italiano, citada pelo magistrado. “Se se conseguisse um dia privar organizações criminosas de suas possibilidades de colocações financeiras, tirar-lhes-íamos, sem dúvida, um de seus principais trunfos.”
Pouco depois da menção ao italiano, ao discorrer sobre a proteção ao meio ambiente, ele cita outro líder de sua inspiração, o indiano Mahatma Gandhi: “A natureza é inexorável, e vingar-se-á completamente de uma tal violação de suas leis.”
Meio ambiente é um tema caro a Bonat: ele foi responsável pela primeira sentença a condenar uma empresa por crime ambiental no Brasil, em 2002.
Agora, terá diante de si cerca de 40 processos em andamento da Lava Jato, incluindo dois em que o réu é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Bonat não quis conceder entrevistas até agora. É conhecido como um juiz discreto e muito técnico. Se será parecido com Moro, ninguém arrisca prever. Mas, em pelo menos uma ocasião no passado, o magistrado já se opôs ao atual ministro.
Em 2002, como juiz relator no TRF, Bonat votou contra uma decisão de Moro, que mandou prender preventivamente um réu condenado em primeira instância por fraude num consórcio financeiro.
“Ainda aqui é recomendado que prevaleça o princípio constitucional da presunção de inocência, possibilitando ao acusado, que permaneceu em liberdade durante a instrução e compareceu a todos os atos do processo, que assim continue enquanto aguarda o julgamento da apelação”, escreveu o relator. A ordem de prisão determinada por Moro foi revogada, e o réu recorreu em liberdade. A pena foi confirmada, na sequência, pelo TRF, mas acabou extinta em 2008.