Líder do PT no Senado, Jaques Wagner, avalia em entrevista ao jornal O Globo, que a dificuldade na articulação política do governo no Congresso Nacional só será sanada com o tempo e a presença de Lula (PT). De acordo com o parlamentar, o mandato de Jair Bolsonaro (PL) alterou o curso natural da política. “A gente está substituindo agora um governo que, por não exercitar a política, estabeleceu uma relação com o Congresso diferenciada”, disse o senador ao jornal.
Sobre a condenação do ex-presidente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Wagner acredita que o pleito de 2026 será ainda mais difícil sem Bolsonaro. Confira a íntegra da entrevista:
O senhor teve um encontro casual com Jair Bolsonaro no aeroporto, antes da condenação. O que ele pediu?
Falou algumas coisas daquele jeitão dele. Reclamou do processo, chamou de perseguição. Não cabe a mim julgar. Aliás, não estava ligando muito se ele seria condenado ou não. Do ponto de vista da minha agenda política-eleitoral, muda muito pouco.
Não seria mais difícil tê-lo como adversário em 2026?
Poderia ser mais fácil. Ele é o déjà-vu. Qualquer outro candidato pode despertar expectativa de que terá as mesmas ideias ou ideologia, mas com abordagem diferente.
Arthur Lira chegou a cobrar que Lula deveria decidir se vai ou não ser candidato, porque isso gerava disputa entre os ministros. Lula será?
Ele até já está recolocando a candidatura, ou porque está com vontade ou por conta disso que você falou. Ele parou com essa conversa de que não é candidato. Tem muita coisa para rolar daqui até lá, mas se ele estiver com pique e vontade, provavelmente será.
As alternativas seriam Rui Costa e Fernando Haddad?
Está longe e tem um hors-concours. Não adianta ficar alimentando esse negócio. Quem menos procurou foi a Dilma e acabou encontrando (a candidatura).
O que o governo precisa fazer para ter uma base sólida, principalmente na Câmara?
Só o tempo. A gente está substituindo agora um governo que, por não exercitar a política, estabeleceu uma relação com o Congresso diferenciada. Extremamente árida e excessivamente pragmática. Para o leito natural da política voltar, vai levar um tempo mesmo. Você não dá cavalo de pau na Câmara, com 513 deputados. É fundamental a presença do presidente Lula, não no dia a dia do exercício da política, mas porque ele tem o poder de galvanizar.
É possível ter uma base sem o orçamento secreto?
Claro. Sempre tivemos. Orçamento secreto só fez degringolar as relações Executivo-Legislativo. Não dá para alguém gastar, e outro ser responsável por tocar o governo.
PP e Republicanos vão ganhar ministérios para entrarem na base?
Não acho que haja mudança de ministérios antes de um ano de governo. O que está acontecendo no Turismo não tem a ver com o governo, mas com a relação partidária do União Brasil. Se houve conflito e a Daniela Carneiro não representa mais o partido, a gente tem um problema para administrar.
Vê a possibilidade de o Ministério da Saúde ser entregue a uma indicação partidária no mandato de Lula?
Acho difícil. Cada um pode pretender o que quiser, mas algumas áreas, como Saúde e Educação, são muito distantes. Pode acontecer, mas acho muito difícil e não por uma pressão desse tipo: “Entregue isso aqui, se não acontece aquilo”. As duas partes têm que se acostumar: o presidente Lula tem que saber que o Congresso que ele tem é diferente do que ele tinha nos mandatos anteriores, e o Congresso tem que saber que o presidente é diferente do que eles tinham (Bolsonaro).
Os parlamentares querem controlar o Orçamento como era com o Bolsonaro? Esse é o fundo da crise?
É. Todo mundo sabe como a relação rodava. Não quero dar uma de paladino da moralidade, mas tinha um funcionamento. Está sob nova direção, o Lula quer fazer governo, projeto macro. Não dá para transferir toda capacidade de investimento ao Parlamento.
Rui Costa já ouviu reclamações por não receber parlamentares e também criticou Brasília. Ele ainda precisa se adaptar à função?
Tem muito do jeito dele, que é mais retraído. Por isso, às vezes, a interpretação do interlocutor não é de timidez, mas de indiferença e arrogância. Ele foi chamado para cumprir uma tarefa de gestor. Não estou dizendo que alguém pode fazer gestão pública sem fazer política, estou dizendo que não é a ocupação dele. Não quer dizer que ele não vai conversar com deputado e governador. Eu sempre acho que a cadeira modela a pessoa. Acho que ele está entendendo os caminhos de Brasília e se adaptando. O presidente está gostando do trabalho dele.
Uma ala do PT tem feito críticas a projetos do Ministério da Fazenda. Isso atrapalha o governo?
O partido que está no governo recebe os louros e tem o ônus de estar no governo. Não estou dizendo que isso anula o partido, mas existem os espaços para debater. Quando você chega no Parlamento, o primeiro que tem que puxar fila a favor da pretensão do governo é o partido do presidente da República.
Os principais programas até agora foram reciclados das gestões anteriores. O governo não precisa de novas marcas?
Não foi reciclagem. Fomos obrigados a fazer de novo, porque o país andou para trás. Mas concordo que não são os programas que são a nossa pretensão. O governo está chegando bem aos seis meses, os indicadores econômicos estão melhorando. Mas, no segundo semestre, tem que apresentar cara nova mesmo.