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domingo 23 de agosto de 2020 às 13:09h

Tecnologia 5G representa desafio regulatório e oportunidade econômica

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A indefinição sobre a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais contribui para adiar um debate fundamental e urgente. Até o próximo dia 26 de agosto é válida Medida Provisória 959/2020 que adia a entrada em vigor da LGPD para maio de 2021.

Se a MP não for votada até a data limite, perde o efeito e a lei passa a valer em setembro. A votação estava marcada para a última terça-feira (18), mas foi retirada da pauta a pedido do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Agora os parlamentares discutem a data mais apropriada para que a legislação entre em vigor. Uma possibilidade seria adiar a implementação da lei até 31 de dezembro. A data marca também o fim do estado de calamidade pública imposto pelo avanço da Covid-19 no país.

Além de disciplinar o tratamento dos dados pessoais dos brasileiros, a LGPD é peça fundamental no debate em torno da tecnologia 5G que deve marcar o começo de uma nova realidade tecnológica no Brasil. O leilão de bandas 5G no país está marcado já no primeiro trimestre de 2021. Trata-se da maior oferta pública de capacidade para tecnologia móvel de quinta geração.

Serão negociadas faixas de frequência em quatro bandas: 700 MHz; 2,3 GHz; 3,5 GHz e 26 GHz, que serão usadas para transmissão de dados. A velocidade da tecnologia 5G é seu grande diferencial e o que promete mudar o modo de vida, os negócios e a relação do brasileiro com tecnologia.

Em localidades onde a tecnologia foi adotada, como parte da China, Coreia do Sul e Suécia, a tecnologia 5G já demonstra parte de seu potencial. E as aplicações vão desde downloads de filmes em alta resolução em segundos até testes bem sucedidos de carros dirigidos remotamente e monitoramento de câmeras conectadas a internet 24 horas pelas forças de segurança.

Além de todas as possíveis aplicações, a tecnologia será responsável pela maior produção de dados da história. Essa montanha de informações irá representar basicamente poder econômico, político, militar e tecnológico para seus detentores. Nesse ponto, a discussão deixa de ser apenas tecnológica para ganhar contornos jurídicos e geopolíticos.

Regulações

As normas técnicas para implantação da tecnologia 5G no Brasil já estão sendo elaboradas pelos órgãos reguladores. Segundo o advogado Wilson Sales Belchior, sócio-diretor do escritório de advocacia Rocha, Marinho e Sales e membro da Coordenação Nacional de Inteligência Artificial do da OAB nacional, o uso das radiofrequências depende de outorga prévia da Anatel.

“O direito de uso das radiofrequências está disciplinado na Lei 9.472/1997, com as mudanças trazidas pelo novo modelo de telecomunicações estabelecido pela Lei 13.879/2019, posteriormente regulamentada no Decreto nº 10.402/2020”, comenta.

Ele explica que as empresas que venceram o leilão terão que “assumir compromissos associados à ampliação da infraestrutura de banda larga fixa, cobertura de rodovias federais com banda larga móvel, entre outros, segundo as diretrizes fixadas na Portaria/MCTIC 418/2020”.

Figura central na disputa, a Agência Nacional de Telecomunicações tem adotado, até o momento, requisitos técnicos para certificação e comercialização dos equipamentos que utilizem a tecnologia 5G. Os critérios seguem padrões internacionais como o da European Telecommunications Standards Institute e pela iniciativa global denominada 3rd Generation Partnership Project.

Belchior lembra também que um ponto fundamental dessa questão é que a Anatel adota o princípio da neutralidade tecnológica. “O objetivo é assegurar a participação nos editais de todos os fabricantes de equipamentos que atenderão o fornecimento dos serviços de telecomunicação de quinta geração (5G) à população pelas operadoras que usam as faixas de radiofrequência”, explica.

LGPD e legislação chinesa

Além das regulações técnicas, outro ponto sensível na disputa em torno da implantação do 5G no Brasil é o tratamento dos dados produzidos pela tecnologia.

A advogada Marina Dias, do escritório Damiani Sociedade de Advogados, diz acreditar que, do ponto de vista jurídico, o tratamento de dados é fundamental. “O grande ponto é que a legislação do país terá força para conter possíveis abusos dessas empresas”, explica.

A especialista diz que a Lei Geral de Proteção de Dados é uma legislação sólida e representa um bom ponto de partida para implantação da tecnologia. “Um problema é que o nosso debate público em torno da questão dos dados não está suficientemente amadurecido. A LGPD antecipou esse debate. As pessoas ainda não têm consciência da importância do tema. A nossa relação com dados ainda é promiscua. Isso é preocupante porque a lei existir no papel, mas, do ponto de vista prático, o brasileiro ainda estará muito exposto”, pontua.

A advogada lembra que as sociedades dos Estados Unidos e da Europa estão mais maduras em relação a essa discussão por conta de escândalos recentes como os envolvendo a empresa Cambridge Analytica nas eleições norte-americanas e no Brexit.

“Boa parte dos problemas pode ser mitigada com uma atuação robusta da Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Ela deverá atuar tanto na conscientização das pessoas como também na fiscalização do tratamento de dados. As sanções da LGPD são bem altas”, comenta.

A possibilidade desses dados serem usadas por agências espiãs é uma das principais pedras de toque do discurso norte-americano contra a expansão chinesa em torno do 5G.

Fernando Sotto Maior Cardoso, advogado e sócio-fundador do escritório Sotto Maior & Nagel, explica que o debate sobre proteção de dados na China já está bastante amadurecido. “O país já tem três leis que tratam sobre dados e privacidade. A primeira dela é a Lei de Cibersegurança instituída em 2017 e proíbe provedores de serviços online de coletar e vender dados pessoais de seus usuários sem consentimento”, explica.

Outra legislação é a Lei de Criptografia que divide a encriptação em dois níveis: estatal para segredos de Estado e comercial usada por cidadãos comuns e entidades não governamentais.

Por fim temos a implementação do Código Civil chinês que tutela a privacidade dos dados pessoais por meios digitais e físico. “Isso aproxima muito a legislação chinesa da nossa legislação e da Europa. A China corre atrás dessas regulamentações porque elas são uma verdadeira exigência no resto do mundo”, explica. A legislação deve entrar em vigor em janeiro de 2021.

O advogado ainda cita que a China tem um Comitê Técnico Nacional de Padronização e Segurança da Informação, que dissemina boas práticas no tratamento de dados.

Desdobramentos geopolíticos

Para o advogado José Ricardo dos Santos Luz Jr., CEO do Lide China e Gerente Institucional do BNZ Advogados, a disputa entre Estados Unidos e China em torno do 5G pode, se for bem conduzida, representar uma oportunidade de o Brasil avançar na pauta econômica com dois dos seus principais parceiros comerciais.

“O 5G faz parte de uma iniciativa chinesa chamada “política do cinturão em rota” que tem vertentes que vão da tecnologia a infraestrutura e saúde. Até o março de 2020, 138 países já assinaram acordos relacionados a essa política com a China. Contratos para a construção de ferrovias, hidrelétricas”, diz.

O advogado explica que, na corrida comercial em torno do mercado do 5G, a China saiu na frente de seus competidores. “As chinesas Huawei e a ZTE já detêm 40% dos contratos de 5G no mundo. A Nokia, que é finlandesa, tem 17%, e a sueca Erickson tem 14%. Os EUA, por incrível que pareça, ainda não chegaram nesse patamar”, explica.

O especialista entende que as autoridades brasileiras devam adotar critérios alheios à pressão diplomática tanto dos Estados Unidos como também da China.

A China é o maior parceiro do Brasil com comércio de US$ 100 bilhões em 2019. Os Estados Unidos representam o segundo mercado mais importante para a economia brasileira, com um comércio de US$ 59 bilhões.

“Essa discussão em torno da tecnologia 5G é uma grande oportunidade. O Brasil não deveria se basear no ponto de vista ideológico, mas do ponto de vista do interesse nacional. O país tem que priorizar os seus interesses e barganhar metas e políticas para o desenvolvimento do país”, resume.

A tecnologia 5G pode ser encarada como exigência para competitividade na economia global que sofrerá no futuro próximo com os efeitos econômicos da pandemia de Covid-19. O futuro não tarda a chegar e merecerá atenção especial dos operadores de Direito.

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