Sem uma base de apoio consistente no Legislativo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) é o governador de São Paulo que menos enviou projetos segundo reportagem de Lilian Venturini e Cristiane Agostine, do jornal Valor, para a Assembleia Legislativa paulista nos primeiros oito meses de mandato.
Tarcísio tem enfrentado resistência de deputados de partidos aliados para aprovar até mesmo propostas consideradas como simples pela gestão. Sob o risco de derrota, o governador evitou apresentar projetos que devem causar polêmica na Assembleia, como o remanejamento de verbas da Educação para a Saúde.
Levantamento feito pelo Valor com base em dados do site da Assembleia mostra que Tarcísio enviou 14 proposições ao Legislativo até 31 de agosto. É o menor número entre os sete mandatos anteriores, desde 1995, quando o PSDB assume o Palácio dos Bandeirantes pela primeira vez, com Mário Covas. Os tucanos revezaram-se no comando do Estado até a eleição de Tarcísio.
É metade do número de projetos apresentados pelo ex-governador e atual vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB, ex-PSDB), quem mais encaminhou matérias até agosto do primeiro ano de mandato. Em 2011, sua terceira gestão, o então tucano encaminhou 28 proposições. Os deputados aprovaram 27 – 15 dentro dos primeiros oito meses. Alckmin também supera Tarcísio em seus outros dois mandatos, iniciados em 2003 (19 propostas) e 2015 (16).
Foram considerados projetos de lei, projetos de lei complementar e propostas de emenda à Constituição (PEC) enviados no primeiro ano do mandato até 31 de agosto, e que têm o governador como autor.
Covas apresentou 27 projetos no começo de seus dois mandatos, em 1995 e em 1999. José Serra protocolou 19 entre janeiro e agosto de 2007. Antecessor de Tarcísio, João Doria viu serem aprovadas 7 das 15 proposições protocoladas no mesmo período, em 2019.
No governo Tarcísio, das 14 propostas apresentadas, a Assembleia aprovou 8. Entre elas estão projetos que dificilmente seriam barrados pelos deputados, como o aumento do valor do salário mínimo paulista, o reajuste salarial dos policiais e dos demais servidores.
O projeto para reajustar o salário de policiais, por exemplo, teve aprovação unânime, mas a tramitação expôs a fragilidade da relação entre o governo e o Legislativo. O aumento era uma promessa de campanha de Tarcísio, mas a primeira versão do projeto desagradou até a ala bolsonarista. Para evitar uma derrota, Tarcísio teve de diminuir o desconto em folha para inativos e pensionistas, ponto de discórdia com sua base.
A fratura na base aliada ficou clara também na discussão de propostas como a autorização de empréstimo para viabilizar o trem intercidades e de reajuste de taxas judiciais. A votação das propostas foi adiada e as medidas só foram aprovadas após muita negociação.
A lista de projetos à espera de votação tem pautas simbólicas para o governo, como a que formaliza a adesão do Estado ao Consórcio de Integração dos Estados do Sul e Sudeste. O Cosud reúne governadores de oposição ao governo Lula, entre os quais Romeu Zema (Minas) e Jorginho Mello (Santa Catarina).
O governo começou há pouco e todos os projetos importantes foram aprovados”
— Jorge Wilson
O número de proposições enviadas por Tarcísio só não é inferior ao daqueles que assumiram o governo na reta final de um mandato, como Márcio França (PSB), que também apresentou 14, e Rodrigo Garcia (PSDB), com 8 projetos. Ambos eram vice-governadores e comandaram o Estado após os ex-tucanos Alckmin e Doria, respectivamente, deixarem o cargo por razões eleitorais.
Na categoria de vices, Cláudio Lembo lidera com folga e em números absolutos ultrapassa até Alckmin, de quem aliás foi vice. Foram 61 proposições entregues à Assembleia entre março e novembro de 2006.
A articulação política de Tarcísio tem sido questionada por deputados da base aliada, inclusive os bolsonaristas, que consideram “fraco” o líder do governo, Jorge Wilson (Republicanos), conhecido como o Xerife do Consumidor, e avaliam que o presidente da Assembleia, André do Prado (PL), não tem conseguido negociar apoio para o governador.
Parlamentares do União Brasil, MDB e da federação PSDB-Cidadania reclamam também da falta de liberação de emendas e de cargos no governo para os aliados, e destacam as divergências políticas dentro do governo, entre os secretários Gilberto Kassab (Governo) e Arthur Lima (Casa Civil).
Neste 2º semestre, Tarcísio deve enviar pautas que exigirão um amplo debate na Assembleia, como a reforma administrativa, que poderá cortar até 10 mil cargos no governo, e a mudança do percentual obrigatório para investimentos em educação e saúde. Esse remanejamento de verbas da educação para a saúde terá de ser feito por PEC, que requer maioria qualificada, com três quintos dos deputados em duas votações – 57 dos 94 deputados.
O líder do governo na Assembleia nega dificuldades para aprovar propostas e diz que a base de sustentação de Tarcísio tem hoje “pelo menos 60 deputados”.
O resultado de votações recentes, porém, mostra um placar mais apertado. Um exemplo é o projeto de lei do Tribunal de Justiça que aumenta as taxas judiciárias, cuja votação teve que ser adiada por falta de apoio. O texto foi aprovado na terça-feira (5) por 51 votos a favor e 28 contrários. Para aprovar projetos de lei na Assembleia é preciso ter apoio da maioria simples dos 94 deputados.
“O governo começou há pouco e todos os projetos importantes foram aprovados”, diz Xerife do Consumidor. “Não existe nenhum temor por parte do governo para enviar projetos”, afirma. “Tarcísio tem relação muito boa com o parlamento, diferente de governos passados.”
No início do mês, no dia 4, Tarcísio reuniu cerca de 50 deputados no Palácio dos Bandeirantes para tentar melhorar o diálogo e pedir apoio para seu indicado para uma vaga no Tribunal de Contas do Estado, o deputado federal Marco Bertaiolli (PSD). O aceno rendeu um respiro ao governador, e a maioria dos deputados (62) apoiou a indicação de Bertaiolli. Mas as cobranças dentro da Assembleia e a insatisfação com a falta de recursos e de mais espaço no governo, em cargos do segundo e terceiro escalão continuam.
O governo estadual afirma, em nota, que “mantém diálogo permanente com deputados estaduais” e “trabalha em conjunto” com a Assembleia. “O governador Tarcísio de Freitas recebe e dialoga continuamente com parlamentares no Palácio dos Bandeirantes, e o mesmo ocorre com demais secretários”, diz.
A gestão afirma ainda que as demandas legislativas são “avaliadas e atendidas mediante aprovação técnica e capacidade de execução orçamentária”. “Os partidos da base de apoio ao governo participam da gestão desde o início, com indicações que são acolhidas desde que contemplem a capacidade técnica necessária para o cargo.”
Segundo o governo, ainda não há data para o envio da PEC que prevê a revisão dos recursos destinados a saúde e educação. Em relação à reforma administrativa, o governo diz que a proposta está em fase final de elaboração e será enviada à Assembleia “tão logo seja finalizada”.