Os processos que líderes da direita como Jair Bolsonaro e Donald Trump enfrentam na Justiça não prejudicam o futuro do movimento conservador e, pelo contrário, apenas fortalecem os acusados, afirma Steve Bannon, ideólogo da ultradireita global.
Estrategista-chefe da Casa Branca no começo do mandato do republicano e bastião da direita radical, Bannon, 69, defende Eduardo Bolsonaro como sucessor do pai e afirma que o regresso do ex-presidente ao Brasil marcado para esta quinta-feira (30) será “incrível”.
Em entrevista à Folha, ele repete as alegações falsas de fraude nas eleições e afirma que o futuro da direita populista no mundo é conectado.
Condenado por desacato ao Congresso americano ao desrespeitar convocações para depor na comissão que investigou o atentado ao Capitólio em 2021, Bannon elogiou em 8 de janeiro deste ano os radicais no Brasil que atacaram os três Poderes em Brasília e os chamou de “guerreiros da liberdade”.
À Folha ele diz que quem cometeu crimes devem sofrer as consequências disso, mas afirma que é preciso investigar se não foram incentivados por agentes federais.
Presidentes direitistas nos Estados Unidos e no Brasil perderam suas campanhas à reeleição. Minha primeira pergunta é… Eu discordo, não acho que perderam. Trump não perdeu em 2020 e Bolsonaro certamente não perdeu no Brasil [não há indícios de fraude e as eleições nos dois casos foram consideradas limpas e justas].
Com base no que o sr. diz isso? Lula tem pouco apoio popular e você percebe pela quantidade de pessoas que protestaram contra as eleições. É óbvio que houve roubo no Brasil e provavelmente foi mais escandaloso do que com Trump. Mas isso não vai importar. Trump voltará em 2024 e Bolsonaro voltará, então será uma boa lição para mostrar às pessoas o quanto as instituições podem ser corrompidas facilmente contra o desejo do povo.
Hoje Trump e Bolsonaro estão fora do poder. Qual o futuro da direita? Não é o futuro, é o presente, está mais robusta do que nunca. Veja os resultados de Trump nas pesquisas, à frente do [governador da Flórida, Ron] DeSantis e de Biden. Nosso movimento está mais forte a cada dia. É o mesmo com Bolsonaro. Meu único problema com Bolsonaro é que acho que ele não deveria ter deixado o país e estou muito feliz que está voltando.
Foi uma estratégia ruim? Minha recomendação seria que não saísse, mas ele saiu, veio aos EUA, foi à CPAC [conferência da direita trumpista em Washington], fez um discurso histórico e comoveu a plateia de maneira incrível. E acho que vai voltar [ao Brasil] e vai ser incrível, vai ser reeleito presidente. Espero que Lula não destrua a economia do Brasil até lá.
Com que frequência o sr. fala com a família Bolsonaro? Não quero dizer com que frequência exatamente, mas sou muito próximo de Eduardo. Ele será o presidente do Brasil um dia.
Quão conectada é a direita global hoje? Esse é um dos motivos pelos quais eu me dedico tanto à Europa, ao Japão, converso com grupos pró-democracia na China, que é meu trabalho principal hoje, fizemos a CPAC no México. Eu me dedico tanto ao Brasil porque estamos muito conectados.
Mas não ouvimos falar mais do The Movement [grupo lançado por Bannon em 2018 para unir a direita populista no mundo, com Eduardo Bolsonaro como representante na América do Sul]. Tem muita coisa acontecendo nos bastidores. Mas queremos garantir que temos uma operação robusta em países específicos. Populismo e nacionalismo são específicos de países, você precisa fazer o que funciona nesses países. Não somos como a Internacional Comunista, onde tudo é global e interconectado. Somos conectados porque pensamos de modo igual, mas cada país é um e isso toma muito tempo.
Mas todos se conhecem e se dão bem. Viktor Orbán na Hungria, [Marine] Le Pen na França, Nigel Farage [Reino Unido], Giorgia Meloni [primeira-ministra da Itália], os Bolsonaro, o movimento trumpista, nacionalistas favoráveis a [Narendra] Modi na Índia, a [Shinzo] Abe no Japão.
Mas lembre-se, ainda é um movimento jovem. Se você pensa na esquerda, estão por aí há 80 anos. A nova direita é um fenômeno forte nos últimos dez anos e na maior parte do tempo passamos trabalhando em organizações domésticas.
Le Pen perdeu na França, candidatos da direita também perderam eleições recentes na Colômbia e no Chile… É preciso olhar para a direção que estamos seguindo. Não vamos ganhar todas as eleições. Algumas ganhamos, chegamos ao poder na Itália, e algumas perdemos. O ponto é que a direção fica mais forte a cada dia. Le Pen está muito mais forte hoje. Ela perdeu a Presidência, mas basicamente ganhou o controle do Parlamento. Você pode escolher eleições individuais ao redor do mundo onde a esquerda ganhou. Mas o mais importante em um movimento com menos de dez ou 12 anos é olhar a direção que estamos tomando. Estamos ganhando aderência a cada dia.
Além disso estamos certos sobre a economia. A ordem mundial neoliberal e neoconservadora [corrente da direita que teve seu auge nos EUA com George W. Bush] está colapsando e ninguém vê isso melhor que o Brasil. Olhe as políticas de Lula, a inflação e o desemprego vão sair de controle.
Discorda de especialistas que apontam que estamos vendo um declínio da direita? Discordo completamente, é uma piada da esquerda. Olhe o que acontece na França, olhe Giorgia Meloni, olhe a popularidade de Modi, olhe Trump. Na eleição roubada ele teve 74 milhões de votos, e Biden não chegou nem perto disso. Bolsonaro vai voltar ao Brasil de modo retumbante. Olhe o tamanho dos protestos. Nunca vi multidões daquele tamanho em minha vida. Vocês tiveram protestos auto-organizados. Foram os maiores protestos nos tempos modernos [checagem do Projeto Comprova diz que não é possível afirmar isso] e a imprensa estava com tanto medo que não reportou. E quando Bolsonaro voltar, tudo vai estourar. Ele é enormemente popular, Lula é incrivelmente impopular.
Mas muitas pessoas foram presas no Brasil por causa do 8 de janeiro, assim como nos Estados Unidos em 2021. Isso não enfraquece o movimento da direita? Primeiramente ninguém deve quebrar a lei. Sabemos que em 6 de janeiro [nos EUA] houve um tremendo incentivo de agentes federais, mas ninguém deveria quebrar a lei. Mas você está totalmente errado. O movimento da direita é mais popular do que nunca. As pessoas estão percebendo agora que as elites estão destruindo a economia. Olhe para a inflação fora de controle dos Estados Unidos, o sistema bancário à beira do colapso. Estamos financiando uma guerra na qual as pessoas não têm interesse, a Guerra da Ucrânia. Em 6 de janeiro e no Brasil as pessoas não devem quebrar a lei, mas…
Mas o sr. chamou os manifestantes de “guerreiros pela liberdade”. Sim, eles eram guerreiros pela liberdade. Quem quebrou a lei, quebrou a lei. Mas foi uma parcela pequena de pessoas perante as centenas de milhares que estavam lá. Quem quebrou a lei deve sofrer as consequências disso, se for provado que não foram instigados por agentes federais. Lula é um criminoso transnacional em sociedade com o Partido Comunista Chinês, é parceiro do pior regime da história moderna. Essas pessoas [que protestaram contra ele] são definitivamente guerreiros da liberdade.
Trump está encarando um possível indiciamento… Todos os processos contra Trump são uma piada e ele cresce nas pesquisas a cada dia e arrecada mais dinheiro com cada um deles. Então isso não é um problema. Se ele for indiciado, terá mais poder que nunca. Eles não vão parar Trump em uma batalha jurídica, isso é impossível.
Bolsonaro também enfrenta uma série de problemas na Justiça brasileira… Claro, a instituição mais corrupta no Brasil é a Suprema Corte, foi como a eleição foi roubada. É claro que Bolsonaro enfrenta problemas na Justiça, mas isso não importa.
O sr. também foi indiciado… Eu fui condenado por desacato ao Congresso e estou recorrendo. Tenho sete recursos diferentes na Justiça e sou muito orgulhoso disso. O comitê [da Câmara que investigou o ataque] do 6 de janeiro foi uma piada. Não teve impacto nenhum sobre o povo americano. E eu me levantei contra isso, disse que não iria jogar esse jogo. Eles me condenaram por desacato e isso será revertido em um tribunal federal.
Mas como a direita vai voltar ao poder com tantos problemas na Justiça? Nada disso teve qualquer impacto até agora. É o contrário. As pessoas estão vendo que é uma vergonha. Estamos arrecadando mais dinheiro, subindo nas pesquisas, e a imprensa da direita é mais poderosa do que nunca.
Mas nas midterms [eleições de meio de mandato, em 2022] a performance do Partido Republicano foi longe do esperado. Não é uma resposta? Nós conquistamos o controle da Câmara. Isso foi grande perto do dinheiro que os democratas tinham. Estamos mudando os rumos do país. Perdemos algumas corridas importantes, mas isso sempre vai acontecer. A nação está tomando outro rumo. E, por acaso, quem tomou conta da Câmara foi a direita, com Marjorie Taylor-Greene e [Matt] Gaetz [deputados da ultradireita americana]. Os processos na Justiça têm impacto zero e só nos fortalecem, porque as pessoas percebem o absurdo que são.
O sr. não gosta de Ron DeSantis [adversário de Trump pela direita na corrida à Casa Branca no ano que vem], mas… Isso não é verdade. Sou um forte apoiador de DeSantis como governador. Só acho que ele deve esperar até 2028. Trump venceu a Casa Branca duas vezes, uma delas foi roubada dele, é o presidente legítimo e precisa ser o candidato. E dada a complexidade do cenário global, DeSantis não tem experiência. Tem sido uma campanha decepcionante. Ele mostrou que é um neoliberal-neoconservador, que é controlado pelos seus doadores de campanha, oligarcas de Wall Street. Não acho que tem feito uma campanha boa até agora, mas é um governador muito bom e fez ótimas coisas. Trump vai vencer as primárias, ponto, e vai vencer a Presidência, ponto.
Se eleito, DeSantis vai se conectar com a direita global também? Vai ter que se envolver. Vai ter que encontrar os Bolsonaro, Le Pen, Giorgia Meloni e todos esses. Ron DeSantis não tem muita experiência internacional. Para vencer nos Estados Unidos, você precisa ser de direita, precisa se encontrar com Nigel Farage, Viktor Orbán, que é muito reverenciado nos Estados Unidos, com os Bolsonaro, particularmente com Eduardo, que é uma figura reverenciada aqui.
RAIO-X | STEVE BANNON, 69 anos
Uma das principais vozes da ultradireita no mundo, foi estrategista-chefe da Casa Branca no começo do governo Donald Trump. É apresentador do podcast War Room. Em 2018 lançou o The Movement, grupo para conectar as lideranças da direita populista pelo planeta.