T5E, 5TF, Lul4, B0ls0n4r0. O uso de números no lugar de letras não é novo na internet, mas, diante do uso cada vez mais constante para amplificar a desinformação e burlar a fiscalização nas redes sociais, ganhou segundo Juliana Arreguy, do UOL, novo nome: algospeak (que significa, em inglês, a junção das palavras algoritmo e fala).
Ao UOL, um membro do Cyber Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do MP-SP (Ministério Público de São Paulo) explicou que a prática é frequente em ambientes digitais e que foi incorporada do uso de gírias por criminosos.
“Se você fizer uma interceptação telefônica de uma quadrilha que trafica drogas, você não vai ouvir ‘olá, tudo bem, eu quero comprar um quilo de cocaína’. Vai ouvir ‘eu quero uma preta, uma branca’. Nesse universo, é comum a prática de apelidos ou de mudar as grafias para evitar que a comunicação seja compreendida por gente de fora”, disse.
No caso dos quatro termos mencionados no primeiro parágrafo da reportagem, T5E é referente ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), 5TF ao STF (Supremo Tribunal Federal) e Lul4 e B0ls0n4ro aos respectivos presidenciáveis Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL).
Nova linguagem? Além da troca de letras por números, é recorrente o uso de emojis e imagens no lugar de uma palavra ou mesmo a criação de novos termos.
“Grandes expoentes da candidatura do Bolsonaro tratam o Lula não por Lula, mas sim por descondenado”, exemplifica Sergio Ludtke, editor do Projeto Comprova, iniciativa colaborativa de combate às fake news integrado por mais de 40 veículos — entre eles o UOL.
Uma reportagem do jornal The Washington Post destaca que as adaptações —que visam escapar da moderação de conteúdos na internet— vêm sendo caracterizadas como uma mudança “em tempo real” da linguagem nas plataformas digitais.
Ludtke afirma que, apesar das tentativas, a grande viralização dos conteúdos os coloca naturalmente no radar das agências de checagem e até de algumas autoridades.
“A partir do momento em que encontramos termos novos e vemos essa tentativa, incorporamos eles às buscas”, diz.
Moderação nem sempre percebe artifício. A moderação das redes sociais, fóruns e portais na internet combina o uso de robôs com a moderação de pessoas. Determinados termos considerados nocivos são pré-cadastrados em sistemas que os identificam e já eliminam as postagens que fizerem seu uso.
No entanto, mesmo que determinadas palavras não sejam detectadas pela peneira automatizada, isso não significa que um ser humano enxergará perigo ali.
“Há muitos analistas humanos que não são do país de origem das ofensas. Então, termos nocivos podem escapar da revisão humana porque são pessoas sem contato com o território nacional e o contexto político e cultural”, explica Emanuella Halfeld, gerente de projetos da Safernet.
Halfeld defende uma política de transparência sobre os critérios de moderação das grandes empresas de tecnologia, em especial redes sociais de amplo alcance. À reportagem, ela observou que mesmo que todos os moderadores de uma rede sejam brasileiros, é possível que diferenças regionais interfiram na análise das postagens.
“Às vezes, de Minas Gerais, você modera um conteúdo de Goiás sem dominar a linguística e as gírias da região”, observa.
Quem publica conteúdos assim? Nem sempre as postagens são feitas com o intuito de propagar desinformação. Halfeld explica que a alteração de termos é muito utilizada por minorias, principalmente em países de governo autoritário nos quais há forte perseguição.
Da mesma forma, grupos extremistas também se aproveitam de dialetos próprios em conversas de forma a burlar a fiscalização. Entre grupos supremacistas, é comum o uso de códigos que, embora possam passar despercebidos pelo público, fazem com que membros de movimentos e associações se identifiquem. A tática, que remete a termos, frases e até gestos, é conhecida pelo nome de “dog whistle” (em inglês, “apito de cachorro”).
Ciclo sem fim
Sergio Ludtke observa que, embora muitos dos termos não sejam novos, a popularidade deles nas redes é rotativa e varia de acordo com a agenda pública.
“Esses ataques são cíclicos, vêm e vão, dependem da circunstância do dia. A desinformação política é cíclica, vem em ondas e quem sopra é a agenda pública: são os acontecimentos, é uma lei, uma decisão de alguém, uma declaração”, afirma.
Um monitoramento no Crowdtangle aponta que, entre os dias 3 e 16 de julho, houve apenas 165 interações a postagens no Facebook com o uso do termo “T5E”.
Mas, em 18 de julho, Bolsonaro convocou embaixadores estrangeiros para uma reunião na qual mentiu a respeito do funcionamento das urnas eletrônicas, atacou o TSE e o STF e repetiu informações já desmentidas sobre fraude eleitoral.
Pouco depois, entre 17 e 30 de julho, as interações no Facebook sobre o termo chegavam a 20,9 mil.
Para Ludtke, apesar de os termos se tornarem cada vez mais conhecidos —e passíveis de fiscalização—, o recurso pode atrasar o trabalho de quem faz o monitoramento nas redes sociais.
“Todo o tempo para quem quer distribuir coisas rapidamente é útil. E depois você não recupera mais isso. É uma rede em que se distribui rapidamente, e o caminho de volta é praticamente impossível.”