O trauma com a vitória de Eduardo Cunha (à época no PMDB, hoje no PTB) na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, que acabou pavimentando o caminho do impeachment de Dilma Rousseff (PT), tem feito aliados de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avaliarem conforme a colunista Malu Gaspar, do O Globo, que é melhor mesmo compor com Arthur Lira (PP-AL) e abraçar a sua campanha à reeleição pelo comando da Casa.
Esse diagnóstico realista tem sido feito reservadamente por deputados federais mais “pragmáticos” do PT, do PCdoB e do PSB, além de aliados do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB).
Para esses políticos, Lira tem uma base forte de apoio, construída a partir do controle do orçamento secreto, e dificilmente seria batido por qualquer outro político do Centrão.
A eleição para a presidência da Câmara acontece em fevereiro, após a posse dos novos deputados. Mas Lira já vem trabalhando para garantir o apoio das bancadas e fazendo acordos para a distribuição de cargos na mesa e nas comissões desde o primeiro turno. Ele tem apoio em todos os partidos, inclusive entre petistas.
“Lira é vingativo, da escola de Eduardo Cunha”, afirmou à equipe da coluna um interlocutor de Alckmin. “Se o novo governo trabalhar contra Lira e ele se reeleger, sairá ainda mais fortalecido.”
Lula já disse publicamente que o PT não vai lançar candidatura própria nem para o comando da Câmara nem para o Senado.
Em maio deste ano, antes das urnas confirmarem a força do presidente da Câmara e do bloco fisiológico conhecido como Centrão, do qual Lira é uma das principais lideranças, Lula afirmou que o parlamentar “age como se fosse o imperador do Japão” e “acha que pode mandar administrando o orçamento”.
O tom mudou radicalmente após o recado das urnas – e o encontro dos dois na última quarta-feira (9) na residência oficial de Lira. Logo após a confirmação da vitória de Lula, o presidente da Câmara se apressou em reconhecer o resultado das urnas para neutralizar qualquer ofensiva golpista por parte do presidente Jair Bolsonaro.
“Hoje me encontrei pela primeira vez com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. O país precisa de diálogo e normalidade”, escreveu Lula em sua conta pessoal no Twitter.
Mais do que de “diálogo” e “normalidade”, o PT precisa do apoio de Lira para aprovar a PEC da Transição, que deve permitir ao governo lulista driblar o teto de gastos e gastar R$ 175 bilhões. A medida deve abrir caminho para o pagamento de R$ 600 mensais para beneficiários do Auxílio Brasil, que deve voltar a se chamar Bolsa Família.
Lira, em contrapartida, quer o apoio do PT para a sua reeleição e dessa forma garantir a aprovação da PEC na Câmara.
Os lulistas reconhecem que o presidente eleito precisa ampliar a base aliada e fazer concessões, uma vez que o bloco de esquerda não tem força nem para aprovar sozinho um simples projeto de lei em nenhuma das duas Casas.
Mas uma ala acredita que seria interessante que Lula, recém eleito e dispondo de apoio popular, deveria deixar que eles pelo menos apresentassem um candidato para colocar pressão sobre Lira e conseguir aprovar a PEC em termos favoráveis ao governo.
Nem Lula nem Alckmin concordam com essa avaliação, pelo menos por enquanto. Em conversas reservadas, Lula admite que foi um erro a estratégia do PT de insistir na candidatura de Arlindo Chinaglia (PT-SP) para disputar a presidência da Câmara em 2015, contra Eduardo Cunha.
Desafeto de Dilma, Cunha se tornou um dos principais personagens do processo de impeachment que ejetou a petista do Palácio do Planalto.
Cunha derrotou Chinaglia com uma vitória elástica – 267 votos, contra 136. “Foi uma lição amarga”, admitiu um integrante do núcleo duro da campanha de Lula à reeleição.
A relação de Lira com Lula, no entanto, depende de outros fatores – o principal deles é o orçamento secreto, maior instrumento de Lira para garantir apoio de parlamentares e o envio de emendas milionárias para bases eleitorais sem muita transparência.
O PT sabe que não tem forças sozinho para implodir o orçamento secreto – e aposta no julgamento de três ações no Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubá-lo, o que poderia ser um duro golpe na campanha à reeleição de Lira.
Uma eventual aproximação entre Lira e Lula também enfrenta resistência de aliados, especialmente do senador Renan Calheiros (MDB-AL), arquirrival do presidente da Câmara em Alagoas.
O candidato de Renan ao governo alagoano, Paulo Dantas, conseguiu se reeleger, derrotando o senador Rodrigo Cunha (União Brasil), apoiado por Lira, em uma dura disputa que chegou aos tribunais.
Afastado do cargo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na esteira de um escândalo de rachadinha, Dantas acabou reassumindo o governo alagoano na véspera do segundo turno por decisão do STF.
Renan é crítico do envio de uma PEC e da ultra-dependência de uma negociação com Lira para garantir os R$ 600 mensais para beneficiários do Auxílio Brasil.
Além de Renan, outros partidos que devem compor a base de Lula, como o União Brasil, defendem que o presidente eleito tenha uma candidatura alternativa à de Lira – de preferência, de algum dos deputados do partido.
O presidente do União Brasil, Luciano Bivar, já se habilitou para a missão, mas ainda não convenceu nem Lula e nem seu entorno mais próximo.
Pelo jeito, o trauma da derrota para Eduardo Cunha é maior do que a vontade de derrubar Lira.