Prisão e queda de nomes da elite política mostram como Brasil deu cambalhotas em apenas um mandato
Sei que conto com o apoio do meu querido vice Michel Temer. Sei que conto com o esforço dos homens e das mulheres do Judiciário. Sei que conto com o apoio da minha base partidária.”
A política brasileira deu sucessivas cambalhotas desde o discurso de posse de Dilma Rousseff (PT) em 1º de janeiro de 2015.
Depois que a presidente desceu do parlatório em frente à Praça dos Três Poderes, o PT perdeu seus aliados, a economia desmoronou e diversos protagonistas daquela tarde caíram em desgraça.
Quatro anos depois de vestir a faixa pela segunda vez, Dilma habita a planície, sem ter conseguido votos para se eleger senadora.
Temer (MDB), em destaque nas fotos oficiais de então, prepara sua saída do Palácio do Planalto de forma discreta, enredado em investigações de corrupção e com índices recordes de impopularidade.
O destino de personagens daquela posse resume o ciclo que se encerra com a estreia do governo de Jair Bolsonaro (PSL). A prisão e a queda de nomes da elite política desaguaram na ascensão de um presidente gestado no baixo clero e eleito na esteira da Lava Jato.
Os retratos tirados há quatro anos ilustram o deslocamento brusco dos eixos do poder. Celebrado pelos convidados petistas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez uma passagem relâmpago pelo evento no Planalto.
Após uma campanha turbulenta, em que a rejeição ao PT dava sinais cada vez mais agudos, Lula era tratado por políticos e empresários como um personagem fundamental para a estabilidade do governo. Sua relação com Dilma, porém, se deteriorava.
Embora tenha abraçado a sucessora de maneira calorosa naquele dia, o petista estava insatisfeito com a formação do ministério, que excluíra nomes de sua confiança.
Depois, ele atribuiria a queda de Dilma a erros nessa distribuição de espaços no governo, entre outros fatores.
No auge da crise, Lula equilibrou a articulação anti-impeachment com sua própria defesa nas investigações decorrentes da Lava Jato. Perdeu as duas batalhas, com o fim da era petista, em 2016, e com sua prisão, em 2018.
Os principais responsáveis pelos discursos de Dilma naquele dia foram o marqueteiro João Santana e o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. O primeiro foi preso por lavagem de dinheiro, delatou a ex-presidente e agora cumpre pena em casa. O segundo caiu no isolamento político.
Nas mensagens, a presidente reeleita prometia ser implacável com a corrupção, anunciava um ajuste econômico que faria com que o Brasil voltasse a crescer e exaltava o PT. Terminou alvo da Lava Jato, levou o país a uma recessão, perdeu o cargo e alimentou a rejeição a seu partido.
Dilma percorreu o tapete vermelho estendido no Congresso determinada a exibir força política, mas superestimou o apoio do “querido vice” e de sua base partidária.
Naquele 1º de janeiro, se materializavam os itens 3 e 8 da carta que Temer divulgaria em dezembro para marcar seu rompimento com a presidente.
Ao iniciar o segundo mandato, Dilma tirou Moreira Franco da Secretaria de Aviação Civil. Depois, Temer afirmou que se sentiu desvalorizado com a demissão do amigo.
À noite, no coquetel oferecido no Itamaraty, a presidente se reuniu com o vice americano Joe Biden por duas horas. Temer não foi convidado.
Na carta, em que se queixava de ser um “vice decorativo”, ele se referiu ao episódio como um sinal de “absoluta falta de confiança”.
Na última cerimônia do dia, um assunto recorrente era a famosa dieta Ravenna, criada por um médico argentino, que havia sido adotada por diversos políticos.
Dilma perdera mais de 10 kg com os novos hábitos alimentares. José Eduardo Cardozo (Justiça) e Eleonora Menicucci (Mulheres) comparavam seus resultados. Hoje, a Ravenna também saiu de moda em Brasília.
As transformações políticas dos últimos anos foram abrangentes. No ato de juramento de Dilma, os presidentes do Senado e da Câmara sorriam a seu lado. Renan Calheiros (MDB) sobreviveu e é cotado para voltar ao cargo. Henrique Alves (MDB), por outro lado, foi preso dois anos depois por desvios no Fundo de Investimentos do FGTS.
Naquele evento, enquanto a presidente reeleita discursava, deputados bajulavam Eduardo Cunha – então líder do MDB e franco favorito para se eleger presidente da Câmara. No mês seguinte à posse, o emedebista conquistou o cargo e se tornou um dos homens mais poderosos do país.
Cunha liderou o impeachment na Câmara e foi celebrado pela oposição, mesmo depois que a Lava Jato descobriu contas no exterior abertas por ele.
Quando as investigações avançaram, o deputado foi afastado da presidência da Câmara, cassado, preso e abandonado por aqueles que o trataram como herói.
A oposição ao PT nunca estivera tão forte quanto em 2015, mas seus personagens principais também ficaram pelo caminho nos anos seguintes.
Aécio Neves (PSDB) não se juntou aos poucos adversários de Dilma que foram à posse, mas era citado por eles como figura de proa do antipetismo. Saído da eleição com 51 milhões de votos, o tucano contestava o resultado e prometia uma vigilância constante dos atos do governo.
O senador mineiro se enroscou em quatro cantos: hesitou diante do impeachment, apareceu na delação da Odebrecht, foi gravado pedindo R$ 2 milhões a Joesley Batista e rachou o PSDB ao insistir em permanecer no governo Temer. Foi afastado do mandato e quase terminou preso.
Sem chances de se reeleger no Senado, Aécio disputou e conquistou uma vaga na Câmara. Seus aliados achavam que ele seria campeão de votos, mas foi apenas o 18º da lista em Minas Gerais.
Já Bolsonaro era uma figura praticamente inexpressiva na oposição, embora tivesse uma base eleitoral considerável. O deputado não foi à posse de Dilma. Na véspera, publicou uma mensagem que revelava seus planos: “Feliz 2015, 2016, 2017 e 2018 (com vocês)”.
As fotos oficiais também se desbotaram rapidamente nos estados. No primeiro dia de 2015, Fernando Pimentel (PT) tomava posse como governador de Minas.
Acumulara força ao vencer a disputa no primeiro turno, desalojando o PSDB após 12 anos e assumindo papel de destaque na vitória de Dilma.
Em seu discurso, o petista prometia um programa rígido de ajuste financeiro. Nos anos seguintes, os cofres continuaram vazios e o governador foi citado em delações premiadas. Ao tentar a reeleição em 2018, fracassou – não foi nem ao segundo turno.
No Rio, Luiz Fernando Pezão (MDB) fazia juras de lealdade ao padrinho Sérgio Cabral, presente à cerimônia em lugar de destaque, a quem agradecia pelos “melhores momentos” de sua vida.
Empossado, o governador dizia que o estado controlaria seu caixa e ajudaria o Brasil a crescer.
Sua gestão levou o Rio, no entanto, a uma das piores crises fiscais do país, sem dinheiro para pagar os salários dos servidores. Em novembro de 2016, Cabral foi preso pelo braço fluminense da Lava Jato. Dois anos depois, Pezão teve o mesmo destino.
A retrospectiva evidencia outras derrocadas e frustrações políticas.
Ao fazer o juramento que abriu seu quarto mandato como governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) criticava o PT e tentava se credenciar para disputar a Presidência em 2018.
Conseguiu, mas teve o pior desempenho de seu partido em quase 30 anos, com menos de 5% dos votos.