quinta-feira 20 de março de 2025
O ministro Luis Felipe Salomão, ao centro, participa de sessão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) — Foto: Sérgio Lima/STJ/Divulgação
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quinta-feira 20 de março de 2025 às 08:05h

Supremo Tribunal de Justiça não recebeu carros doados da empresa chinesa BYD

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Em vídeo que circula no Instagram, TikTok e Facebook, um homem alega que a fabricante de carros elétricos BYD teria presenteado o Superior Tribunal de Justiça (STJ) com veículos da marca. Ele sugere que esses presentes poderiam influenciar as decisões da Corte: “se você fosse advogado e tivesse que ‘ajuizar’ uma ação contra a BYD? Eu iria sentar no chão e começar a chorar porque você não deu um carro para eles”, disse. É falso.

Por meio do ​projeto de verificação de notícias​, usuários do Facebook solicitaram que esse material fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação da Lupa​:

A BYD, montadora chinesa de veículos elétricos, não presenteou o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) com automóveis da marca. Em 2024, houve um edital de chamamento público para aquisição dos carros, o que significa que outras empresas também puderam participar do processo. Além disso, os automóveis foram adquiridos sob comodato (Contrato STJ n. 02/2024), regime que se difere de presentes ou doações.

O chamamento público descreve, no tópico 4: Justificativa e fundamentação, que o edital foi aberto para viabilizar a renovação da frota oficial do STJ. Segundo o documento, a atual, composta por modelos Azera, da Hyundai (versão de 2017/2018) e Fusion, da Ford (versão de 2015/2016) com respectivamente seis e nove anos de uso,“não conta mais com garantia do fabricante e tem apresentado problemas recorrentes devido ao uso prolongado”, tornando “imperioso substituí-los para assegurar a segurança e confiabilidade no transporte das autoridades do Tribunal”.

O edital também aponta que o comodato é uma oportunidade para o STJ “conhecer esse produto [veículos elétricos] ainda pouco utilizado pela administração pública” e “demonstrar o compromisso do STJ com a sustentabilidade”, já que esses modelos “não produzem emissão direta de dióxido de carbono (CO2)”.

O contrato prevê o comodato de 20 veículos (modelo Seal), até 26 de novembro de 2026.

A empresa chinesa também firmou contratos de comodato com outros órgãos públicos. Na Presidência da República, o Contrato de Comodato nº 01/2024, incluindo seus 1º e 2º aditivos, prevê a cessão de dois veículos dos modelos TAN e Dolphin Plus até 23 de janeiro de 2026.

No Tribunal de Contas da União (TCU), o Termo de comodato nº 001/2024, termo aditivo 1°, concede o uso de nove carros modelo Seal até 31 de agosto de 2026.

Na Câmara dos Deputados, o Termo de Comodato nº 84/2024 prevê a concessão de um veículo modelo TAN até 19 de março de 2025.

Especialistas não veem irregularidades nos contratos

Para Renato Toledo, membro da Comissão Especial de Licitações e Contratos Administrativos da OAB/RJ, o comodato se diferencia de um presente porque os veículos são utilizados pelo poder público em atividades institucionais. “Presentes são cortesias sem vínculo com políticas públicas. O comodato atende às necessidades da gestão pública”, afirma.

Toledo também explica que no caso da BYD, o comodato pode ter sido uma forma da administração começar a testar o uso de veículos elétricos como política pública, analisando sua viabilidade e custos de manutenção.

Do ponto de vista do direito administrativo, ele destaca que o essencial é evitar favorecimento. “Essa oportunidade deve ser igualmente franqueada a outros fabricantes de veículos elétricos, caso tenham a mesma iniciativa”, pondera Toledo.

A advogada Maria Tereza Fonseca Dias, professora associada do Departamento de Direito Público da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), reforça que a Lei de Conflito de Interesses (Lei n.º 12.813, de 16 de maio de 2013) não se aplica automaticamente ao caso, pois há um contrato formal disciplinando o uso dos veículos. “A ilegalidade só existiria se houvesse benefício indevido para agentes públicos ou favorecimento irregular à empresa”, explica.

Segundo Dias, para apontar qualquer violação seria necessário comprovar que a empresa obteve vantagens indevidas, como a concessão de contratos futuros em troca do empréstimo dos veículos.“O que precisaria ser investigado é se, após o comodato, a administração adquiriu veículos da mesma empresa, o que poderia indicar um favorecimento”, explica.

No entanto, ela destaca que, até o momento, não há indícios de irregularidades. “Acho que ainda há poucos dados para chegar a uma conclusão dessa natureza, uma vez que o contrato comodato é um contrato lícito”, afirma a advogada.

Carros já foram cedidos gratuitamente a órgãos públicos antes

A concessão de veículos pelo regime de comodato não é inédita na administração pública. Outros órgãos, incluindo cortes judiciais, já firmaram contratos semelhantes com outras fabricantes de automóveis.

Em dezembro de 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, a Presidência da República fechou um acordo de comodato com a Fiat Chrysler para o empréstimo de oito veículos do modelo Compass 2018, da Jeep — marca vinculada à Stellantis, que administra também a Fiat, Citroën e outras marcas no Brasil.

No mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou um contrato de comodato para o uso de quatro veículos modelo Azera, da Hyundai, sem qualquer custo de aquisição.

Em 2022, o Governo de Minas Gerais também celebrou um contrato de comodato com a Fiat Chrysler, que forneceu 10 veículos (seis Compass 2018, três Cronos 2019 e um Jeep Cherokee 2020) gratuitamente ao estado.

Irregularidades na construção da fábrica da BYD no Brasil

Diversos vídeos compartilhados no TikTok e Instagram com críticas aos contratos de comodato da BYD com órgãos públicos, também citam acusações de que a empresa mantém funcionários em condições de trabalho análogo à escravidão. Isso porque, em dezembro de 2024, uma força-tarefa do Ministério Público do Trabalho (MPT) resgatou operários que trabalhavam na fábrica da BYD em Camaçari, na Bahia.

Segundo as investigações, 163 trabalhadores foram trazidos da China com vistos irregulares e submetidos a contratos com cláusulas abusivas, que violam as leis trabalhistas do Brasil. Relatos também apontam jornadas exaustivas e condições precárias de alojamento.

Dias após a denúncia, a BYD rescindiu o contrato com a construtora terceirizada, Jiang Construction Brazil, responsável pela contratação dos operários que atuavam na construção de uma nova fábrica na Bahia.

Em audiência realizada em 7 de janeiro de 2025, o MPT discutiu com a empresa e as três terceirizadas, responsáveis pelas obras da montadora no Brasil, o pagamento e o custeio para retorno dos trabalhadores resgatados à China. “Isso inclui a compra pela contratante das passagens e o custeio de até 120 dólares americanos como ajuda de custo para a viagem de volta às suas cidades de origem na China”, informa o MPT.

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