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terça-feira 18 de julho de 2023 às 11:31h

Taxação a patrimônio cresce, e governos estaduais veem ‘alternativa’ às portas da reforma

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A receita com tributos sobre propriedade ganhou espaço relativo na receita dos Estados, mesmo num ambiente de crescimento mais acelerado da arrecadação total. Os dois impostos dessa natureza à mão dos governadores, que incidem sobre a propriedade de veículos e sobre heranças e doações, avançaram de 8,8% da receita tributária própria em 2019 para 10,3% em 2023. A comparação considera os 26 Estados e Distrito Federal e as receitas em 12 meses até abril de cada ano.

A reforma tributária sobre consumo, no texto aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados – e à espera de apreciação no Senado – tem gerado simpatia segundo reportagem de Marta Watanabe e Rodrigo Carro, do jornal Valor, entre os especialistas, que o consideram uma evolução importante. Mesmo assim, a reforma abre novas possibilidades para os Estados na tributação sobre propriedade e pode ser um caminho na procura receitas, aponta quem acompanha o tema.

Diversos choques nos últimos anos ajudaram a arrecadação total própria dos Estados. Essa receita aumentou 14,1% em termos reais no agregado dos Estados em relação ao período pré-pandemia. Os tributos sobre propriedade tiveram desempenho ainda melhor.

O IPVA, cobrado sobre a propriedade de veículos automotores, avançou em ritmo mais acelerado, com alta de 32,8%. O Imposto sobre Causa Mortis e Doações de Quaisquer Bens e Direitos (ITCMD ou ITD, dependendo da sigla definida pelo Estado) foi o imposto estadual com maior aumento de receita no período, com alta de 41,5% acima da inflação, sempre entre os 12 meses até abril de 2023 contra igual período até abril de 2019.

O ICMS, cobrado sobre circulação de bens e serviços, principal tributo dos Estados, subiu 10,2% em termos reais. Os dados foram levantados pelo Valor dos relatórios fiscais entregues pelos Estados à Secretaria do Tesouro Nacional. Como arrecadação tributária própria foi considerada a receita com impostos, taxas e contribuição de melhoria.

Levantamento elaborado pela Febrafite, federação que reúne as associações de fiscais de tributos estaduais, e pelo escritório Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueiredo Lopes (SBSA) Advogados mostra grande diversidade na tributação sobre doações e heranças no país. Isso acontece porque cada Estado pode regular as alíquotas do ITCMD. O levantamento também mostra que em vários locais há espaço para aumento do tributo.

O ITCMD, conforme resolução do Senado que vigora hoje, pode ser progressivo, com definição de alíquotas que aumentam conforme o valor da doação ou da herança. O teto da alíquota é de 8%.

Apenas 11 dos 27 entes – Acre, Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins -, porém, chegam a 8% na cobrança progressiva sobre heranças. Nas doações, são dez – todos os que cobram até 8% sobre heranças, exceto Bahia – entes que cobram ITCMD até a alíquota máxima.

Em uma análise sobre o imposto e os impactos da reforma tributária, Aline Souza e Eduardo Szazi, sócios da SBSA Advogados, dizem ainda segundo Marta Watanabe e Rodrigo Carro, do Valor, que uma das razões para a baixa tributação sobre a transferência patrimonial no Brasil é o seu “custo político”, na medida em que ela é facilmente percebida pelos contribuintes. “A tributação de heranças e doações seria, no entanto, uma forma eficiente de atender a critérios clássicos de justiça tributária”, defendem os advogados.

“Esses tributos fazem parte da tributação direta, cujo pagamento é mais visível e que o contribuinte relaciona mais com quem cobra. Diferentemente de um imposto indireto [como ICMS], que o contribuinte nem sabe o quanto está pagando”, comenta Rodrigo Spada, presidente da Febrafite. Ele lembra também que os Estados tendem a olhar mais os tributos com maior representatividade na arrecadação.

Diante da dificuldade de se arrancar alguma coisa a mais do tributo mais importante, começa-se a olhar para outras possibilidades”
— Rodrigo Spada

De acordo com os relatórios fiscais, o ICMS corresponde atualmente a 77% da receita tributária própria do agregado dos Estados. O IPVA equivale a 8,7% e o ITCMD, a 1,6%. A participação do imposto sobre doações e heranças varia conforme o ente. Nos 12 meses até abril representou entre 0,2% a 3,3% da receita tributária própria do Estado.

“Só que diante da dificuldade de se arrancar alguma coisa a mais do tributo mais importante, começa-se a olhar para outras possibilidades”, diz Spada. Ele lembra que, além de ter sido alvo de reduções de alíquotas com medidas impostas aos Estados em 2022, o ICMS também está “saturado” e sofre corrosão de base.

Na crise após 2014, lembra Spada, os Estados passaram a buscar alternativas para elevar a tributação e a partir daí alguns governos começaram a elevar alíquotas. Também há uma troca cada vez maior de informações com outras bases de dados, como da Receita Federal, para detectar recolhimentos menores que o devido no ITCMD, destaca. Hoje, diz, os Estados já estão de olho em planejamentos tributários com o imposto. Entre eles, Spada cita o planejamento sucessório com holding, com a “pejotização do patrimônio”. “Para detectar isso usam-se fontes de dados como os da Junta Comercial e outros cadastros de empresas.”

Aline destaca uma mudança no ITCMD no texto da reforma tributária aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados, com impacto “relevante” para Estados e contribuintes. Trata-se da cobrança do imposto sobre heranças e doações do exterior.

O texto atual da Constituição Federal prevê que uma lei complementar irá regular o assunto e não indica nenhum parâmetro, explica Aline. “Passados mais de 30 anos de inércia do Congresso Nacional, a maior parte dos entes federados passou a regular localmente a cobrança de doações e heranças vindas do exterior.” O tema passou a ser objeto de grandes disputas jurídicas e foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Em julgamento com repercussão geral, diz, o STF decidiu que os Estados não podem cobrar o imposto sobre heranças e doações estrangeiras até que seja criada a lei complementar.

O texto da reforma tributária aprovado no plenário da Câmara dos Deputados muda esse cenário, aponta, porque cria uma regra nova pela qual estabelece competência para os Estados tributarem doações e heranças do exterior enquanto não houver a lei complementar. Os Estados, portanto, diz ela, pelo texto, passarão a ter possibilidades de cobrar o ITCMD nessas situações, ao contrário do que acontece atualmente.

Questionadas sobre os impactos das mudanças no imposto sobre heranças e doações do exterior, a Fazenda do Rio de Janeiro e a de São Paulo preferiram não comentar o assunto enquanto a reforma não estiver concluída.

O Rio é um dos poucos a cobrar a alíquota máxima do ITD, como é chamado o imposto no Estado. Segundo a Fazenda fluminense informa em nota, a elevação da alíquota se deu em 2017 como parte do acordo com o governo federal para que o Estado ingressasse no Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Em 2007, informa a Fazenda, foi criada uma Auditoria Fiscal Especializada, com objetivo de desburocratizar processos no pagamento do ITD. De janeiro a maio o imposto representou 2,2% da arrecadação tributária fluminense, segundo a nota.

Em São Paulo foi criado também, ao fim do ano passado, um órgão específico – Unidade Gestora Centralizada – para o ITCMD. O órgão tem sido chamado pelos contribuintes como “delegacia do ITCMD” e tem, entre outras atribuições, reforçar a fiscalização do imposto, informa nota da Fazenda paulista.

Segundo dados dos relatórios fiscais, o ITCMD somou arrecadação de R$ 4,25 bilhões no Estado em 12 meses até abril deste ano, com alta real de 11,3% em relação a igual período até abril de 2019. A Fazenda paulista diz que há tendência de crescimento nesse período, mas destaca que a arrecadação do tributo é oscilante porque depende de falecimentos e doações.

Ainda no texto da reforma tributária, Aline aponta outra novidade sobre ITCMD que considera um avanço. Pela proposta aprovada, ressalta, não irá mais ser cobrado ITCMD sobre as transmissões e doações para as instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social. As condições, diz, serão estabelecidas em lei complementar.

“É uma vitória para resolver a discrepância de tributar filantropia. A filantropia brasileira tem potencial para crescer muito mais, mas enfrenta atualmente, como obstáculo, o sistema tributário brasileiro.”

O texto da reforma, lembra Spada, também traz mudanças em relação ao IPVA, ao estender a cobrança do imposto a aeronaves e embarcações. “A crítica que se faz a isso é que, apesar de ampliar a tributação, há na proposta muitas exceções, como para embarcações de pessoa física ou de empresas que pratiquem pesca industrial, por exemplo.” Para ele, o melhor caminho nesse caso seria estabelecer a ampliação de tributação e deixar que cada Estado regule as exceções, conforme as características de suas regiões.

O ponto positivo em relação ao IPVA, aponta Aline, é que o imposto entrou entre as previsões do texto da reforma que fazem conexão entre tributação e meio ambiente. No IPVA, a proposta traz a possibilidade de alíquota diferenciada em função do impacto ambiental.

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