A guerra na Ucrânia trouxe desafios severos para todos os setores da economia. Mas para a agropecuária trouxe também oportunidades. Com as rupturas nas cadeias tradicionais, o Brasil pode conquistar novos mercados. Mas para isso, como disse recentemente ao Estadão o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, o País precisará de um “plano safra de guerra”.
Felizmente, de acordo com o jornal Estado de S. Paulo, o Brasil tem um histórico de sucesso em que se apoiar. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 1975 e 2020 a produtividade total dos fatores (PTF) – a relação entre o índice de produto total e o índice de insumos – cresceu 400% na agricultura. Nas últimas duas décadas, a PTF do setor no Brasil cresceu cerca de 3,2% ao ano, bem acima da média mundial de 1,7%.
Além dos ganhos diretos em lucros, empregos, renda e arrecadação, o aumento da produtividade na agricultura teve um impacto social. Ele permitiu a expansão da oferta em nível maior que o crescimento da demanda, reduzindo os preços dos alimentos. Entre 1978 e 2005, a queda nos preços da cesta básica foi de cerca de 75%.
Não se trata de uma dádiva. O crescimento está fundamentalmente baseado em tecnologia. Entre 1995 e 2017, para um crescimento de 100% no valor bruto da produção, a participação da tecnologia subiu de 50% para pouco mais de 60%, enquanto a participação do fator trabalho caiu de 31% para 20% e o fator terra ficou estável em 20%.
As reformas no sistema de pesquisa, que viabilizaram novos modelos de produção, como o plantio direto, os sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta ou o uso de transgênicos, foram acompanhadas de mecanismos modernos de financiamento da produção, como políticas de crédito, de seguro, de preços e o corte dos subsídios. Tudo isso foi impulsionado pela criação de adidos agrícolas que viabilizaram maior abertura e comunicação com novos mercados.
O contraste com a indústria é chocante. A trajetória espetacular da agropecuária nas últimas décadas é quase um negativo da trajetória deprimente da indústria.
Ao aproveitar essa combinação de pesquisa e financiamento, os agropecuaristas brasileiros fizeram do agro não só um modelo de produtividade, mas de sustentabilidade. Desde 1990, a produção cresceu quase quatro vezes mais que a área plantada. Segundo o Ipea, nos últimos 15 anos o agro alcançou a marca de 113% na meta de mitigação de carbono e de 290% na de recuperação de pastagens.
Além dos alimentos, a transição energética gera oportunidades para fontes renováveis, como etanol de cana ou de milho e biodiesel de soja ou de sebo bovino. Roberto Rodrigues estima ser possível saltar dos atuais 270 milhões de toneladas de grãos para mais de 300 milhões, sem aumentos substantivos na área plantada. Mas isso exigirá esforços e adaptações.
Há problemas estruturais crônicos, como a ineficiência no escoamento da produção. O crescimento da produção no Cerrado, em parte na direção Centro-Oeste e de áreas da Região Norte-Nordeste, não foi acompanhado de melhorias na infraestrutura logística.
Do ponto de vista conjuntural, já na pandemia a busca de muitos países por garantir estoques aumentou a demanda e os preços dos produtos, mas também dos insumos, exigindo mais crédito. Porém, com as dificuldades econômicas do País, a oferta está limitada.
Há pouco a se esperar de um governo irredutivelmente disfuncional e, agora, obcecado com as eleições. “A saída é se unir às tradings, aos bancos privados, às cooperativas, às associações de classe”, disse Rodrigues. Além disso, não adianta o Brasil ser um grande exportador, se os produtores ficarem descapitalizados, comprometendo a produção futura. “Tem de ter um programa articulado, com preço de garantia, com seguro funcionando.”
Não se pode poupar esforços. Eles trarão não só ganhos econômicos para o Brasil, mas sociais para o mundo. Segundo a Embrapa, o agro brasileiro já alimenta 800 milhões de pessoas no mundo. Em menos de dez anos, estima Rodrigues, o Brasil pode alimentar 1 bilhão de pessoas, “sendo um país que vai defender a segurança alimentar e, portanto, a paz, porque não haverá paz enquanto houver fome”.