O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, recuou de acordo com a Folha de S. Paulo de posição que havia tomado anteriormente e dará andamento a um recurso em que o deputado federal Arthur Lira (PP-AL), candidato à presidência da Câmara, tenta liberar bens que foram bloqueados em ação da Lava Jato.
Há quatro anos, Lira e seu pai, Benedito de Lira (PP), ex-senador e prefeito eleito de Barra de São Miguel (AL), tiveram bens bloqueados no valor de até R$ 10,4 milhões.
Ao analisar o pedido, em setembro, Martins entendeu que não caberia ao tribunal revisar a decisão proferida pela Justiça Federal no Paraná.
Passado pouco mais de um mês, a partir de nova contestação dos dois políticos alagoanos nos mesmos autos, o presidente do STJ acolheu o pedido para que a matéria seja analisada regularmente na corte.
Em seu terceiro mandato como deputado federal, Lira lançou na quarta-feira (10) sua candidatura à presidência da Câmara. Ele tem o apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na disputa que ocorrerá em fevereiro.
O parlamentar responde a acusações em diferentes instâncias da Justiça, parte delas fruto da Lava Jato.
Foi a partir de apurações da Lava Jato que a AGU (Advocacia-Geral da União) pediu o bloqueio de bens no montante de até R$ 10,4 milhões contra Lira e o pai, com o objetivo de garantir ressarcimento aos cofres públicos de prejuízos causados à Petrobras.
A 11ª Vara Federal do Paraná acatou o pedido em 2016, em processo vinculado a ação de improbidade administrativa em que os dois são acusados de se beneficiar de R$ 2,6 milhões desviados da estatal, segundo apurou o MPF (Ministério Público Federal). A base da acusação foi a delação premiada de Ricardo Pessoa, da construtora UTC.
A defesa dos Lira vem tentando reverter o bloqueio desde então. Bateu às portas do STJ com a alegação de que não existe ato ímprobo que justifique a medida cautelar.
O principal argumento é que Lira e Benedito foram absolvidos pelo STF (Supremo Tribunal Federal) da acusação criminal relacionada ao mesmo caso.
O Supremo analisou a denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) no fim de 2017. Desfalcada de dois ministros na sessão, a 2ª Turma derrubou o pedido de abertura de ação penal pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Foram dois votos (Gilmar Mendes e Dias Toffoli) a um (Edson Fachin) contra a Lava Jato. Gilmar e Toffoli são críticos dos métodos da operação.
Em agosto deste ano, o ministro João Otávio de Noronha, ainda presidente do STJ, rejeitou o recurso dos Lira com base na jurisprudência segundo a qual não caberia, pela via recursal escolhida, a análise da cautelar que estabeleceu o bloqueio de bens.
Humberto Martins assumiu o comando do tribunal dias depois. Em setembro, a partir de novo recurso do deputado e do ex-senador, Martins confirmou a decisão de Noronha. Em outubro, no entanto, mudou seu entendimento sobre a controvérsia.
Para representá-los perante o STJ, Lira e o pai escalaram Willer Tomaz, que afirma ter um terço dos integrantes do Congresso como clientes de seu escritório.
Tomaz costuma promover encontros em sua casa nos arredores de Brasília prestigiados por políticos, advogados e integrantes do Judiciário.
Recém-empossado no Supremo, o ministro Kassio Nunes foi a uma dessas reuniões no ano passado. Na ocasião, buscava se cacifar para uma vaga no STJ. Entre os presentes, como confirmou Kassio à reportagem, estava o advogado Eduardo Martins, filho do atual presidente do STJ.
O advogado de Lira afirmou que o tribunal entendeu que não se debate o mérito da ação de improbidade, o que motivou a negativa inicial da corte, e se é pertinente manter o bloqueio de bens após a conclusão do STF sobre a parte penal.
“O Supremo concluiu que não houve crime, o fato gerador. Assim, não se pode falar em indisponibilidade de bens”, afirmou.
Tomaz disse não se recordar da presença de Kassio e Eduardo Martins em sua casa. Afirmou que conhece o filho do presidente do STJ, mas que os dois não têm vínculo de amizade ou profissional.
Martins foi recentemente denunciado pela Lava Jato do Rio de Janeiro por tráfico de influência envolvendo decisões do tribunal.
Procurado por meio da assessoria de imprensa, o presidente do tribunal afirmou que seus argumentos estão na sua decisão e que caberá ao ministro a quem for distribuído o recurso analisá-lo. Nada comentou sobre o advogado que atua no caso.
O advogado Eduardo Martins não atendeu às ligações da reportagem nem respondeu à mensagem enviada, por escrito, a seu telefone celular.
Em parecer enviado há quatro semanas ao STJ, o subprocurador-geral da República Nicolao Dino se posicionou contra o recurso de Lira e Benedito.
Dino afirmou que a decisão da 2ª Turma do Supremo não tem repercussão jurídica sobre a indisponibilidade de bens decretada pela Justiça Federal no Paraná. Ele citou o princípio da independência das esferas administrativa, cível e criminal.
Para o representante da Procuradoria, a alegação da defesa de que não há indícios suficientes de atos ímprobos atribuídos aos acusados exigiria reexame do conjunto de provas dos autos, o que não seria possível na via recursal apresentada ao STJ.
No Supremo, após o julgamento da parte criminal, cujo desfecho em 2017 foi favorável aos Lira, os ministros voltaram a analisar o caso neste ano para definir o destino do inquérito em razão de fatos remanescentes ainda a ser investigados.