Pelos tribunais brasileiros, quase 40 milhões de processos, ou cerca de 20% do total dos feitos que tramitaram nos últimos anos em todo o país, foram identificados com algum tipo de erro, o que aumenta a morosidade e dificulta a atuação de servidores do Poder Judiciário. São problemas segundo reportagem de Heitor Mazzoco, do Estadão, como falta de documentação das partes (autor e réu), dados errados ou falsos, falta de informações e assunto jurídico cadastrado de maneira incorreta.
Desde 2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) compila junto aos tribunais o número de demandas com problemas, chamadas de ações com inconsistências. São processos que se iniciaram nas últimas décadas e que estiveram em tramitação nesse período de análise. A meta do CNJ é diminuir o maior número possível de causas com algum tipo de erro, mesmo com processos que estejam arquivados. Pelos números atuais, de um montante de 195.595.520 ações, 39.790.342 tiveram erros identificados até novembro de 2023.
Procurado, o CNJ apontou que o objetivo do painel é justamente auxiliar os tribunais na correção e na melhoria das informações processuais cadastradas. “Os tribunais focam mais na solução dos casos mais novos e em trâmite. É natural que haja uma parcela de processos mais difícil de ser corrigida”, argumenta o CNJ.
Entre tribunais estaduais, 146,7 milhões de processos foram analisados e, 32,1 milhões apresentaram erros. Em Alagoas, por exemplo, segundo dados do CNJ, de 1.650.475 de litígios, pouco mais de 515 mil apresentaram problemas, o que representa 31,2% das ações analisadas. É a unidade federativa com mais problemas em processos, em termos porcentuais. Em São Paulo, a porcentagem de processos com erros é de 24,3% (10.675.922 em universo de 43.972.482 ações analisadas).
Um juiz de São Paulo afirmou ao Estadão que magistrados têm ciência dos casos que acabam atrasando ainda mais o ritmo dos tribunais. “Advogados, muitas vezes, entram com cadastro cheio de erros e o cartório tem que acertar os erros. Cadastram errado o nome, o endereço, o assunto do processo. Dou exemplo: entraram com mandado de segurança e não colocaram classe de mandado de segurança, colocaram diferente. Então, vai o cartório arrumar, mas nem sempre o pente fino pega, porque falta servidor, muito processo para pouca gente”, disse. Os problemas também são encontrados na Justiça Federal (Tribunais Regionais 1, 2, 3, 4, 5 e 6). De acordo com os dados disponibilizados pelo CNJ, pouco mais de 5 milhões de ações apresentaram algum erro. Foram avaliadas 26,5 milhões de demandas.
Advogados pedem melhorias no sistema dos tribunais
Mestrando em direito pela Universidade de Marília (Unimar), o advogado Douglas Garcia explica que, muitas vezes, o cliente do advogado fornece dados de maneira verbal e há necessidade de o defensor conferir os dados com documento oficial. “O advogado quando vai ajuizar a ação, ele pede documento do cliente, que às vezes fornece número pelo WhatsApp ou e-mail. E o advogado já começa a elaborar a petição. Depois, quando o cliente envia o documento para anexar ao processo, há necessidade de conferir. Se não conferir, e lançou com base no que o cliente passou por WhatsApp, verbal ou e-mail, pode ocorrer essa divergência”, disse.
Garcia, que é especialista em processo civil e imobiliário, afirma também que os tribunais poderiam tentar vincular os dados com órgãos governamentais, o que evitaria informação de documentos falsos, por exemplo. “Seria interessante se o próprio sistema do tribunal fosse vinculado aos sistemas governamentais. A gente coloca o RG ou CPF do cliente, o sistema já vai buscar essas informações. E a gente não consegue saber se o RG do cliente ou da parte contrária é falso. O sistema poderia dar um suporte em relação a isso”, defende.
Advogado especialista em contencioso civil e tributário, José Arnaldo da Fonseca Filho afirma que, em alguns casos, os problemas ocorrem porque os advogados são induzidos ao erro. “Se estou peticionando pelo meu cliente contra uma outra pessoa, eu preciso desses dados. E muitas vezes os dados estão equivocados, proposital ou não, num documento, contrato. Então, somos induzidos ao erro. Com a tecnologia isso melhorou”, disse o advogado que atua no Distrito Federal.
Fonseca Filho também cobra um sistema único para petição de ações, o que evita a repetição de inclusão de dados em cada tribunal do País. “O Poder Público tem ferramentas e poderia investir mais, o próprio CNJ, com a unificação dos programas, integração mais eficaz com sistemas da Receita Federal, do Tribunal Regional Eleitoral, porque facilita cada vez mais. Eu entro com ação no TJ daqui de Brasília, é o sistema PJe. Em cada tribunal tenho que cadastrar partes. Em São Paulo é o E-Saj, no Rio, outro sistema. Se tudo fosse unificado seria mais fácil”, afirmou.
No Código de Processo Civil (CPC), o artigo 319 diz, em seu inciso segundo, que a petição inicial deverá indicar “os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu”. O parágrafo primeiro também permite que o autor da ação solicite ao juiz diligências para obter os dados do réu, por exemplo.
Já o artigo 321 é claro ao afirmar que, se o juiz verificar que a petição inicial não preenche os artigos anteriores, o advogado deve corrigir o documento em um prazo de 15 dias. “Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial”, diz o parágrafo único do artigo.