O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria, na noite deste último domingo (6) rejeitar a tese que permitiria a reeleição do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O julgamento em plenário virtual, iniciado na sexta-feira, terminou no final da noite deste domingo com os votos dos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. Todos foram contra a reeleição, virando o placar até então favorável.
Os ministros Marco Aurélio Mello, Cármen Lúcia e Rosa Weber já haviam apresentado os votos contrários à constitucionalidade da reeleição para as presidências das casas do Congresso em uma mesma legislatura. Ficaram vencidos os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes e Nunes Marques.
A Constituição Federal impede as reeleições dos presidentes da Câmara e do Senado em uma mesma legislatura. “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”, diz o parágrafo quarto do artigo 57.
O último voto a ser apresentado foi do presidente do STF. Fux chegou a consultar, ao longa da última semana, pessoas próximas sobre o impacto de um voto favorável à reeleição na imagem da Corte. O ministro criticou o que chama de “judicialização excessiva” de conflitos políticos e diz que essa contenda poderia ter sido resolvida pelo próprio Congresso se decidisse aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
“Com efeito, não compete ao Poder Judiciário funcionar como atalho para a obtenção facilitada de providências perfeitamente alcançáveis no bojo do processo político-democrático, ainda mais quando, para tal mister, pretende-se desprestigiar a regra constitucional em vigor”.
Fux ressalta que uma vez instado a se pronunciar, o STF deve preservar a Constituição Federal transformando o texto em “norma concretamente obedecida no mundo real”. O ministro entende que a regra em discussão é clara e não comporta “múltiplos sentidos”.
“A regra impede a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente a do primeiro ano da legislatura. Nesse ponto, a norma constitucional é plana: não há como se concluir pela possibilidade de recondução em eleições que ocorram no âmbito da mesma legislatura sem que se negue vigência ao texto constitucional”.
Em seu voto, o ministro Fachin também apontou impedimento constitucional para a reeleição e ponderou que a vedação para a reeleição não é algo absolutamente insuperável. “Significa, apenas, que cabe às Casas dos representantes do povo, em debate franco com a sociedade civil, alterar, por meio do processo de emenda constitucional, a regra fixada no texto”.
No entendimento de Luís Roberto Barroso, é possível alterar constituições por emendas constitucionais ou por interpretação que reconheça a “mutação constitucional”. Essa mutação aconteceria quando há mudança no ordenamento jurídico, na percepção do melhor direito ou na realidade fática. Esse não é o caso, segundo o ministro.
“Por essa razão, entendo não ser possível a recondução de presidente de casa legislativa ao mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, dentro da mesma legislatura, porque esse é o comando constitucional vigente”.
Maia preside a Câmara desde 2016, quando foi eleito para um mandato-tampão no lugar de Eduardo Cunha (MDB-RJ), que tinha renunciado. No ano seguinte, foi estabelecido que mandatos-tampão não são a regra e Maia conseguiu ser reeleito numa mesma legislatura. Em fevereiro de 2019, foi eleito para o mesmo cargo pela terceira vez.
Já Alcolumbre está no primeiro mandato como presidente do Senado, mas já calculava quantos votos poderia ter para uma possível reeleição, caso o STF permitisse. Segundo a coluna do Lauro Jardim, o senador esperava no mínimo 55 votos e no máximo 65.
Favoráveis e contrários
Os votos favoráveis foram do relator do processo, ministro Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Nunes Marques. Eles entenderam que apenas uma reeleição seria possível, de acordo com a Constituição, mas essa regra passaria a valer apenas para a próxima legislatura. O ministro Nunes Marques acompanhou, mas entendeu que a regra deveria começar a valer já em 2021, o que permitiria a recondução de Alcolumbre, mas não de Maia.
Ao votar a favor da possibilidade de reeleição, Mendes escreveu que “o limite de uma única reeleição ou recondução deve orientar a formação das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal a partir da próxima legislatura, resguardando-se, para aquela que se encontra em curso, a possibilidade de reeleição ou recondução, inclusive para o mesmo cargo”.
Segundo o relator, observado o limite de uma reeleição, Câmara e Senado poderiam permitir a recondução por decisão interna, seja ela “regimental, por questão de ordem ou mediante qualquer outro meio de fixação de entendimento próprio à atividade parlamentar”. Atualmente, apenas chefes do Executivo podem ser reeleitos — e apenas uma vez.
Mendes procurou afastar seu voto de uma possível interferência no resultado das eleições no Congresso em 2021: “Não decidiremos acerca de quem vai compor a próxima Mesa: para tanto é preciso de votos no Parlamento, e não no Plenário deste Supremo Tribunal Federal. Na eleição de Mesa do Poder Legislativo, é a maioria parlamentar que define quem ‘fala pela Casa”, não um acórdão’.
O relator afirmou que a vedação a reeleição no Legislativo surgiu no regime militar. E argumentou que, quando foi aprovada, em 1997, uma emenda constitucional permitindo uma reeleição para o Executivo houve um “redimensionamento” de toda a Constituição: “Considerado o teor do art. 57, § 4º, CF/88, o redimensionamento que a EC n. 16/1997 implicou no princípio republicano serve ao equacionamento da questão constitucional que ora enfrentamos ao fornecer o critério objetivo de 1 (uma) única reeleição/recondução sucessiva para o mesmo cargo da Mesa”.
No voto, Nunes Marques argumentou que permitir a Maia uma nova reeleição romperia com o princípio fixado de apenas uma recondução. “Alteração de tal profundidade, como a pretendida pelo relator, de forma a permitir mais de uma reeleição ao atual Presidente da Câmara, concessa venia, vai muito além da mutação constitucional (…) Na prática, estaríamos admitindo uma terceira reeleição e um quarto mandato consecutivo”.
O ministro Marco Aurélio Mello apresentou o primeiro voto contra a possibilidade de reeleição de presidentes da Câmara e do Senado na mesma legislatura. Para ele, é “inaceitável que as Casas Legislativas disponham conforme as conveniências reinantes, cada qual adotando um critério, ao bel-prazer, à luz de interesses momentâneos”.
O ministro acrescentou que as regras da Constituição devem ser observadas para todos. “A tese não é, para certos segmentos, agradável, mas não ocupo, ou melhor, ninguém ocupa, neste Tribunal, cadeira voltada a relações públicas. A reeleição, em si, está em moda, mas não se pode colocar em plano secundário o § 4º do artigo 57 da Constituição Federal”.
Cármen Lúcia destacou em seu voto que “é vedada constitucionalmente a recondução a cargo da Mesa de qualquer daquelas Casas Congressuais na eleição imediatamente subsequente, afastando-se a validade de qualquer outra interpretação”.
Na noite de sábado, a ministra Rosa Weber deu novo voto contrário, afirmando que o impedimento de reeleição numa mesma legislatura está expresso na Constituição Federal – e, portanto, não haveria margem para outras interpretações. “Este Supremo Tribunal Federal, enquanto seu guardião por força de expresso texto constitucional, não pode legitimar comportamentos transgressores da própria integridade do ordenamento constitucional, rompendo indevidamente os limites semânticos que regem os procedimentos hermenêuticos para vislumbrar indevidamente, em cláusula de vedação, uma cláusula autorizadora”, escreveu.
Disputa política
Antes do resultado do julgamento, Maia disse ao GLOBO que não gostaria de se pronunciar nem se iria nem se não iria concorrer a uma reeleição. O atual presidente da Câmara também defendeu um deputado que tenha um perfil liberal na economia para liderar a casa.
Entre os postulantes para a sucessão da cadeira de presidente da Câmara, estão deputados como Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), Marcelo Ramos (PL-AM), Baleia Rossi (MDB-SP), Luciano Bivar (PSL-PE), Marcos Pereira (Republicanos-SP) e Elmar Nascimento (DEM-BA).
Apoiado pelo governo, o líder do centrão Arthur Lira (PP-AL) também busca apoio entre os parlamentares para superar o grupo liderado por Maia. O governo inclusive avalia oferecer cargos em troca de apoio à candidatura do deputado.
Desde antes do julgamento, a avaliação entre os congressistas era que o caminho de Alcolumbre para uma reeleição seria mais simples do que a de Maia mesmo dentro das casas. O senador inclusive articulava uma maneira de se reeleger desde julho e tinha esse julgamento no STF como sua principal estratégia.
Com mais apoio, Alcolumbre teria mais facilidade em aprovar uma mudança no regimento interno que permitisse a recondução, enquanto Maia enfrentaria resistências de grupos que costumam o apoiar nessas questões, como a esquerda.