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quinta-feira 13 de fevereiro de 2025 às 18:03h

Serviço secreto britânico mentiu à Justiça para proteger espião neonazista, revela investigação

MUNDO, NOTÍCIAS


O MI5 – o serviço secreto britânico – mentiu para três tribunais ao defender o tratamento fornecido pelo órgão a um agente secreto neonazista misógino, que atacou sua namorada com um facão, segundo revelou investigação da BBC.

Alegando motivos de sigilo, o serviço secreto declarou à Justiça que manteve sua política de não confirmar, nem negar a identidade dos informantes.

Na verdade, o MI5 havia me revelado o status do espião por telefone, tentando me convencer a não investigá-lo. O espião é conhecido pelo público apenas como agente X.

O MI5 defendeu agressivamente sua posição, até que produzi evidências que comprovam que não era verdade, incluindo a gravação de uma das ligações telefônicas.

A investigação de Daniel De Simone, da BBC News revelou que:

  • Primeiramente, o MI5 mentiu em uma ação judicial, na qual o governo tentou proibir a BBC de noticiar os delitos cometidos pelo agente X – e conseguiu nos proibir de publicar o nome do agente, de nacionalidade estrangeira.
  • Em seguida, o serviço secreto repetiu a mentira para um tribunal especializado, junto ao qual a mulher que foi atacada com um facão – conhecida pelo cognome Beth – procura respostas sobre o tratamento fornecido pelo MI5 ao seu agente.
  • O órgão repetiu novamente a mentira para uma análise judicial, quando Beth questionou a decisão do tribunal especializado.
  • Um funcionário de alto escalão declarou que detinha autorização legal para me dizer que X era um agente – ou seja, o MI5 não manteve sua política de não confirmar nem negar a identidade dos seus agentes.
  • O diretor-geral do MI5 telefonou para o diretor-geral da BBC, levantando dúvidas sobre a nossa reportagem original sobre o agente X. Ele qualificou a reportagem de “imprecisa”, o que não é verdade.

Em uma admissão sem precedentes, o MI5 publicou um “pedido de desculpas sem reservas” para a BBC e para todos os três tribunais envolvidos. A nota descreve o que aconteceu como um “erro sério” e afirma que “o MI5 assume toda a responsabilidade”.

Agora, o diretor-geral do MI5, Ken McCallum, será pressionado a explicar o que ele sabia a respeito, já que o funcionário afirmou que detinha autorização legal para revelar o cargo de X.

O ocorrido também levanta preocupações sobre a confiabilidade das evidências apresentadas à Justiça pelo MI5 e sobre a manutenção de uma das suas principais políticas de sigilo.

Para que os agentes “continuem a nos proteger, precisamos proteger a eles e às suas identidades contra todos aqueles que os prejudicariam”, afirmou McCallum, em declaração emitida após a publicação original desta reportagem. “O uso de agentes é um trabalho humano difícil, regido pela legislação e rigidamente fiscalizado.”

O diretor-geral do MI5, Ken McCallum, um homem branco de meia idade
O diretor-geral do MI5, Ken McCallum, trabalhava estreitamente com o alto funcionário – Foto: PA Media

O caso de Beth irá agora retornar para o tribunal especializado, que investiga se o serviço secreto violou seus direitos humanos, deixando de protegê-la contra o comportamento coercivo e abusivo de X. A Justiça irá reconsiderar se foi correto decidir que as evidências deveriam ser ouvidas em sessões fechadas, às quais ela não poderia comparecer.

“Acho que isso traz preocupações reais com a transparência do MI5, se podemos confiar nas evidências do MI5 apresentadas à Justiça”, declarou à BBC a advogada de Beth – Kate Ellis, do Centro pela Justiça das Mulheres.

A mentira do MI5 pode agora ser revelada, depois que a BBC solicitou ao Supremo Tribunal que relatasse as falsas evidências em uma declaração de testemunha corporativa, por um vice-diretor do serviço secreto, conhecido como Testemunha A.

A declaração afirma que o serviço manteve sua política de longa data, de não confirmar, nem negar a identidade de agentes (conhecida pela sua sigla em inglês, NCND) e forneceu um relato falso dos contatos telefônicos do funcionário do MI5 comigo.

Durante uma curta audiência de permissão na quarta-feira (12/2), nos Tribunais Reais de Justiça em Londres, o juiz Chamberlain declarou que a evidência relevante do MI5 era “falsa”.

A secretária para Assuntos Internos do Reino Unido, Yvette Cooper, nomeou o ex-chefe do serviço jurídico do governo, Jonathan Jones, como “revisor externo independente” do caso. Ele irá investigar como o MI5 chegou a fornecer evidências falsas à Justiça.

O revisor também deverá recomendar eventuais mudanças que sejam necessárias para garantir que os tribunais recebam informações precisas do serviço secreto britânico no futuro.

Crime ‘perigoso e chocante’

Em 2022, a BBC noticiou como X aterrorizava sua parceira. Na época, Cooper era secretária paralela (da oposição) para Assuntos Internos e pediu uma “avaliação independente” do caso, para examinar as preocupações sobre como o MI5 lidou com “o perigoso e chocante crime de abuso doméstico”.

O MI5 declarou que está conduzindo uma investigação interna sobre as evidências falsas, que pode resultar em ações disciplinares.

Após a audiência de quarta-feira, podemos agora informar que Ken McCallum telefonou para o diretor-geral da BBC, Tim Davie, no final de 2021, lançando dúvidas sobre a reportagem original sobre X planejada pela corporação.

As anotações sobre as chamadas feitas pelo próprio McCallum fazem parte das evidências do governo junto ao Supremo Tribunal, apresentadas em 2022. Elas registram que ele considerou minha proposta de reportagem “imprecisa e também irresponsável”.

A BBC defendeu a reportagem e, depois que o governo nos levou aos tribunais, um juiz concluiu que eu havia tomado as medidas adequadas para determinar se os diversos elementos da reportagem “eram verdadeiros” e que ficou “confortavelmente” demonstrado que ela é baseada em evidências confiáveis.

Representando o governo na audiência de quarta-feira (12/2), James Eadie declarou que o processo disciplinar interno do MI5 “indica a seriedade com que o assunto está sendo tratado”. Ele afirma que a Justiça receberá atualizações do caso em abril.

O significado do processo disciplinar para os indivíduos envolvidos é “bastante óbvio”, segundo Eadie.

A BBC questionou a falta de explicações do MI5. Nas petições jurídicas de quarta-feira, a BBC pediu à Justiça que sejam tomadas novas medidas para garantir que esta “séria violação seja adequadamente investigada” e que os resultados de eventuais investigações sejam trazidos para domínio público.

A exposição de falso testemunho por parte do MI5 também irá prejudicar a credibilidade do órgão em outros processos judiciais. Neles, os juízes são obrigados a conceder enorme peso e deferência às evidências do serviço secreto britânico.

Estes processos costumam envolver audiências secretas, fechadas até para as partes mais prejudicadas, como a própria Beth, além de pessoas que têm parentes mortos em ataques e cidadãos que perderam sua cidadania britânica.

O MI5 reconheceu a questão, declarando nas petições judiciais de quarta-feira que está “totalmente consciente das responsabilidades específicas do MI5” e que os tribunais devem poder “confiar totalmente em qualquer evidência fornecida pelo órgão”.

O serviço secreto defende que a política NCND é essencial para manter a segurança nacional e dos agentes. Mas as revelações da BBC aumentam as preocupações sobre a forma de uso desta política, que pode impedir a responsabilização de agentes que abusarem dos seus cargos ou cometerem crimes.

Como o alto funcionário do MI5 me disse que a revelação do status do agente havia sido legalmente autorizada, isso significa que ela havia sido assinada por advogados e outros altos funcionários do MI5. O Gabinete e o Escritório de Assuntos Internos também deveriam ter sido notificados, segundo a política de desvios da NCND.

Após a audiência de quarta-feira (12/2), um porta-voz do governo declarou que “os ministros e servidores civis não são consultados rotineiramente sobre revelações privadas pelas agências, o que também não ocorreu nesta ocasião”.

Paralelamente, em uma declaração por escrito ao Parlamento, a secretária de Assuntos Domésticos Yvette Cooper afirmou que “é claro que o fornecimento de informações incorretas para a Justiça é um assunto muito sério”.

Mas, segundo ela, o governo “defende e apoia o princípio de não confirmar, nem negar afirmações sobre indivíduos que podem ou não operar em nome das agências de inteligência do Reino Unido”.

Em uma nova declaração de testemunha à Justiça, o vice-diretor do MI5 – a Testemunha A – pediu “sinceras” desculpas por fornecer evidências incorretas.

Ele declarou que a informação falsa “refletia minha honesta crença daquela época e refletia precisamente a informação que recebi”.

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