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quinta-feira 4 de abril de 2019 às 13:57h

Simpáticos à volta da monarquia ocupam cargos em Brasília

POLÍTICA


No ano em que a queda da Monarquia no Brasil completará seu 130º aniversário, um membro da antiga família real portuguesa se sentiu em casa ao visitar um dos órgãos mais poderosos da República – o Congresso Nacional, em Brasília.

Bisneto da Princesa Isabel (1846-1921), o líder monarquista Bertrand Maria José Pio Januário Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Orleans e Bragança havia agendado reuniões com parlamentares recém-empossados.

No gabinete da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), Dom Bertand – como é chamado por seguidores – se viu rodeado por uma bandeira com o brasão do Império, um busto de seu trisavô Dom Pedro 2º e um retrato de seu irmão Luiz Gastão, atual chefe da Casa Imperial, órgão que busca restaurar a monarquia no Brasil. Por pouco, não cruzou nos corredores com um sobrinho, o deputado recém-eleito Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP).

“Fiquei até surpreso, encontrei mais abertura do que esperava”, diz ele sobre a visita, em fevereiro, quando também se reuniu com o senador Márcio Bittar (MDB-AC) e com os deputados federais Paulo Martins (PSC-PR), Delegado Waldir (PSL-GO) e Enrico Misasi (PV-SP). O grupo compõe a “bancada monarquista” do Congresso, segundo entusiastas do movimento.

Na mesma viagem, Bertrand foi recebido no Itamaraty pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e pelo assessor da Presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins.

O monarquista afirma que alguns interlocutores expressaram”total consonância” com suas posições – que incluem a oposição ao casamento gay, o fim das demarcações de terras indígenas e a proibição do aborto em qualquer circunstância.

Entrevistado pela BBC News Brasil, ele não quis responder se abordou a restauração da monarquia nos encontros – de acordo com um assessor que acompanhou uma reunião, a orientação é tratar o tema com discrição para não despertar reações que minem o projeto.

A calorosa recepção a Bertrand reflete o avanço de adeptos do monarquismo em órgãos do Estado e a reabilitação de um dos principais expoentes do movimento – o jornalista e ativista católico Plinio Corrêa de Oliveira (1905-1995), fundador da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP).

A entidade se projetou na década de 1960 ao protestar contra o comunismo e defender uma leitura do Catolicismo mais conservadora que a do próprio Vaticano.

Bertrand de Orleans e Bragança (à esq.) com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), que se define como monarquista
Divulgação Bertrand de Orleans e Bragança (à esq.) com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), que se define como monarquista

Restauração da monarquia

A BBC Brasil ouviu dois parlamentares que encontraram Bertrand e se definem como monarquistas: os deputados federais Paulo Martins (PSC-PR) e Carla Zambelli (PSL-SP).

“Quando as pessoas são eleitas, elas se preocupam muito com a próxima eleição. Um monarca não tem essa preocupação: ele só pensa no bem do país”, argumenta Zambelli, que diz manter permanentemente em seu gabinete os símbolos imperiais vistos por Bertrand.

A deputada defende a adoção de uma monarquia parlamentarista no Brasil, com eleições para o Parlamento e o retorno da família Orleans e Bragança ao trono. Nesse cenário, Bertrand seria o segundo na linha sucessória para o posto de rei, atrás de seu irmão Luiz Gastão.

Sobrinho de Bertrand e de Luiz Gastão, o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) seria o 29º da lista. Ele não quis dar entrevista à BBC News Brasil sobre o movimento monarquista.

Em 1993, a restauração da monarquia no Brasil foi rejeitada em plebiscito, tendo recebido o apoio de 13,4% dos eleitores. Outros 86,6% endossaram a manutenção da República.

“A República rompeu um processo histórico e criou um regime ilegítimo cunhado por meia dúzia de militares e intelectuais, sem qualquer apoio das massas”, diz o deputado federal Paulo Martins.

Zambelli e Martins afirmam, porém, que ainda não há clima político para discutir a volta ao regime. “Antes é preciso um movimento de resgate cultural, de resgate da verdadeira história da monarquia, que o período republicano cuidou de destruir”, diz Martins.

Monarquistas no governo

A influência do movimento monarquista não se restringe ao novo Congresso. Na semana retrasada, um adepto da causa, o procurador Gilberto Callado de Oliveira, foi nomeado representante da sociedade civil no Inep (Instituto Nacional de Estudos Educacionais Anísio Teixeira), órgão responsável pelo Enem (Exame Nacional do Ensimo Médio).

Amigo de Bertrand, Callado é membro do Círculo Monárquico de Nossa Senhora do Desterro, em Santa Catarina, e dedicou um livro ao fundador da TFP: “Ao saudoso professor Plinio Côrrea de Oliveira, representante maior da inteligência contrarrevolucionária”, escreveu.

A lista de simpatizantes do monarquismo no governo inclui o ministro da Educação, Ricardo Vélez. Em 2014, ele publicou no Facebook que, caso o Brasil fosse uma monarquia, “não estaríamos às voltas com todas estas lambanças”. “O monarca, de há muito, teria dissolvido o parlamento e convocado novas eleições para renovação do elenco”, disse Vélez.

Outro que demonstra afinidade com o movimento é o assessor da Presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins. Ele divulgou no Twitter uma foto de seu encontro com Bertrand em fevereiro, apresentando-o como “Sua Alteza Imperial e Real, Dom Bertrand de Orleans e Bragança”.

Vélez e Martins foram indicados ao governo pelo escritor Olavo de Carvalho, que também já defendeu a monarquia em várias ocasiões. Em 2017, ele afirmou em vídeo no YouTube que, após o fim do regime, “o Brasil caminhou de golpe em golpe, de revolução em revolução, e nunca mais se estabilizou”.

Em outro vídeo, Olavo definiu Bertrand de Orleans e Bragança como “o brasileiro mais patriota que eu já vi na minha vida, o sujeito que mais estudou os problemas do Brasil, que mais busca soluções”.

Casarão em Higienópolis

A BBC News Brasil encontrou Bertrand na antiga sede da TFP e atual Instituto Plinio Corrêa de Oliveira (IPCO), criado em 2006 em meio a uma disputa que sucedeu a morte do líder. Bertrand integrou a TFP e agora é diretor de relações institucionais do IPCO.

Como na TFP, só homens podem integrar a organização (segundo Bertrand, as atividades do instituto, que incluem marchas e viagens pelo Brasil, “não são próprias para pessoas do sexo frágil”).

Erguido em 1895 e tombado como patrimônio histórico e arquitetônico em 2003, o casarão no bairro de Higienópolis, em São Paulo, exibe vários objetos de arte sacra, como uma imagem em mármore de Nossa Senhora de Coromoto, esculpida na Espanha, além de uma capela com vitrais.

À entrada do casarão, um jarro de porcelana chinesa se destaca entre cortinas, lustres e sofás de couro. A sala ao lado, reservada a visitantes ilustres, tem paredes adornadas com tecido dourado e móveis que pertenciam à família imperial nos tempos de Dom João 6º (1767-1826). Um membro do IPCO diz que Bertrand vendeu os itens à antiga TFP quando passava por dificuldades financeiras.

Aos 78 anos, o monarquista vestia sobre o terno uma faixa com um retrato de Plinio Corrêa de Oliveira, seu mentor intelectual. Era acompanhado pelo assessor Oilsson Guglielmin e por dois jovens membros do instituto, que tiravam fotos do encontro e serviam café.

Fim da União Soviética

Para Bertrand, o pensamento do fundador da TFP está por trás do movimento conservador que pôs fim aos governos do PT e chegou à Presidência com Jair Bolsonaro. Mais do que isso: segundo Bertrand, ao militar contra o comunismo no Brasil, Oliveira ajudou a impedir que a União Soviética prorrogasse sua existência.

“Antes de 1964, o Brasil estava a um milímetro de virar um regime comunista. Imagine se tivesse virado? Nesse turbilhão, o resto da América Latina iria junto, a União Soviética dominaria todos os países da região e não teria caído”, afirma.

Há pouco respaldo entre historiadores à tese de que o Brasil ficou à beira do comunismo antes do golpe de 1964, apesar do fortalecimento da esquerda no governo do presidente deposto, João Goulart.

Políticas esquerdistas – como a proposta de reforma agrária de Goulart – entraram no alvo da TFP desde sua fundação, em 1960. O grupo integrou as Marchas da Família com Deus pela Liberdade, série de manifestações contra o comunismo que ocorreram antes e após o golpe.

Em artigo para o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (FGV-CPOC), os cientistas políticos Thomas Ferdinand Heye e Mônica Kornis dizem que “a TFP caracterizou-se como a mais radical organização católica de oposição ao governo João Goulart”.

Nas marchas, membros da organização portavam bandeiras com a imagem de um leão e vestiam capas vermelhas, evocando cavaleiros cristãos medievais nas Cruzadas. Oliveira também difundia suas ideias em livros e artigos de jornais (ele foi colunista da Folha de S Paulo por quase 30 anos).

Com a queda da União Soviética, em 1991, e a morte de Oliveira, em 1995, a TFP perdeu visibilidade. Divergências entre os membros causaram uma cisão no grupo. Em 2006, os membros mais antigos fundaram o Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, que voltou a organizar marchas e retomou o ativismo político.

Além das pautas antigas, a organização passou a encampar causas populares entre grupos conservadores atuais, como o combate à chamada “ideologia de gênero” nos colégios; “a eliminação do ambíguo conceito de ‘trabalho escravo'”, “a interrupção de qualquer ajuda financeira às ditaduras ‘bolivarianas'”; e “a eliminação de todas as leis socialistas que perseguem os brasileiros com impostos abusivos”.

Hoje, segundo Bertrand, o grupo mobiliza “centenas” de pessoas, entre sócios e colaboradores voluntários.

Propriedade privada

Após passar algumas décadas nas sombras, o pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira e os ideais monarquistas voltaram a despertar interesse em meio ao crescimento da onda conservadora no Brasil nos últimos anos. Nas manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff, pequenos grupos de manifestantes empunhavam cartezes pedindo a volta da monarquia.

Para o historiador Luis Foresti, que analisou a trajetória de Oliveira em sua dissertação de mestrado, as ideias do fundador da TFP estão presentes hoje nos discursos de vários pensadores conservadores e ativistas religiosos. Um exemplo, segundo Foresti, é o uso do termo “contrarrevolução” para definir o golpe de 1964. “A ideia de revolução como algo intrinsicamente ruim é típica do pensamento pliniano”, afirma.

Bertrand reconhece o momento favorável. “Ficou bonito ser de direita e conservador, e a esquerda está inibida”, avalia.

Para ele, Jair Bolsonaro “soube encarnar um mal-estar dos brasileiros com o politicamente correto” e “interpretar a aspiração dos brasileiros de se virem livres de amarras, de uma mentalidade intervencionista e estatizante, influenciada por socialistas e marxistas, que iam dominando o Brasil e saquearam a nação”.

Ele diz que o novo governo tem promovido avanços, entre os quais a paralisação da reforma agrária. “A propriedade privada é a garantia da liberdade. Se não há respeito à propriedade, a pessoa fica escrava do Estado”, diz Bertrand.

A oposição à reforma agrária fez com que a organização se aproximasse do agronegócio nas últimas décadas. Um dos principais interlocutores da organização no governo é o agrônomo Evaristo de Miranda, pesquisador da Embrapa que faz visitas frequentes ao instituto e é visto por ruralistas como um aliado.

‘Psicose ambientalista’

Bertrand também elogia as mudanças na postura no governo em relação ao meio ambiente, como as restrições a punições por infrações ambientais.

Em 2012, ele lançou o livro “Psicose Ambientalista”, onde diz revelar “os bastidores do ecoterrorismo para implantar uma religião ecológica, igualitária e anticristã”. Contrapondo-se à imensa maioria dos cientistas que pesquisam o tema, a obra contesta os estudos que associam a ação humana às mudanças climáticas.

Segundo Bertrand, a esquerda usa o ambientalismo para promover suas causas. “Os vermelhos ficaram verdes. Qual a bandeira do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) atualmente? É a ecologia.”

Outra causa comum a esquerdistas e ambientalistas, segundo ele, é a demarcação de terras indígenas. Bertrand critica a extensão dessas áreas, que ocupam 12% do território nacional – embora, segundo ele, “os índios que moram na taba (aldeia) no Brasil não cheguem a 100 mil” (de acordo com o IBGE, 57,7% dos cerca de 900 mil índios brasileiros vivem em terras indígenas).

Para os que defendem novas demarcações, diz Bertrand, “você, que é branco, eu, que sou branco, deveríamos voltar para a Europa”. Ele então pergunta qual a ascendência do jovem auxiliar Allysson Vidal, que responde ser “tipicamente brasileiro”.

“Ele vai ficar na taba”, intervém o assessor Oilsson Guglielmin, para risos dos colegas.

A expatriação de descendentes de europeus, porém, não é uma bandeira do movimento indígena brasileiro, que diz buscar a demarcação de terras historicamente ocupadas e necessárias à sobreviência física e cultural dos grupos.

‘Tribalismo indígena’

Ao se posicionar sobre as demarcações, Bertrand se alinha a Plinio Corrêa de Oliveira. No livro “Tribalismo Indígena”, de 1977, o fundador da TFP criticou conceitos que acabariam incorporados pela Constituição de 1988 – e que, segundo Oliveira, favoreceram os índios em prejuízo da soberania nacional.

Contrariando historiadores, Bertrand diz que “praticamente não houve” indígenas escravizados durante a colonização portuguesa. Afirma ainda que o Império não pode ser responsabilizado pela escravidão de negros – embora 5 milhões de africanos tenham sido trazidos para o Brasil como escravos durante o regime – e que a monarquia enfrentou forte oposição ao abolir a prática.

Para ele, “a solução para o problema dos índios” foi dada pelo imperador Dom João 3º a Tomé de Souza, governador-geral do Brasil entre 1549 e 1553: “Tem que catequizar, dar civilização e cultura – fazer o que a igreja fez ao longo de cinco séculos”, diz Bertrand.

Para Sonia Guajajara, coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a afirmação revela ignorância. “Falar que precisamos de civilização é absurdamente retrógrado. Temos nossas formas de organização social, nossos costumes e modos de vida, que precisam ser respeitados”, afirma Guajajara.

Até mesmo a Igreja Católica reviu sua posição e deixou de defender a conversão de indígenas. Em 2015, o Papa Francisco pediu desculpas em nome do Vaticano pelos “graves pecados cometidos contra os povos nativos da América em nome de Deus”.

Críticas ao papa Francisco

Assim como Oliveira, Bertrand critica os rumos que a Igreja Católica vêm tomando nas útimas décadas. Nesse período, correntes progressistas, como a Teologia da Libertação, avançaram por paróquias latino-americanas. Ele diz que esse movimento é responsável pela paulatina redução no percentual de brasileiros católicos.

“As pessoas iam à igreja para ouvir a palavra de Deus, e o padre estava lá dizendo que os ricos são bandidos, que os pobres são explorados, que é preciso fazer reformas de base. Resultado: eles foram fugindo das igrejas que tinham essa tendência.”

No atual pontificado, do papa Francisco, Bertrand diz que várias outras mudanças indesejáveis têm ocorrido.”Não pregamos uma rebelião, ele (Francisco) é o sucessor de Pedro. Mas, nos pontos em que ele rompe com a tradição católica, nós resistimos.”

Um dos atos que mobilizaram a organização foram as reformas de Francisco para facilitar a anulação de casamentos religiosos, em 2015. Segundo Bertrand, o Instituto Plinio Corrêa de Oliveira e organizações estrangeiras associadas colheram mais de 900 mil assinaturas contra a medida.

A ação se soma a vários atritos entre seguidores de Plinio Corrêa de Oliveira e a Igreja Católica. Nos anos 1960, o grupo se insurgiu contra uma série de reformas iniciadas pelo papa João 23 (1958-1963) para modernizar a igreja, como a substituição do latim pelo português nas missas no Brasil.

Restauração da cristandade

Para Bertrand, a Igreja Católica viveu um grande momento na Idade Média, quando se confundia com o Estado e fundou os primeiros hospitais, universidades e leprosários da Europa.

Questionado se defendia a reunificação entre igreja e Estado, ele disse que “a única solução é a restauração da cristandade”. “A esfera espiritual não se confunde com a esfera temporal, mas deve haver uma troca de bons oficios entre uma e outra, o que havia antigamente.”

Para Bertrand, a Revolução Francesa (1789) foi um triste marco para o Ocidente. O movimento – inspirado no lema Liberdade, Igualdade e Fraternidade – pôs fim à monarquia absolutista na França e resultou na execução do rei Luís 16.

Apesar do lema, Bertand diz que “nunca houve menos liberdade, igualdade e fraternidade do que na Revolução Francesa”. “Bastava ser suspeito para ser guilhotinado. Qualquer pessoa que se opusesse ia à guilhotina.”

Bertrand diz que o ideal de igualdade dos revolucionários franceses, que acabou incorporado por socialistas e comunistas, causou grande mal ao mundo.

“A beleza da sociedade não está na igualdade, mas nas diferenças, que devem ser proporcionais, hierarquizadas, harmônicas e complementares. Exatamente como uma sinfonia.”

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