O cientista paquistanês especializado em solo Rattan Lal, conhecido mundialmente por vencer o Nobel da Paz em 2007 e o Prêmio Mundial de Alimentação 2020, acredita que a responsabilidade por custear uma agricultura mais sustentável deve ser dividida entre vários atores, inclusive os consumidores.
“Se quisermos comer alimentos saudáveis, cultivados em solos saudáveis, os consumidores, você, eu e outros, também devemos estar dispostos a pagar pelos serviços que estamos exigindo dos agricultores”, disse em entrevista exclusiva ao site Dinheiro Rural.
Ele defende, no entanto, que a maior parte dessa conta deveria ser paga pelas empresas e países exportadores de petróleo, seguidos pelas grandes indústrias de insumos químicos para agricultura.
Lal esteve no Brasil para participar de um evento promovido pela Fundação Dom Cabral e pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA).
“As únicas pessoas que têm o direito de criticar a agricultura são aquelas que não querem comer alimentos. Se queremos comer alimentos, e não podemos viver sem eles, temos o direito e o dever moral de melhorar a agricultura, não de culpá-la”, afirma Lal sobre as críticas mais ferrenhas à produção agrícola.
O cálculo da conta de emissões
O cientista é conhecido por defender formas de plantio capazes de capturar carbono (CO2) do meio ambiente no solo, técnicas chamada por ele de “agricultura com emissão [de CO2] negativa”.
“Carros ou outras máquinas podem ter emissão zero. Mas a agricultura é a única indústria que deve ser negativa em emissões”, argumenta.
É aí que entraria o mercado de carbono, que é um sistema de investimentos para financiar a redução de gases de efeito estufa na atmosfera. Funciona assim: cada crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2, ou a uma quantia semelhante de outro gás poluente, como metano (CH4) ou óxido nitroso (N2O).
O cientista sugere que produtores recebam US$ 50 por cada crédito de carbono capturado no solo com uma agricultura de emissão negativa. Ele faz um cálculo de que, caso os 750 milhões de agricultores no mundo sejam compensados desta forma, o custo total será de em torno de US$ 100 bilhões.
“Se eles [exportadores e produtores de combustíveis fósseis] assumirem 60%, então poderíamos pedir a indústrias como Syngenta, Bayer, John Deere, que talvez possam assumir 25%. E os 15% restantes, eu acho que os consumidores deveriam pagar”, diz. “Se nos recusarmos a fazer isso, não devemos esperar que os outros o façam também.”
Elogios à agricultura brasileira
O cientista comparou o país de hoje com o da sua primeira visita, em 1975. “O Brasil se tornou uma potência agrícola mundial. É uma exportadora de alimentos extremamente importante para o mundo”, disse. Para o cientista, as técnicas agrícolas utilizadas no Cerrado podem oferecer lições para a savana africana.
“Eu tenho falado sobre se podemos repetir o milagre do Cerrado [brasileiro] na África. Um em cada quatro africanos sofre de insegurança alimentar. Não podemos aceitar isso.”
Ao mesmo tempo, destacou os passos que o Brasil ainda precisa dar. “Devemos fazer uma agricultura que produza mais com menos: menos terra, menos produtos químicos, menos energia, menos emissão de gases de efeito estufa, menos consumo de recursos não renováveis.”
Sobre os químicos, Lal defendeu que são necessários, porém com medida.
“Nunca diria que não precisamos de herbicidas e pesticidas. Precisamos deles. Mas precisamos deles como suplementos, como medicamentos, não como veneno.”
COP30
Lal vê o papel da Conferência das Partes (COP), fórum internacional para discutir o meio-ambiente, cuja edição de 2025 será realizada em Belém, como mal compreendido.
“Traduzir a ciência em ação não é tarefa da COP. É responsabilidade das organizações locais.”
Ele considera que a mudança, na verdade, exige formuladores de políticas públicas “que pensem além de si mesmos e além de suas preocupações imediatas. Eles devem estar preocupados com o público em geral, o meio ambiente, os recursos naturais, com o planeta Terra, com o futuro da humanidade”.
Ele enumera outras organizações devem se juntar aos governos para fazer transformações necessárias: o setor privado, indústrias, ONGs e os agricultores. Já as COPs “podem criar conscientização, fornecer uma plataforma para discussão, garantir que os formuladores de políticas entendam o que precisa ser feito”, resume o professor.