A Corte Especial Administrativa do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) decidiu nesta segunda-feira, por maioria, afastar o juiz Eduardo Appio, responsável pelos processos da Operação Lava-Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba.
O magistrado será afastado imediatamente e terá prazo de 15 dias para apresentar sua defesa. Ele precisará entregar o computador desktop, o notebook e o celular funcional que estava utilizando desde que assumiu o cargo, em fevereiro.
Após o juiz apresentar sua defesa preliminar, a Corregedoria avaliará a necessidade de abrir um processo administrativo disciplinar contra ele, o que precisará do aval do mesmo colegiado que proferiu a decisão desta segunda-feira no TRF-4.
A decisão atendeu a uma representação apresentada por Marcelo Malucelli, desembargador do próprio TRF-4. Pai de João Eduardo Barreto Malucelli, genro e sócio de Sérgio Moro — ex-juiz responsável pela Lava-Jato e hoje senador —, Marcelo declarou-se suspeito para avaliar medidas decorrentes da operação.
O magistrado citou, no pedido, uma ligação feita para João Eduardo a partir de um número bloqueado. A pessoa na linha identificou-se como servidor da área de saúde da Justiça Federal e apresentou-se como Fernando Gonçalves Pinheiro. No entanto, a decisão afirma que não existe nenhum funcionário do órgão com este nome na Justiça Federal da 4ª Região.
O texto, destacado pelo “G1”, pontua ainda que haveria “muita semelhança entre a voz do interlocutor da ligação telefônica suspeita e a do juiz federal Eduardo Fernando Appio, tendo então a Presidência do TRF4 e a Corregedoria Regional noticiado esses fatos à Polícia Federal e solicitado realização de perícia para comparação do interlocutor da ligação suspeita com aquele magistrado federal”.
Já a jornalista Bela Megale, colunista do jornal O Globo, revelou que o laudo apresentado pela PF atesta que “a partir da comparação da voz do interlocutor da ligação suspeita com a voz do juiz federal Eduardo Fernando Appio” se corrobora “fortemente a hipótese” de que se trate do próprio magistrado. A voz teria dito a seguinte frase para João Eduardo:
Sequência de reveses
Desde que assumiu o posto antes ocupado pelo agora senador Sergio Moro (União-PR), Appio acumula uma série de reveses no TRF-4. O Tribunal reverteu decisões do juiz de Curitiba em casos envolvendo o advogado Rodrigo Tacla Duran, o ex-deputado Eduardo Cunha, o ex-doleiro Alberto Youssef e o ex-governador do Rio Sérgio Cabral.
O último desencontro entre Appio e o Tribunal de 2ª Instância se deu na semana passada, quando o presidente do TRF-4, Thompson Flores, cassou a decisão do magistrado que havia declarado a nulidade dos atos do ex-juiz Sergio Moro contra o ex-governador Sérgio Cabral.
Crítico de Moro, Appio prometia dar início a uma “Lava-jato 2.0” em Curitiba. Ele anulou decisões de Moro por falta de imparcialidade e para garantir a Cabral o devido processo legal. O desembargador do TRF-4, porém, considerou que Appio não poderia proferir nenhum ato enquanto havia petições questionando sua parcialidade para julgar. Em um despacho assinado na semana passada, o juiz disse considerar que essas petições foram apresentadas “de forma genérica” para “tumultuar” seu trabalho.
A derrota no caso Cabral se deu cerca de dois meses após o juiz de Curitiba travar uma queda de braço com o Tribunal em torno da prisão de Alberto Youssef. Appio havia mandado prender o ex-doleiro em 20 de março por conta da não devolução de valores aos cofres públicos, segundo constava em uma representação da Receita Federal.
Os advogados de Youssef, um dos primeiros delatores do esquema investigado na Lava-Jato, recorreram ao TRF-4 com a alegação de que o processo estava suspenso por 10 anos, e que o doleiro usa tornozeleira eletrônica, não havendo a necessidade da prisão preventiva.
Freio do desembargador
O desembargador Marcelo Malucelli concordou com os argumentos e mandou o juízo de Curitiba soltar Youssef às 14h49 de 22 de março. Mas, menos de uma hora depois, às 15h39, Appio decretou de novo a prisão do ex-doleiro para a “garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal”. O impasse foi decidido no fim daquela tarde, com nova decisão do desembargador do TRF-4 contrária ao juiz de Curitiba.
Malucelli havia anulado outra medida de Appio dias antes, em 15 de março. O magistrado da Lava-jato tinha mandado Eduardo Cunha entregar à Justiça seis carros que estavam bloqueados, entre eles veículos de luxo como dois Porsche Cayenne e um Ford Edge. O desembargador, porém, entendeu que cabe à Justiça Eleitoral do Rio de Janeiro decidir o destino dos carros.
Contestado após ter o nome identificado na lista de doadores para a campanha presidencial de Lula (PT) — o que ele nega ter feito —, Appio foi alvo de representação do ex-coordenador da força-tarefa da Lava-jato e atual deputado federal, Deltan Dallagnol (Podemos-PA), no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O parlamentar e outros sete deputados questionam a “neutralidade” do juiz para conduzir os processos da Lava-Jato.