Depois de Estados Unidos, Reino Unido e outras nações darem início à vacinação contra a COVID-19, é a vez de a União Europeia (EU) imunizar sua população. A expectativa é de que as primeiras doses sejam aplicadas a partir deste domingo (27) para um público bem específico: idosos residentes em casas de repouso.
Mesmo vivendo uma segunda onda brutal e com uma terceira já se instalando em vários países, no Velho Continente a vacina tem ares de parcimônia. Num território onde o tempo se conta pelas estações do ano, governos já se anteciparam em dizer que uma possível normalidade não virá antes do outono de 2021, ou seja, a partir de setembro ou outubro do ano que vem.
A Agência Europeia de Medicamentos mudou o calendário e validou, na segunda-feira (21/12), uma semana antes do previsto, a aplicação da vacina da Pfizer-BioNTech. A Comissão Europeia também deu seu aval e, depois, as agências reguladoras de cada país-membro. O anúncio de que o bloco começará junto essa nova fase foi feito pela presidente da UE, Ursula von der Leyen. O estoque de doses está concentrado em Bruxelas e será distribuído a partir deste sábado (26/12) aos países, de acordo com o tamanho de suas respectivas populações.
A vacina se anuncia num momento crucial. Várias nações anunciaram um novo lockdown às vésperas do Natal. Em alguns deles, as pessoas acabavam de ganhar novamente o direito de sair de casa depois do segundo confinamento. Se o início será em bloco, já que a UE discutiu junto e buscou certa uniformidade para definir grupos prioritários, as estratégias podem variar de um país a outro no que concerne, sobretudo, a estrutura, datas e responsáveis pela administração das vacinas.
A base é a mesma: os primeiros a receber serão os idosos residentes em casas de repouso, além dos profissionais que trabalham nesses locais. Na Alemanha, a estrutura está pronta para as primeiras doses, tendo sido montados pontos de vacinação com diversas cabines em parques de exposição e centros de cultura país afora. A Espanha anunciou que também começará a vacinar neste domingo (27/12), prevendo três etapas para três grupos: a primeira até março, a segunda até junho e, a partir de então, o restante da população.
Linha de frente em Portugal
Portugal também quer começar a vacinar neste domingo (27/12). A ministra da Saúde, Marta Temido, anunciou que as primeiras pessoas a receber a vacina serão os profissionais de saúde, porque são “aqueles que na primeira linha poderão ajudar melhor a proteger os restantes”, segundo comunicado do ministério. O primeiro lote contará com 9.750 unidades.
Numa primeira fase, que deve durar até março, a previsão é vacinar os idosos residentes de lares ou internados em unidades específicas, pessoas com idade superior a 50 anos portadoras de certas comorbidades, e profissionais de forças de segurança e de serviços essenciais. O país não garante que haverá doses suficientes para a população em geral, o que pode levá-lo a fazer novos grupos.
Antes do próximo verão
Na França, o plano também tem três fases e o governo já avisou que a população em geral não será vacinada antes do próximo verão europeu, no segundo semestre. As primeiras doses para os residentes das chamadas Ehpad (estabelecimentos que abrigam idosos dependentes) somam 1 milhão, segundo detalhou o primeiro-ministro, Jean Castex. Mas, embora asseguradas, elas chegarão em conta-gotas.
Numa Ehpad da região de Avignon, no Sul do país, onde 50 dos 80 residentes foram testados positivo para a COVID-19, a informação é de que haverá 10 doses disponíveis por semana. No hospital da cidade, os profissionais de saúde já sabem que só terão acesso ao imunizante talvez a partir da segunda fase, em fevereiro, quando alguns deles serão vacinados junto com outros 14 milhões de pessoas com fator de risco ligado à idade ou portador de doença crônica.
Apesar de ter 67 milhões de habitantes, no total, a França encomendou 200 milhões de doses de vacina, garantindo a cobertura para a população, já que, na corrida pela vacina, a entrega também é por ordem de chegada, e quem demorou a encomendar foi, certamente, para o fim da fila.
Ao contrário da Alemanha, a ideia é que nesta primeira fase a vacina vá até os pacientes. Pelo sistema francês, os médicos generalistas estarão na linha de frente para a aplicação. Todos os idosos estão passando previamente por consultas para entender o processo e dar, por escrito, o consentimento. No caso dos mais frágeis, o consentimento deve ser dado pela família.
Pelas ruas, o que se percebe é expectativa pela chegada, mas sem alvoroços. Aliás, o assunto vacina foi sempre mencionado na Europa com muita cautela, sem ares de “milagre” e, de maneira geral, só depois que as doses foram compradas e garantidas. Na França, a primeira menção oficial só foi feita na ocasião do segundo confinamento, no fim de outubro.
Mineira relata expectativa em Turim
É o que constata também, do lado italiano, a mineira Luana Tozato, de 38 anos, que mora em Turim há 13 anos. “Todo mundo trata de forma bem comedida. As pessoas não acham que vão se vacinar e poder sair por aí”, afirma. “Em casa, iremos tomar assim que possível, mas estamos bem conscientes de que esse cenário não terá fim antes do Natal do ano que vem. Vai se debelando aos poucos, não é algo imediato. Estamos empolgados, é algo que vai nos ajudar a sair da situação rapidamente, mas temos certeza de que não será tão rapidamente assim.”
“Todo mundo trata de forma bem comedida. As pessoas não acham que vão se vacinar e poder sair por aí”
Luana Tozato, mineira que mora em Turim há 13 anos
E se desperta ansiedade, desperta também desconfiança. Profissional que atua em várias áreas – tradutora juramentada, consultora em burocracia e técnica em informática –, Luana relata ter ouvido de vários colegas de trabalho que não tomarão a vacina.
“Acho muita arrogância o cidadão comum falar que não vai tomar, porque não foi feita como se deve, mas esse mesmo cidadão não tem dúvida alguma sobre a segurança do carro que acabou de sair da fábrica. As melhores mentes do mundo se dispuseram a fazer o sacrifício de preparar uma vacina em tão pouco tempo. E na ponta, gente sem conhecimento de causa que acha que devemos esperar, enquanto milhares de pessoas estão morrendo”, destaca a mineira de Ipatinga, no Vale do Aço.
Sinais de uma terceira onda
A expectativa da vacina se mistura a um cenário controverso da doença. Com hospitais saturados pela segunda onda, já se acredita que uma terceira – talvez não mais letal, mas já dada certamente como mais contagiosa – começa a ganhar terreno, ao mesmo tempo em que mutações são descobertas na Inglaterra.
Na África do Sul, também foi descoberta, em outubro, uma cepa diferente dessa do Reino Unido e igualmente contagiosa. O temor é que esse coquetel mostre a que veio logo depois das festas de fim de ano e, por isso, algumas nações decidiram sacrificar a data mais importante do calendário cristão.
Na Inglaterra, o primeiro-ministro, Boris Johnson, foi o portador da má notícia: a capital Londres e o sudeste do país, em alerta máximo, se reconfinaram desde domingo (20), pondo fim aos encontros familiares e às compras de última hora. A notícia levou a União Europeia a fechar fronteiras com a Inglaterra. O Eurostar, trem que liga a França à ilha britânica, também parou de funcionar. E as restrições não param.
Na noite de Natal, a rainha Elizabeth II fez um emocionante discurso, buscando inspirar nos britânicos, amplamente afetados pela pandemia de COVID-19, esperança “nas noites mais sombrias”. “Para muitos, este ano ficará marcado pela tristeza: alguns choram a perda de um ente querido, amigos e familiares sentem falta uns dos outros, enquanto no Natal gostariam de um simples abraço ou aperto de mão”, disse a monarca, de 94 anos. “Se este for o seu caso, você não está sozinho”, afirmou ela. A pandemia de COVID-19 custou cerca de 70 mil vidas ao Reino Unido, que já iniciou a vacinação.
A Suécia, que desde o início apostou na imunidade coletiva, recomendou, pela primeira vez, o uso de máscaras. A Irlanda anunciou na terça-feira (22) reconfinamento. A Áustria decretou seu terceiro confinamento 11 dias depois de encerrar o segundo: escolas e comércio fecham as portas por pelo menos três semanas, a partir deste sábado (26/12).
Na Itália, comércio está fechado até o dia 31. No Natal, foi autorizado o encontro de famílias, desde que elas morassem na mesma cidade. Nesse período natalino, as cidades foram colocadas em zona vermelha e deslocamentos entre uma e outra só serão novamente permitidos a partir de deste domingo (27/12). Sair de uma região para outra do país continua proibido.