Partido Social-Democrata do chanceler Scholz fica levemente à frente dos ultradireitistas da AfD em eleição estadual no leste alemão. Ainda assim, partidos populistas devem abocanhar mais de 40% do eleitorado local. Castigado por uma onda de maus resultados eleitorais, o Partido Social-Democrata (SPD) da Alemanha, a sigla do chanceler federal Olaf Scholz, obteve fôlego neste último domingo (22) ao largar na frente na eleição estadual de Brandemburgo, no leste alemão.
Segundo as primeiras projeções, o SPD aoarece em primeira posição na disputa, com 31,2% dos votos, levemente à frente da ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), que tem 29,8%.
Se o resultado for confirmado, o SPD não terá apenas se mostrado capaz de barrar uma vitória da ultradireita – que permaneceu à frente nas pesquisas durante toda a campanha –, mas também garantido a manutenção da sua liderança em Brandemburgo, estado que é um bastião do partido há mais de três décadas.
Nos últimos dias, o SPD conseguiu reverter sua desvantagem em relação à AfD graças a uma campanha personalista que focou no atual governador, o social-democrata Dietmar Woidke, cuja aprovação entre os eleitores contrasta com a impopularidade nacional da administração do chanceler Scholz.
A eleição era vista como um termômetro para a situação do SPD como um todo. Uma potencial derrota provavelmente seria provavelmente colocada na conta do impopular chanceler federal – reprovado por 67% dos alemães – e teria adicionado ainda mais pressão sobre a fragilizada tríplice coalizão do governo federal, formada pelo SPD, Verdes e o Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão).
Vários membros do SPD não escondiam que pretendiam usar um potencial mau resultado em Brandemburgo e uma vitória da AfD para fortalecer a ideia de que o partido precisa adotar um caminho “Kamala no lugar de Biden” nas eleições federais de 2025 e substituir Scholz por outra figura.
Ainda assim, a vitória deve ser creditada ao popular governador Woidke, que ao longo da campanha evitou exibir o apoio de Scholz, ainda que o atual chanceler tenha sua residência e seja deputado pelo distrito de Potsdam, que fica em Brandemburgo.
Dessa forma, mesmo a vitória do SPD não deve cessar completamente argumentos pela substituição de Scholz, que até o momento não deu sinais de que não pretende concorrer novamente à Chancelaria em 2025.
Após a divulgação das primeira projeções, o secretário-geral do SPD, Kevin Kühnert, celebrou de maneira cautelosa o resultado em entrevista à emissora ZDF, apontando que os problemas do partido ainda persistem, mas que pelo menos eles não aumentaram. Kühnert, por outro lado, evitou responder sobre se o resultado terá impacto na manutenção de Scholz como candidato ano que vem.
As atenções da campanha também estavam voltadas para o desempenho combinado das populistas AfD e da Aliança Sahra Wagenknecht – Razão e Justiça (BSW), um partido de esquerda com viés socialmente conservador criado em janeiro e que leva o nome da sua fundadora. Segundo as primeiras pesquisas, as duas siglas devem somar 42% dos votos, mudando a paisagem política local.
O pleito ocorreu três semanas depois de as duas siglas conseguirem quase 50% dos votos na Turíngia e 42% na vizinha Saxônia, dois estados que, assim como Brandemburgo, também ficam no Leste alemão. Na Turíngia, a AfD conquistou 32,8% dos votos, e o resultado marcou a primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial que um partido de ultradireita terminou um pleito estadual alemão em primeiro lugar. A sigla esperava obter sua segunda vitória justamente em Brandemburgo e usar o resultado para se fortalecer para a eleição federal de 2025.
Ainda em Brandemburgo, os primeiros resultados mostraram um declínio significativo dos verdes e do partido A Esquerda, sendo que este último foi aparentemente canibalizado pela ascensão da BSW. Pelos primeiros resultados, as duas siglas arriscam ficar abaixo da cláusula de barreira de 5%.
Já a União Democrata-Cristã (CDU, o partido da ex-chanceler Angela Merkel), também sofreu um leve declínio, obtendo 11,8%, quatro pontos percentuais a menos do que em 2019.
O comparecimento eleitoral foi alto. De acordo com a última projeção da rede ZDF, 73% dos eleitores do estado votaram, uma porcentagem significativamente maior do que em 2019, de 61,3%.
Raio-X de Brandemburgo
Com pouco menos de 2,6 milhões de habitantes, Brandemburgo, assim como a Saxônia e a Turíngia, fica no território que compunha a antiga Alemanha Oriental comunista. Mais de 30 anos após a reunificação do país, essa região ainda apresenta padrões de votação distintos do restante da Alemanha, e nos últimos anos tem sido o principal reduto da ultradireita do país.
Apesar de ser meramente uma eleição local, as campanhas em Brandemburgo abordaram temas nacionais como política de imigração e a continuidade do auxílio alemão à Ucrânia, que são vistos de forma mais crítica por parte da população do Leste, onde há proporcionalmente menos estrangeiros e, segundo pesquisas, uma maior prevalência de opiniões favoráveis à Rússia. Pouco menos de 12% da população de Brandemburgo têm raízes imigrantes, em comparação com a média nacional de quase 30%.
Mas Brandemburgo também apresenta diferenças em relação a outros estados do Leste. Embora o estado tenha se deparado com problemas similares a de outros após a reunificação, Brandemburgo não sofreu o mesmo êxodo populacional como a Saxônia.
O estado ainda viu o renascimento de cidades, como a capital estadual, Potsdam, que se tornou um concorrido subúrbio para a classe média berlinense. Nos últimos anos, a economia estadual foi reforçada com a abertura do Aeroporto de Berlim-Brandemburgo e a inauguração de uma fábrica da Tesla, que rapidamente se tornou a maior empregadora privada do estado.
Popularidade de governador leva partido de Scholz a resistir
Brandemburgo é considerado um bastião do SPD. O partido lidera o governo estadual há 34 anos, desde a reunificação da Alemanha em 1990.
De acordo com os primeiros prognósticos, o SPD deve conquistar 31,2% dos votos, acima do registrado no pleito de 2019, quando o partido conquistou 26,2%.
Boa parte desse bom desempenho deve ser creditada ao desempenho do atual governador, o social-democrata Dietmar Woidke, de 61 anos, que está no cargo desde 2013.
Durante sua campanha, Woidke, manteve distância do impopular Scholz, embora o chanceler federal seja deputado pelo distrito de Potsdam. Woidke também procurou se diferenciar do governo federal se mostrando crítico à política migratória dos últimos anos, defendendo mais rigor contra a entrada de migrantes irregulares. Em Brandemburgo, pesquisas mostraram que a política migratória aparecia no topo das preocupações dos eleitores durante a campanha.
Outra pesquisa mostrou que 55% dos eleitores de Brandemburgo afirmaram que gostariam que Woidke permanecesse à frente do governo – um percentual mais alto do que o dos votos recebidos pelo SPD.
Woidke decidiu usar isso para pressionar parte do eleitorado, fazendo uma aposta arriscada ao afirmar durante a campanha que não pretendia continuar à frente do governo se o SPD ficasse em segundo lugar. A tática parece ter tido efeito, já que o SPD local conseguiu reverter a desvantagem em relação à AfD na reta final da campanha.
A vitória do SPD em Brandemburgo também contrasta com os maus resultados do partido nos pleitos da Turíngia e Saxônia três semanas atrás, nos quais os social-democratas amargaram a quinta e quarta posições respectivamente.
AfD cresce, mas deve deixar escapar primeiro lugar
Fundada em 2013, inicialmente como uma sigla eurocética de tendência liberal, a AfD rapidamente passou a pender para a ultradireita, especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016. Com posições radicalmente anti-imigração, membros que se destacam por falas incendiárias ou racistas, a legenda é rotineiramente acusada de abrigar neonazistas.
A AfD é especialmente forte no Leste. Em Brandemburgo, o partido elegeu seus primeiros deputados estaduais ainda em 2014 e em 2019 conquistou 23,5% dos votos.
Desta vez, em 2024, o partido registrou crescimento mais uma vez entre o eleitorado, conquistando 29,8%, segundo as primeiras projeções, mas deixou escapar o primeiro lugar entre todos os partidos na disputa, em contraste com o diretório da AfD na Turíngia.
O diretório da AfD em Brandemburgo foi liderado durante a campanha por Hans-Christoph Berndt, um dentista de 68 anos. Antes de entrar para a AfD em 2018, ele foi cofundador de uma associação chamada Zukunft Heimat (Pátria Futura), que organiza protestos contra refugiados e que é vigiada como extremista por autoridades policiais, que apontaram a influência de neonazistas no grupo.
Na campanha de 2024, Berndt e o diretório brandemburguês da AfD defenderam o fim da instalação de novas turbinas eólicas e a exclusão de refugiados de eventos públicos, além de fazer promessas que fogem da alçada dos governos estaduais, como retirar as sanções econômicas impostas pela Alemanha contra a Rússia.
Na reta final da campanha, o diretório local ainda publicou nas redes sociais um vídeo produzido com inteligência artificial (IA) que mostra cenas idílicas de Brandemburgo e alemães loiros intercaladas com ruas do estado tomadas por mulheres muçulmanas de hijab, homens africanos com expressão ameaçadora e ativistas LGBT, e a mensagem de que se trata de uma eleição entre “pátria ou diversidade”.
Novo partido populista de esquerda forma sua terceira bancada estadual
O pleito de Brandemburgo também marcou o terceiro teste da BSW em eleições estaduais alemãs. Fundada em janeiro pela deputada federal Sahra Wagenknecht, uma das figuras mais controversas da esquerda alemã, a legenda se apresentou para o eleitorado com uma agenda bastante heterodoxa: esquerdista em assuntos econômicos, porém mais próxima da ultradireita em questões como imigração e diversidade.
Antes de lançar a BSW, Wagenknecht era uma figura proeminente da legenda A Esquerda, formado em 2007 em parte por remanescentes do antigo partido comunista da Alemanha Oriental. No entanto, Wagenknecht vivia às turras com seus antigos correligionários por causa da sua oposição à imigração ilegal e ao “identitarismo”. Ao lançar sua legenda, Wagenknecht não escondeu seu desejo de tentar atrair eleitores da classe trabalhadora que debandaram para a AfD nos últimos anos.
Em Brandemburgo, o candidato oficial da BSW ao cargo de governador foi o juiz trabalhista e ex-social-democrata Robert Crumbach, de 61 anos, um desconhecido. Nos cartazes eleitorais da legenda no estado, Sahra Wagenknecht foi a grande estrela da BSW, que conduziu uma campanha recheada de críticas ao apoio do governo alemão à Ucrânia.
Nas primeiras projeções, a BSW obteve em sua estreia em Brandemburgo 12,1% dos votos, ficando à frente de siglas tradicionais, como a União Democrata-Cristã (CDU, o partido da ex-chanceler Angela Merkel) e os Verdes.
No início de setembro, nos pleitos estaduais da Saxônia e Turíngia, a BSW já havia conquistando 11,8% e 15,8% respectivamente, indicando que havia mesmo um filão de eleitores interessados no tipo de “mistura” que Wagenknecht vem oferecendo.
Verdes, liberais e Esquerda agonizam em Brandemburgo
Se os social-democratas de Brandemburgo ainda demonstraram força, o mesmo não pode ser dito sobre os verdes e liberais, que compõem a tríplice coalizão partidária federal que governa a Alemanha.
As primeiras projeções mostram que os verdes devem amargar apenas 5% dos votos no estado – seis pontos a menos do que em 2019. Com esse desempenho, o partido está no limite de ficar abaixo da cláusula de barreira de 5%.
Os liberais de Brandemburgo, por sua vez, não conseguem superar a cláusula de barreira desde 2014. Eles devem conquistar apenas ínfimos 0,8% dos votos. Os percentuais devem se somar aos maus resultados que as duas siglas registraram na Saxônia e na Turíngia.
Já o partido A Esquerda, que vem sangrando com a saída de Wagenknecht, aparece à beira da extinção em Brandemburgo, com 3% dos votos, nas primeiras projeções – bem abaixo dos 10,7% conquistados no último pleito estadual, em 2019.
Mudanças na coalizão de governo?
Na Alemanha, o sistema para a formação de governos estaduais também é parlamentarista. O partido que obtém mais da metade dos assentos no parlamento local conquista o posto de governador do estado. Mas, como nem sempre um partido sozinho conquista tantos assentos, muitas vezes é preciso que as legendas mais votadas costurem coalizões com outras siglas para garantir governabilidade.
Mesmo que a AfD terminasse a eleição em primeiro lugar, era considerado certo que a sigla não teria condições de liderar o governo de Brandemburgo, já que todos os outros partidos haviam excluído a possibilidade de formar alianças com os ultradireitistas.
Analistas apontam que o cenário se desenha para que o SPD continue à frente do governo, mas não da mesma forma.
No momento, Woidke lidera uma tríplice coalizão formada pelo SPD, a CDU e os Verdes, que contam com 50 das 88 cadeiras no Parlamento de Brandemburgo. No entanto, tanto a CDU quanto os Verdes perderam votos em relação ao pleito de 2019, o que pode provocar rearranjos na coalizão.
Nesse cenário, a BSW de Wagenknecht aparece como um partido propenso a assumir o lugar dos Verdes para que a coalizão consiga manter maioria no Parlamento local, caso a sigla ambiental não ultrapassar a claúsula de barreira. Se isso for confirmado, Wagenknecht reforçará sua posição de “fazedora de reis” em nível estadual. Na Saxônia e na Turíngia, o partido da populista de esquerda já está em negociações com outras siglas para integrar coalizões que visam isolar a ultradireitista AfD.