O governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, preso nesta quinta-feira (29), não só fez parte do esquema de corrupção de Sérgio Cabral como também desenvolveu um mecanismo próprio de desvios quando seu antecessor deixou o poder, segundo afirmam autoridades da Lava Jato mobilizadas na Operação Boca de Lobo.
Segundo o MPF, há provas documentais do pagamento em espécie a Pezão de quase R$ 40 milhões, em valores de hoje, entre 2007 e 2015.
De acordo com o MPF, o valor é incompatível com o patrimônio declarado pelo emedebista à Receita Federal.
A Operação Boca de Lobo decorreu de colaboração premiada homologada no Supremo Tribunal Federal e de documentos apreendidos na residência de um dos investigados na Operação Calicute.
Em função disso, o ministro Felix Fischer autorizou buscas e apreensões em endereços ligados a 11 pessoas físicas e jurídicas, bem como o sequestro de bens dos envolvidos até o valor de R$ 39,1 milhões.
De acordo com as investigações que embasaram as medidas cautelares, o governador integra o núcleo político de uma organização criminosa que, ao longo dos últimos anos, cometeu vários crimes contra a Administração Pública, com destaque para a corrupção e lavagem de dinheiro.
Pezão é o primeiro governador do RJ preso durante o exercício do mandato. Outras seis pessoas foram presas nesta quinta-feira, dos nove mandados de prisão expedidos:
- José Iran Peixoto Júnior, secretário de Obras de Pezão;
- Affonso Henriques Monnerat Alves da Cruz, secretário de Governo de Pezão;
- Luiz Carlos Vidal Barroso, servidor da Casa Civil e Desenvolvimento Econômico;
- Marcelo Santos Amorim, sobrinho do governador;
- Cláudio Fernandes Vidal, sócio da JRO Pavimentação;
- César Augusto Craveiro de Amorim, sócio da High Control Luis.
Até as 14h, mandados de prisão contra outras duas pessoas ainda não haviam sido cumpridos: Luís Fernando Amorim e Luiz Alberto Goncalves.
As investigações apontam que era cobrada taxa média de 5% de contratos do estado para benefício próprio de Pezão e perpetução do esquema criminoso. Um dos “acordos” chegou a 8% do valor.
“Essa organização criminosa continua atuando especialmente em relação à lavagem de dinheiro”, explicou a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em Brasília.
Surpreso com prisão, pediu que aguardassem tomar café da manhã
De acordo com os agentes, o governador se surpreendeu com a chegada da Polícia Federal e achou que era para cumprir um mandado de busca e apreensão no local, e não de prisão. No entanto, Pezão reagiu bem e chamou os advogados imediatamente – mas pediu aos policiais federais que o aguardassem tomar café.
Com Pezão já detido na Superintendência da PF, na Praça Mauá, representantes da força-tarefa da Lava-Jato deram detalhes da Operação Boca de Lobo e destacaram a continuidade dos malfeitos. “Após a saída de Sérgio Cabral do governo, Pezão passou a comandar seu próprio esquema de corrupção”, afirmou o delegado Alexandre Camões Bessa, delegado da PF.
As empresas envolvidas destinavam 5% dos valores dos contratos para o esquema de corrupção comandado por Pezão, diz a PF. Um dos casos apontados pelo delegado foi o da Fetranspor.
De acordo com o delegado da PF Alexandre Camões Bezerra, Pezão era parte do esquema de corrupção de Sérgio Cabral. Uma vez estando no poder, o governador passou a ter seus próprios operadores e seguiu os atos de corrupção no comando do poder executivo do RJ.
“O dinheiro era recolhido entre empresas e prestadores e entregues a operadores”, destacou Bessa.
“Essa operação estava madura para ser deflagrada neste momento”, destacou o superintendente da PF no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi. Ele afirmou que as mais modernas técnicas de investigação foram usadas na ação desta quinta.
Batizada de Boca de Lobo, a operação é baseada na delação premiada de Carlos Miranda, operador financeiro de Sérgio Cabral. O ex-governador, de quem Pezão foi vice, também está preso.
Após prestar depoimento à PF, o governador ficará preso em uma sala especial em um batalhão da Polícia Militar em Niterói.
Vice Dornelles assume
O vice-governador Francisco Dornelles, de 83 anos, assumiu automaticamente o governo do estado do Rio de Janeiro após a prisão governador Luiz Fernando Pezão, na manhã desta quinta-feira (29), na Operação Boca de Lobo, em mais uma etapa da Lava Jato no Rio.
“É um violência contra Pezão. Foi uma surpresa. Em primeiro lugar, vamos dar prosseguimento a todas as ações do regime de recuperação fiscal. Já conversei por telefone com o presidente Michel Temer, garantindo isso. Vamos também continuar com os trabalhos de transição. Falei hoje o governador eleito e já dei essa garantia a ele. Vamos procurar ter o melhor relacionamento com os principais poderes. Já conversei também por telefone com o presidente da Alerj, André Ceciliano. Marcamos de conversar pessoalmente agora pela tarde”, disse o agora governador em exercício, em entrevista à GloboNews.
Por volta das 11h, Dornelles já estava no Palácio Guanabara, sede oficial do governo do RJ.
Citado em delações desde 2017
Depois de ver Sérgio Cabral ser preso em 2016, Pezão também sofreu denúncias de corrupção. Em abril de 2017, dois executivos da Odebrecht disseram, em delação premiada, que Pezão recebeu dinheiro da construtora em espécie e em contas no exterior, mas não revelaram os valores.
Pezão também é suspeito de ter recebido dinheiro do esquema de corrupção do Tribunal de Contas do Estado. O delator Jonas Lopes Neto, filho de Jonas Lopes de Carvalho, ex-presidente do TSE, disse que arrecadou R$ 900 mil para pagar despesas pessoais do governador.
De acordo com delator, o dinheiro veio de empresas de alimentação que tinham contrato com estado. O governador também é suspeito de receber propina da Fetranspor. Um funcionário do doleiro Álvaro José Novis afirmou em delação que pagou propina de R$ 4,8 milhões ao governador. Edimar Dantas contou aos procuradores que foram cinco pagamentos em 2014 e 2015.
O nome de Pezão também aparece nas delações de Carlos Miranda, apontado como operador do esquema de corrupção chefiado por Sérgio Cabral. O atual governador teria recebido mesada das fornecedoras do estado no valor de R$ 150 mil durante sete anos. Pezão negou todas as acusações.
Outro lado
O governo do Estado do Rio não comentou especificamente a prisão de Pezão. Emitiu nota informando que, “de acordo com o artigo 140 da Constituição estadual, a chefia do Poder Executivo passa a ser exercida, a partir desta quinta-feira (29/11), pelo vice-governador Francisco Dornelles”.
“O governador em exercício afirma que o Governo do Estado do Rio de Janeiro manterá todas as ações previstas no Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e dará prosseguimento aos trabalhos de transição de governo, reiterando o seu maior interesse na manutenção do bom relacionamento com os demais Poderes do Estado”, prossegue a nota.
Já o MDB comunicou que “acredita que os processos legais e as investigações restabelecerão a verdade”.