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domingo 7 de agosto de 2022 às 17:06h

Taiwan é centro de disputa tecnológica entre China e EUA

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A visita da presidente da Câmara dos Deputados norte-americana, Nancy Pelosi, à Taiwan reacendeu a guerra comercial entre China e Estados Unidos. Isso porque o território, que quer maior autonomia em relação aos chineses, é também estratégico para o desenvolvimento tecnológico das duas potências.

A ilha tem 23 milhões de habitantes e lidera o mercado global de semicondutores. Cerca de 54% dos chips produzidos no 1º semestre de 2022 foram feitos pela empresa taiwanesa TSMC (Taiwan Semiconductor Manufacturing Company). A disputa por esse mercado é importante para China e EUA e ficou ainda mais tensa depois da viagem da congressista.

Pequim reconhece a ilha como parte de seu território e afirmou ser contra a viagem de Pelosi. Um dia depois do desembarque da representante norte-americana, o governo chinês impôs sanções a Taiwan e interrompeu a importação de produtos agrícolas, de pesca e frutas cítricas, mas não colocou qualquer restrição à entrada de chips.

Executivos das empresas taiwanesas Speedtech Energy (energia solar), Hyweb Technology (de tecnologia), Skyla (de equipamentos médicos) e SkyEyes (de gerenciamento de frota de veículos de cadeia fria) foram proibidos de entrar na China Continental.

Além disso, o país decidiu interromper a exportação de areia natural para Taiwan. O governo disse que, se necessário, novas medidas serão adotadas, mas, até o momento,

O Poder360 conversou com 2 especialistas do mercado de semicondutores:

  • Luiz Carlos Kretly, professor colaborador de Engenharia Elétrica da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas);
  • Helton Ricardo Ouriques, professor de Ciências Econômicas da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

Kretly explicou que há 2 tipos de empresas no mercado: fabless ou design house e foundries ou factories.

As fabless ou design house são empresas que desenham os circuitos específicos para os semicondutores. Já as foundries ou factories produzem as tecnologias que estão nestes projetos.

A maior fabricante de chips (foundry) é a TSMC. Dessa forma, os setores da economia que precisam dos semicondutores para produzir dependem de Taiwan.

Taiwan é centro de disputa tecnológica entre China e EUA

© Fornecido por Poder360Taiwan é centro de disputa tecnológica entre China e EUA

O que são semicondutores

Kretly explicou que os chips são feitos de silício extraído da areia. A matéria-prima passa por um processo de purificação que resulta em lâminas com aspecto similar a vidro, mas não são transparentes.

Essas lâminas se chamam wafer e passam por uma longa cadeia de processos em que a estrutura dos chips é construída de acordo com o design definido pelas fabless.

O professor de Engenharia Elétrica explicou que os semicondutores estão presentes no cotidiano das pessoas. “É difícil pensar hoje qualquer tipo de aplicação até militar que não tenha dependência de semicondutores”, disse Kretly.

Por exemplo, os GPS presentes em máquinas agrícolas funcionam por meio dos semicondutores. Carros também precisam da tecnologia para serem produzidos, como também eletrônicos, eletrodomésticos e smartphones.

“Todo o comando do avião, toda a segurança do avião é baseada em chips”, exemplificou o professor.

O relatório de 2021 da SIA (Semiconductor Industry Association) sobre o mercado mostrou que, em 2020, a indústria de computadores comprou US$ 142 bilhões em semicondutores. As empresas de smartphones gastaram US$ 137,6 bilhões na aquisição dos chips. Já o setor automotivo consumiu US$ 50,1 bilhões com a tecnologia.

A projeção para 2022 é que o mercado de semicondutores movimente US$ 613 bilhões.

Taiwan é centro de disputa tecnológica entre China e EUA

© Fornecido por Poder360Taiwan é centro de disputa tecnológica entre China e EUA

Segundo Kretly, o mercado passa por uma revolução tecnológica de “miniaturização” dos semicondutores: o objetivo é reduzir os gastos com energia para produzi-lo e aumentar a velocidade de processamento dos chips.

Há diversos tamanhos de semicondutores. Os de 3 nanômetros são os menores e com maior complexidade tecnológica disponíveis hoje. Somente 3 empresas possuem tecnologia para produzi-los: TSMC, Intel e Samsung.

A TSCM anunciou que começará a produzir em massa chips de 2 nanômetros a partir de 2025. A tecnologia possui uma potência maior do que os disponíveis no mercado.

De acordo com Helton Ouriques, a China montou uma estratégia para reduzir a dependência da TSMC. Porém, o país está “2 gerações atrasado” na tecnologia em comparação com Taiwan.

Os Estados Unidos também têm um projeto para expandir a sua produção de semicondutores. O Congresso aprovou em 28 de julho o “CHIPS Act” que prevê subsídio de US$ 52 bilhões para incentivar fabricantes de chips a construírem fábricas no país. A proposta foi enviada ao presidente norte-americano Joe Biden para ser sancionada.

“Nos EUA, não há muitas ‘foundries’ que produzem chips para outras empresa. Isso é feito em Taiwan principalmente, no Japão, na Coreia do Sul”, disse Kretly. O professor de Engenharia Elétrica afirmou que a Intel é a 3ª maior produtora mundial, mas fabrica os componentes para produção própria.

A disputa por Taiwan

A China e os Estados Unidos têm um longo histórico de “guerra comercial”, explicou ao Poder360 o professor de Relações Internacionais da UFU (Universidade Federal Uberlândia) Filipe Almeida.

No entanto, a disputa não se restringe ao mercado. Trata-se também de uma competição por influência, armamento, poder bélico e maior espaço no sistema internacional.

Já a China e Taiwan têm uma relação complexa. A ilha é governada de forma independente desde 1949, mas Pequim a considera parte de seu território e uma província dissidente. Desde 1971 o território é reconhecido pela Assembleia Geral da ONU como parte da China.

Oficialmente, os Estados Unidos também reconhecem a soberania da China sobre Taiwan desde 1972. O então presidente Richard Nixon retomou as relações diplomáticas com os chineses depois de 23 anos da Revolução Chinesa que levou o Partido Comunista ao poder.

A visita de Nancy Pelosi foi a 1ª de um integrante de alto escalão do governo dos EUA em 25 anos.

A China considera Taiwan como parte de seu território e tem política de ‘tolerância zero’ com esse tipo de articulação interna. A questão [da Ilha] não está em discussão para os chineses”, explica.

Biden afirmou que os EUA concordam “com a política de uma só China”, mas que a ideia de que Taiwan poder ser “tomada por força, não é apropriada”.

Ouriques também avaliou que desenvolver a economia taiwanesa faz parte da estratégia norte-americana devido à produção de chips.

Para o professor de Engenharia Elétrica, Taiwan tornou-se “uma arena de disputa tecnológica”. Ouriques também acredita que a produção de semicondutores envolve “questões geopolíticas e econômicas”.

“São tecnologias aplicáveis no meio civil e militar. Se você controla os chips, você tem condições de desenvolver produtos cada vez mais avançados para a indústria bélica. Isso, do ponto de vista dos EUA, é absolutamente estratégico. Controlar a produção de [semicondutores] é estar na vanguarda da indústria bélica. É interesse dos EUA barrar o acesso da China”, disse o professor de Ciências Econômicas.

Desdobramentos

Filipe Almeida disse que a reação da China é algo que está sob controle. Biden e o presidente chinês, Xi Jinping, conversaram por telefone antes da visita de Pelosi.

Segundo o professor, é possível que tenha havido uma negociação em relação aos exercícios militares. John Kirby, porta-voz do Pentágono, chegou a dizer que a reação do governo chinês estava “dentro do esperado”.

Também destacou que a visita foi movimento isolado que não teve o aval da Casa Branca. “É importante que isso fique muito claro: quem precipitou a crise nesse caso foi Pelosi, não a China”, afirmou.

A anexação de Taiwan é uma possibilidade para o professor: “A visita da Nancy Pelosi talvez precipite alguma ação mais definitiva para resolver de uma vez por todas a questão da [ilha]”, disse.

Almeida disse também que um cenário em que Taiwan é anexada resultaria em sanções contra a China.

No entanto, do ponto de vista econômico, estas teriam um efeito reverso devido à importância da China no mercado norte-americano e do restante do mundo.

Não haveria muitos instrumentos efetivos que poderiam reverter essa decisão da China neste cenário hipotético. Mas não sabemos se isso está na agenda chinesa. Pode ser que entre agora depois da visita de Pelosi”, explicou.

Esta reportagem foi produzida pelas estagiárias em Jornalismo Júlia Mano e Luísa Guimarães sob a supervisão do editor-assistente Lorenzo Santiago.

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