O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) ainda não tem um posicionamento sobre se o deputado estadual Jânio Natal (Podemos) terá foro privilegiado ou não ao ser julgado pelos crimes de responsabilidade que teriam sido cometidos enquanto ele era prefeito de Porto Seguro, no extremo sul do estado. O deputado responde a três ações penais no TJ por dispensar ou não exigir licitação para prestação de serviços enquanto era prefeito, entre 2005 e 2008.
Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) restringiu o foro, o TJ baiano discute em quais casos as medidas são aplicadas. Para os crimes cometidos antes do mandato por prefeitos, o entendimento já é pacificado de que os denunciados não têm prerrogativa de foro e devem ser julgados em primeira instância. O entendimento começou a ser construído na Corte baiana nos votos do desembargador Júlio Travessa, quando remeteu processos envolvendo prefeitos para a 1ª Instância.
Segundo publicou o site Bahia Notícias, em junho de 2018, uma questão de ordem foi suscitada no Pleno para discutir a questão. O processo é relatado pelo desembargador Pedro Guerra, que pediu manifestação do Ministério Público da Bahia (MP-BA) e da defesa do deputado sobre o assunto. Este processo deve ser pautado para votação no pleno para após o Carnaval deste ano. No caso relatado pelo desembargador, Jânio Natal foi denunciado por contratações temporárias de servidores fora das hipóteses legais previstas. A denúncia, no entanto, foi oferecida quando Natal era deputado federal. O caso chegou a parar no Supremo Tribunal Federal (STF), mas voltou para o TJ-BA quando o parlamentar deixou o Congresso para integrar a Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA). Na sessão realizada em junho do ano passado, Travessa já sinalizava que a questão deveria ser discutida naquele momento e que o TJ não deveria esperar o STF julgar um caso concreto envolvendo deputado estadual.
A questão foi novamente colocada em pauta na sessão plenária desta quarta-feira (13), quando um processo contra Jânio, relatado pelo desembargador Nilson Castelo Branco, foi chamado. O desembargador Sérgio Cafezeiro, que havia pedido vista anteriormente, liberaria seu voto. O relator lembrou que o caso é muito similar ao relatado por Pedro Guerra. Travessa invocou novamente uma questão de ordem neste segundo processo. Castelo Branco lembrou que o crime aconteceu quando o réu era prefeito e que posteriormente virou deputado. A questão reforçou a dúvida da Corte se o caso deve ser mantido no Pleno, julgado em uma Câmara Criminal ou remetido para 1ª Instância. Mesmo com a dúvida, os desembargadores Júlio Travessa e Aberlado da Mata já votaram pela descida dos autos por não haver foro neste caso, pois os crimes não foram cometidos enquanto deputado. O relator Nilson Castelo Branco pediu que o julgamento fosse transformado em diligência e vai esperar uma manifestação da defesa e do MP sobre o foro para então proferir seu voto.
Procurado pelo Bahia Notícias, o Ministério Público do Estado da Bahia informou que o tema da prerrogativa de foro ainda está em depuração nas decisões dos diversos Tribunais, mas que “há inegável e forte tendência que aponta para a direção de que a competência por prerrogativa de foro esteja associada ao efetivo exercício da função e também que a imputação guarde relação com a mesma”. “No caso específico apontado, como em todos dos demais, o Ministério Público acompanha vigilantemente as decisões judiciais correlatas, bem como permanece atento a eventual deliberação do Congresso Nacional sobre o tema”, disse a instituição, em nota.
Os processos
O caso concreto do processo relatado pelo desembargador Nilson Castelo Branco foi movido pelo MP-BA diante da contratação de um escritório de advocacia sem licitação. O crime teria ferido a Lei de Licitações, com pena de 3 a 5 anos de detenção, mais pagamento de multa. A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA) é amicus curiae nesta ação e defende a legalidade da contratação de advogados sem licitação. O valor do contrato era de R$ 580 mil, quando a previsão orçamentária da prefeitura era de R$ 180 mil. A defesa do deputado alega que a contratação do escritório especializado gerou um ganho de R$ 11 milhões para o Município na venda da folha de pagamento da prefeitura para uma instituição financeira. Este processo, cadastrado em outubro de 2015, já foi adiado mais de 20 vezes na pauta de julgamento do Pleno do TJ-BA, adiado duas vezes por pedido de vista e retirado de pauta três vezes, sendo a última para diligência na sessão de quarta-feira (13).
Na ação relatada pelo desembargador Pedro Guerra, Jânio é acusado de realizar contratação de mais de 150 servidores temporários sem concurso público entre os anos de 2006 e 2007. A defesa pediu a rejeição da denúncia por apresentar os mesmos fatos de outra ação penal contra Jânio Natal, que prescreveu em fevereiro de 2015. Na época em que reconheceu a prescrição, a desembargadora Rita de Cássia assinalou no acórdão que era “lamentável verificar que delitos desta natureza tragam em seu preceito secundário penas incompatíveis com as consequências sociais geradas por tais práticas, sendo a pretensão punitiva comumente fulminada pela prescrição, o que inviabiliza a sua efetiva apuração”. No voto, ela ainda apontou que, na época, mais de 70% da despesa com pessoal do Município era destinada ao pagamento dos funcionários temporários. O processo, inicialmente, tramitou no STF, enquanto Jânio Natal era deputado federal. Quando findou o mandato, o ministro Gilmar Mendes determinou a descida dos autos para o TJ-BA.
O terceiro processo é relatado pelo desembargador Carlos Roberto. A denúncia foi recebida pelo plenário do TJ em novembro de 2016. As acusações também são por lesão a Lei de Licitações. A denúncia do MP indica que o Jânio, também como prefeito, não exigiu licitação para contratações de shows e artistas para festas juninas e aniversário da cidade, nos meses de junho e julho de 2006, no valor aproximado de R$ 415 mil. A denúncia diz que houve um ajuste entre o prefeito e uma empresa de eventos para contratar as atrações. Além disso, teve compra de materiais de limpeza, hospitalares, de informática, entre outros, no valor de R$ 62 mil. A defesa também alegou nulidade do processo e que houve cerceamento de defesa. O relator entendeu que não havia vícios processuais. O mau uso da verba foi detectado pelo Tribunal de Contas dos Municípios (TCM).
Em maio de 2017, um processo contra Jânio Natal, relatado pelo desembargador Baltazar Miranda, prescreveu por erro de competência. O processo, posteriormente, foi distribuído para o desembargador Júlio Travessa. Neste caso, Jânio foi acusado pelo MP de não comprovar despesas em um total de R$ 90,5 mil, não realizar licitação de R$ 1,1 milhão, e por ausência de licitação por fragmentação do objeto no valor de R$ 53 mil. Ainda foram constatados gastos excessivos com combustível, material gráfico, locação de máquinas, veículos, equipamentos, publicidade, serviços contábeis e de informática, além de outros serviços de assessoria e consultoria, assim como irregularidade na aquisição de gêneros alimentícios, tendo como credora a empresa Betopão Comercial Ltda. Também foram identificadas despesas excessivas com telefonia celular para servidores municipais e pagamentos de diárias a servidores sem a respectiva comprovação. Os crimes teriam ocorrido no último ano de gestão de Jânio Natal como prefeito de Porto Seguro, no extremo sul da Bahia, em 2008.