Citado no Acordo de Paris, o termo transição justa, que prevê a inserção dos trabalhadores no processo de “limpeza” da matriz energética mundial, ainda é um conceito sem muitos efeitos práticos na indústria do petróleo. Conforme reportagem do Estadão, a conclusão faz parte de estudo encomendado pela federação sindical global IndustriAll, que representa cerca de 50 milhões de trabalhadores de diferentes setores em mais de 140 países.
Segundo a pesquisa, são raras as iniciativas das multinacionais do petróleo para preparar seus funcionários para as mudanças. Ao mesmo tempo, entre os empregados, prevalece o ceticismo quanto às transformações do mercado de trabalho.
Funcionários de diferentes empresas e países entrevistados na elaboração do estudo demonstraram mais preocupação com a manutenção dos seus empregos e salários após a pandemia de covid-19 do que com a transição energética, fase em que o petróleo será gradualmente substituído pelas fontes renováveis até deixar de concentrar os investimentos e a mão de obra do setor de energia. Para a maior parte dos trabalhadores, esse será um problema das gerações futuras, ainda sem grandes consequências no curto prazo.
Para Rodrigo Leão, coordenador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), contratado pela IndustriAll para realizar o estudo, há um descompasso entre o movimento sindical de funcionários da indústria petrolífera, mais atento ao tema da transição justa, e os profissionais envolvidos no dia a dia das empresas. Isso porque a maioria dos que participam da rotina da indústria de óleo e gás ainda não vive a realidade da transição energética.
“O segmento de renováveis ainda representa uma parcela muito pequena dos ativos das grandes petrolíferas. Essas empresas estão se associando a outras, como a startups, para participar da transição. Com isso, muitos dos profissionais envolvidos não são da própria indústria de óleo e gás. Para os trabalhadores petroleiros entrevistados, as mudanças estão no campo da retórica”, afirmou Leão.
O que está por vir, no entanto, é uma profunda transformação do mercado de trabalho a partir da transição para uma economia de baixo carbono. Ao mesmo tempo em que serão criados empregos “verdes” nos setores de renováveis e eficiência energética, outros vão ser extintos em segmentos produtivos responsáveis pela emissão de expressivos volumes de gases de efeito estufa. Algumas profissões ainda vão ser adaptadas à nova realidade e vão exigir esforço de capacitação.
A petrolífera anglo-holandesa Shell é um exemplo dessa transformação. A empresa anunciou em fevereiro a revisão da sua estratégia de atuação para se adequar à transição energética. A reestruturação prevê a saída de 7 mil a 9 mil funcionários até o fim do ano que vem, dos quais 1,5 mil devem aderir ao programa de demissão voluntária lançado no Reino Unido, Holanda e Estados Unidos.
“Sobre a capacitação dos funcionários para a transição energética, como disse o CEO da Shell, Ben Van Beurden, a companhia não está iniciando a caminhada do zero”, afirmou a empresa, por meio de sua assessoria de imprensa. Os funcionários brasileiros estão inseridos no plano da companhia de utilizar o pré-sal para gerar caixa e financiar a transição energética.
Nesse caso, não será necessária nenhuma capacitação importante para preparar os profissionais para a descarbonização da economia. Na área de renováveis, o plano é construir usinas solares. Estão em estudo projetos em Minas Gerais e na Paraíba.
A avaliação da IndustriAll, no estudo, é que os investimentos das petrolíferas em energia limpa ainda são incipientes. “Quando se trata de transição justa, as ações praticamente inexistem”, diz o documento.
Entre as medidas concretas de inserção de trabalhadores na transição energética, a entidade destacou a da norte-americana Chevron, que criou incentivos de remuneração variável para os funcionários que ajudarem a empresa a atingir metas de redução de emissão de gases de efeito estufa até 2023. No Brasil, a Petrobrás inclui ativos de geração de energia a partir de fontes renováveis e biocombustíveis em seu programa de desinvestimento. A estatal tem reafirmado a intenção de focar na produção de petróleo e gás no pré-sal.