Ao unificar as secretarias de Infraestrutura e Meio Ambiente e Logística e Transportes, a gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) pretende acelerar o processo de licenciamento ambiental no estado de São Paulo para obras de infraestrutura, sobretudo de rodovias, estradas vicinais e linhas férreas.
Especialistas da área ambiental demonstram, porém, preocupação com a fusão e temem que a pauta de meio ambiente fique em segundo plano no novo governo.
Nas administrações tucanas, a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), vinculada à pasta de Infraestrutura e Meio Ambiente, foi a responsável pelo licenciamento das obras. Os técnicos da companhia, depois de analisar a viabilidade ambiental das propostas, decidiam pelo deferimento ou não do projeto.
Esse processo, na avaliação da equipe de Tarcísio, tende a ser lento graças às etapas conduzidas pela Cetesb.
Primeiro, a companhia emite a licença prévia (LP), que define as exigências e condicionantes para as próximas fases do licenciamento. Cumpridas essas exigências, a Cetesb dá então a licença de instalação (LI), documento no qual autoriza o começo das obras.
Por último, com as obras concluídas, a Cetesb avalia o cumprimento de todas as condicionantes exigidas no licenciamento e entrega a licença de operação (LO).
De acordo com resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), cada órgão poderá estabelecer os prazos de análises dessas etapas, desde não ultrapasse seis meses ou, se houver a necessidade de audiência pública e a apresentação do EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental), até 12 meses.
Em 2022, a Cetesb concentrou 36 solicitações de licenças prévia e de instalação para obras de transporte.
A assessoria de imprensa da companhia também afirma que, especificamente em relação às obras associadas ao transporte, no período de 2019 a 2022 foram emitidas 90 licenças, sendo 57 obras rodoviárias e 33 obras ferroviárias e metropolitanos.
Dentre as obras licenciadas, estão o trecho de serra da rodovia dos Tamoios, duplicação da Raposo Tavares e da SP-333, o VLT (veículo leve sob trilhos) na Baixada Santista e prolongamentos das linhas lilás e prata do metrô.
Na corrida para chegar ao Palácio dos Bandeirantes, o carioca Tarcísio, ministro de Infraestrutura no governo de Jair Bolsonaro (PL), tentou se vender como um gestor técnico e entregador de obras, evocando em sua campanha a alcunha de “Tarcisão do Asfalto”.
A nova fusão de pastas tem causado desagrado até mesmo internamente, na já fundida secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente, segundo a Folha apurou. Além disso, a futura secretária Natália Resende Andrade Ávila, que lidará com a área ambiental do estado, é desconhecida entre pessoas especializadas no tema.
“Ela [Natália] me ajudou na estruturação de mais de uma centena de leilões de infraestrutura”, disse Freitas ao anunciar o nome da nova secretária.
Natália é procuradora-federal da AGU (Advocacia-Geral da União) e foi consultora jurídica no Ministério da Infraestrutura —daí a proximidade com o governador eleito.
Em nota à Folha, a assessoria de imprensa de Tarcísio disse que a “Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística terá como um de seus objetivos a provisão da infraestrutura aliada à preservação e à sustentabilidade, a exemplo de como já foi trabalhada na gestão do governador eleito à frente do Ministério da Infraestrutura”.
A fusão anterior da pasta do Meio Ambiente em São Paulo ocorreu no início da administração de João Doria, quando houve junção com a de Infraestrutura. À frente dela, ficou Marcos Penido —que em 2022 passou a ser Secretário de Estado—, com um histórico de atuação na CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano).
Assim como acontece agora, a primeira fusão foi alvo de críticas. Na época, Penido afirmou que a integração das secretarias poderia agilizar licenciamentos, mas que a área ambiental sairia fortalecida.
Segundo Carlos Bocuhy, presidente do Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental), a área ambiental perde força na supersecretaria de Tarcísio —uma opinião compartilhada por diversas pessoas do setor ouvidas pela reportagem.
“É um dumping para a área ambiental. Isso vai custar muito caro para a população do estado do futuro”, afirma Bocuhy. “Essa superpasta demonstra uma lacuna enorme, ela tem um caráter amadorístico. A questão está sendo diluída, ao contrário da necessidade contemporânea.”
O presidente do Proam classifica como “pá de cal” o modelo que o governador eleito pretende implantar em São Paulo.
Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, relembra que, desde a fusão feita por Doria, a entidade já apontava o enfraquecimento da agenda ambiental no estado.
“O Conselho Estadual de Recursos Hídricos, que funcionava no Palácio dos Bandeirantes, o que dava um peso político importante para essa agenda, foi transferido para a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente. Isso veio numa espécie de desprestígio para essa agenda”, diz Ribeiro. “Não representou um desmonte, como ocorreu no governo federal, mas foi uma perda de status.”
Em novembro, a SOS Mata Atlântica publicou nota na qual afirma que o estado de São Paulo foi pioneiro na criação de uma secretaria ambiental e que “precisa restabelecer a importância” como uma “pasta estratégica”. Na visão de Ribeiro, há falta de visão do governo eleito sobre a área ambiental e sobre o risco climático no estado.
Em novembro, já anunciada para o cargo, Natália Resende encontrou Jennifer Morgan, enviada especial do clima da Alemanha, durante visita à capital paulista.
Em entrevista, Morgan disse ter ouvido da futura secretaria a disposição para continuidade de parcerias entre o estado e a Alemanha, além de preocupações sobre adaptação climática, o impacto da mudança climática na infraestrutura e também questões sobre transporte e qualidade do ar.
O setor de transportes é responsável pela maior fatia de emissões de São Paulo, o quarto estado que mais emite no país —o desmatamento e a agropecuária são as principais fontes de gases-estufa no Brasil, levando Pará e Mato Grosso às primeiras colocações do ranking de emissões mais recente.
“Não é a praia dele [Tarcísio de Freitas]. Ele veio de um governo antiambiental, é até natural que ele não tenha uma visão estratégica do tema no mundo hoje. Mas é preciso que ele dialogue com quem é de São Paulo, com as nossas universidades, com as nossas ONGs”, diz a diretora da SOS Mata Atlântica.