Do Executivo, o segmento garantiu um único aceno: a concordância do governo em incluir na reforma tributária trecho que estende a imunidade fiscal dos templos para as suas “associações beneficentes e assistenciais”.
Mais aberto ao diálogo com o Planalto, Cezinha de Madureira (PSD-SP) foi quem articulou junto aos ministros de Lula a inclusão das entidades na isenção de tributos — ele se autointitula um “parlamentar de construção”, que vota a favor nas pautas econômicas por entender que os evangélicos precisam que esta área vá bem e se opõe em questões ideológicas. Cezinha afirma que ficou “muito feliz” com o gesto, mas que o setor demanda mais esforços do Planalto.
— A interlocução com o governo é boa. Os ministros Juscelino Filho, Jorge Messias, Alexandre Padilha são pessoas boas e do bem, mas falta a responsabilidade do Lula em fazer gesto e entender que o povo evangélico não é inimigo. Tivemos um desprezo muito grande por parte dele.
Houve pelo menos duas tentativas frustradas de aproximação por parte do Planalto. O petista chegou a pedir a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), evangélica, para elaborar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que amplie a isenção tributária, mas a proposta ainda não teve avanço significativo. Entre o final da campanha e o início do mandato, falava-se ainda da criação de uma subsecretária para mediar o diálogo com os evangélicos, mas as negociações cessaram.
Esse panorama de entraves na relação entre Planalto e bancada evangélica se diferencia de 2019, primeiro ano de Bolsonaro, quando o grupo conseguiu avanços via decretos. Na ocasião, o ex-presidente liberou as igrejas de pagarem o principal imposto estadual, o ICMS, por até 15 anos, e flexibilizou prestação de contas. Neste contexto, as igrejas sem autonomia administrativa foram liberadas da obrigação de ter um CNPJ e aquelas com arrecadação menor que R$ 4,8 milhões foram dispensadas de apresentar a Escrituração Contábil Digital (ECD). O limiar anterior era de R$ 1,2 milhão.
Duas nomeações no primeiro escalão do ex-presidente também agradaram ao setor: Damares Alves, da Igreja Quadrangular, ocupava o Ministério dos Direitos Humanos, enquanto Marcelo Álvaro Antônio, da Igreja Cristã Maranata, era o titular do Turismo. Naquele ano, a Reforma da Previdência foi aprovada, o que também atendeu aos interesses da bancada.
A diferença na relação entre os parlamentares da bancada com as duas gestões do Executivo se traduz em números — nas votações. Enquanto 80% dos deputados apoiavam pautas de interesse do governo Bolsonaro, hoje, 69,1% estão na oposição de Lula. Em votações caras ao Palácio do Planalto, como o PL das Fake News, o marco temporal para a demarcação de terras indígenas e os decretos do saneamento, a bancada marcou posição contra.
O presidente da ala, o deputado Silas Câmara (Republicanos-AM) minimizou os entraves em um discurso sobre “resistência”.
— Tivemos o primeiro ano de um governo de esquerda, que obviamente foi desafiador. Acho que os avanços foram proporcionais às dificuldades. Esse ano testou nossa capacidade de união e luta, e saímos vencedores.
Na contramão do líder, Cezinha de Madureira reconheceu que em 2023 as pautas ideológicas não tiveram avanço.
— Continuamos contra aborto e drogas, mas não tivemos progressão. Muito pelo contrário — afirmou.
Segundo Vinícius Valle, do Observatório dos Evangélicos, houve mudança de cenário importante, que fez com que a ala perdesse fôlego, justamente porque até 2022 havia interesse do governo de ela servisse de base, o que não ocorre em relação ao governo Lula, que evita pautas de costumes.
— A bancada perdeu força porque perdeu coesão e passa por divisão: tem uma ala mais pragmática, na figura de Cezinha de Madureira, bem ligada ao Centrão, e outra mais ideológica, com Sóstenes Cavalcante e Marco Feliciano. A primeira até vota, às vezes, com o governo, mas tem uma postura de afastamento público.
Polarização
A resistência da bancada evangélica com Lula é fruto da polarização. Até 2010, as lideranças que hoje se identificam como de direita estavam com o PT. Com a ascensão de Bolsonaro, o grupo migrou para sua base de apoio e, na opinião de especialistas, hoje não há esforço por parte do governo federal para reconstruir essas pontes e retomar o diálogo com os ex-aliados.
Cientista política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mayra Goulart diz que a aversão ao governo, contudo, é restrita a pautas sociais:
— Esses parlamentares que se identificam como evangélicos são predominantemente lideranças da direita e, por isso, são oposição ao governo. No passado, na criação do PT, essas questões sempre foram defendidas pelo lado do cristianismo, mas hoje há pouco esforço para retomar isso. Mas, apesar de a bancada não ter aprovado suas questões morais, suas bases estão se beneficiando das políticas econômicas do governo.