O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá manter o rumo de investigações contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e aliados após o mandatário apresentar um pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes.
No Congresso, aliados de Bolsonaro tentam afastar a crise para preservar pautas de interesse do Palácio do Planalto. A tarefa, por ora, tem mais respaldo na Câmara do que no Senado, onde o governo já enfrenta clima mais desfavorável.
Na sexta-feira (20), o presidente ignorou apelos de auxiliares e ingressou no Senado com o pedido contra Moraes. Houve reação imediata do Supremo e do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Líderes da Câmara preferem aguardar os desdobramentos da crise. Interlocutores de Bolsonaro querem, por ora, distância do clima de tensão.
A ideia é evitar a contaminação de votações de reformas previstas para esta semana. Estão em discussão avançada a reforma do IR (Imposto de Renda) e a reforma administrativa.
O impacto da crise dos Poderes na Câmara, que tem sido mais fiel a Bolsonaro, não deve ser automático. Para um deputado próximo ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), o líder do centrão deve evitar o assunto e fugir de atritos públicos tanto com o Planalto quanto com o STF.
A crise pode escalar mais alguns degraus com manifestações bolsonaristas previstas para o dia 7 de setembro, Dia da Independência.
Além disso, Bolsonaro confirmou a intenção de apresentar ainda um outro pedido de impeachment contra um ministro do Supremo. O próximo alvo, disse ele, será o ministro Luís Roberto Barroso, que também preside o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) –mais combustível para bolsonaristas radicais.
No Congresso cresce a preocupação sobre a segurança em protestos pró-Bolsonaro, especialmente no Distrito Federal.
Um deputado lembrou que o governador Ibaneis Rocha (MDB), tem se distanciado do presidente. Ele foi um dos 13 governadores que assinaram nota em apoio ao STF no último dia 5.
Já no STF, ministros avaliam que decisões desfavoráveis ao Palácio do Planalto não deixarão de ser tomadas após o pedido de impeachment contra Moraes.
Isso vale tanto para temas como o combate à pandemia da Covid-19 como às investigações criminais que têm como alvo o chefe do Executivo e apoiadores.
Na seara criminal, a maioria das apurações está sob a responsabilidade de Moraes. Há expectativa por novos desdobramentos nas próximas semanas.
Por sua vez, não há entre os ministros disposição para travar julgamentos de pautas econômicas de interesse do governo. Eles se preocupam com a retomada econômica e o desenvolvimento do país, e entendem que o Judiciário não pode atrapalhar.
Um dos temas mais sensíveis em debate no Supremo é a questão do pagamento de precatórios —dívidas que a União tem de quitar após decisões judiciais.
O plano de retomada da popularidade de Bolsonaro, traçado por aliados, depende do parcelamento dessas dívidas para, com isso, abrir espaço no Orçamento a fim, por exemplo, de um programa social mais robusto e que substituirá o Bolsa Família —o chamado Auxílio Brasil.
Sem citar Bolsonaro, o ministro Gilmar Mendes, do STF, usou uma rede social neste domingo (22) para criticar a “fabricação artificial de crises institucionais”.
“A fabricação artificial de crises institucionais infrutíferas afasta o país do enfrentamento dos problemas reais. A crise sanitária da pandemia, a inflação galopante e a paralisação das reformas necessárias devem integrar a agenda política. É hora de reordenar prioridades”, escreveu o ministro.
Já no Senado, parlamentares de partidos governistas e de oposição não veem chance de o pedido de impeachment contra Moraes avançar na Casa.
“Penso que não [irá avançar]”, disse o líder do PL, senador Wellington Fagundes (MT). O PL é da base do governo.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que é vice-presidente da CPI da Covid, defendeu a atuação de Moraes e Barroso, em debate neste fim de semana com o grupo Prerrogativas, formado por advogados.
“A manifestação ontem [sexta-feira] do presidente Rodrigo Pacheco foi importante em dizer que esse malfadado pedido de impeachment vai para o único lugar devido: o arquivo e o lixo”, disse.
Na sexta, logo após o pedido de impeachment contra Moraes, Pacheco afirmou que não vai se render a “nenhum tipo de investida que seja para desunir o Brasil”.
O senador afirmou que irá dar tratamento normal à representação e encaminhá-la para área técnica da Casa e depois decidir se dará continuidade ao procedimento ou não. Ele ressaltou, no entanto, que não antevê motivos para o afastamento de Moraes.
Ministros próximos de Bolsonaro, como Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência) e Fábio Faria (Comunicações), evitaram fazer declarações públicas de apoio ao pedido de impeachment de Moraes.
A formalização do pedido de impeachment do ministro do STF ocorreu no dia em que a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços do cantor Sérgio Reis e do deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), aliados do presidente.
As medidas foram solicitadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) e autorizadas por Moraes.
O presidente também reclama do fato de Moraes ter acolhido a notícia-crime do TSE e ter decidido investigá-lo por suposto vazamento de dados sigilosos de inquérito da Polícia Federal sobre invasão hacker à corte eleitoral em 2018.
Nesta segunda-feira (23), o Fórum dos Governadores se reunirá em Brasília para discutir, entre outros temas, a defesa da democracia.
O encontro já estava marcado para tratar de assuntos econômicos, como a reforma tributária. Mas, diante da postura de Bolsonaro, os governadores querem se posicionar a favor do respeito às instituições.
Há cerca de uma semana, após a rejeição da Câmara à proposta que instituía o voto impresso, Bolsonaro mudou de estratégia e passou a defender o impeachment de Moraes e Barroso como forma de manter seus eleitores ativos na disputa que trava com a corte.
O pedido de impeachment contra Moraes gerou críticas no Judiciário e de partidos políticos.
Em reação ao ato de Bolsonaro, o STF divulgou já na noite de sexta uma nota oficial, sem assinatura, em nome de todo o tribunal. No texto, a corte “manifesta total confiança” em Moraes.
STJ (Superior Tribunal de Justiça), o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, e entidades de magistrados e procuradores saíram em defesa do ministro do STF e criticaram a iniciativa neste fim de semana.