Um papa negro – na cor da pele, não na atuação – teria um impacto maior ainda do que o argentino Jorge Bergoglio, que surpreendeu o mundo ao ser eleito, escolhendo o nome de Francisco. Robert Sarah é o cardeal que vive voltando às listas de candidatos para ocupar o Trono de São Pedro, embora encontre oposição das correntes mais progressistas, conforme reportagem de Vilma Gryzinski, da Veja.
Não é nada parecido com o que acontece no exagerado filme Conclave, mas é claro que as especulações – e as articulações – são constantes. Sarah tem a desvantagem da idade, 77 anos, e das restrições aos que o consideram conservador demais.
Exatamente por isso, também desfruta das simpatias dos que rejeitam os excessos da progressismo da Igreja, considerando-os um dos motivos do desencanto dos fiéis que esvaziam os templos em massa pois se deparam com duas negativas: nem a Igreja adota plenamente o espírito do tempo em termos laicos, nem conserva o poder dos rituais e a confiabilidade de uma doutrina que era inabalável.
O papa Francisco, cujo estado de saúde reaviva as especulações sobre a sucessão, de certa maneira reflete isso: parecia uma lufada de ar fresco, com seu estilo modesto e popular, mas desagradou os fiéis mais antenados com a Igreja tradicional e não conquistou os outros – geralmente nada devotos – para os quais casamentos gays deveriam estar sendo celebrados com entusiasmo nos templos.
Puxão de orelha
Por causa das atitudes ambíguas, Francisco tornou-se assim um papa execrado pelos tradicionalistas e amado muito mais pelos que rejeitam tudo o que se refere à Igreja, exceto quando os padrões da doutrina são quebrados.
Robert Sarah já entrou em conflito com Francisco, embora de uma forma cuidadosamente controlada. Precisou se retratar quando disse que os sacerdotes não eram obrigados pelas decisões tomadas durante o Concílio Vaticano II a rezar a missa de frente para os fiéis. Parece uma questão menor, mas no âmbito da Igreja tem uma enorme importância. Bispos rompidos com Roma, e até o excomungado Carlo Viganò, fizeram da missa tridentina, a rezada em latim, com o celebrante de costas para os fiéis, uma das suas grandes causas. Suas palavras haviam sido “incorretamente interpretadas”, dizia o comunicado oficial do Vaticano sobre Sarah, naquele tom que todo mundo interpreta corretamente como um puxão de orelha.
O cardeal da Guiné, país da África Ocidental de onde vieram tantos escravizados para o Brasil, também é um grande opositor da ideologia de gênero, do casamento gay e de outros comportamentos na esfera da moral sexual que atribuiu ao “colonialismo ideológico do Ocidente”. Diz que países africanos muito pobres são obrigados a aceitar essas ideias em troca da ajuda ocidental.
Dá para imaginar como isso o faria impopular entre os bem-pensantes. Há alguns conhecedores dos meandros do Vaticano que acham que sua eleição é impossível, mas o nome de Sarah continua a aparecer nas listas de papáveis. Uma das mais conhecidas o coloca como um dos oito candidatos principais. Os outros são o húngaro Péter Erdö, o maltês Mario Grech, o todo-poderoso italiano Pietro Parolin, o austríaco Christopher Schönborn, o filipino Luis Antonio Tagle, o ganense Peter Turkson e o italiano Matteo Zuppi.
Ídolo abduzido
É bastante provável que o futuro papa não seja nenhum deles. A dinâmica da eleição dos papas – os menos votados vão sendo eliminados e nomes inesperados sobem de cotação – tem um funcionamento próprio. Quem diria que Jorge Bergoglio seria eleito papa em 13 de março de 2013?
Absolutamente nenhum vaticanista. Nesses quase doze anos, ele formou um colégio eleitoral com cardeais mais antenados com suas ideias, mas o fator surpresa, também chamado de rearticulação, continua a ter um peso enorme. Alguns cardeais que elegeram Francisco depois disseram que havia recebido “sinais”. Provavelmente nenhum imaginaria como ele incorporaria a divindade indígena Pachamama a rituais da Igreja, abrindo-lhe um espaço em Santa Maria de Traspontina, de onde foi abduzida e jogada no Tibre.
“Peço perdão aos que se sentiram ofendidos com este gesto”, disse Francisco, no clássico pedido não-pedido de desculpas.
Não existe nada parecido com o que o filme Conclave inventa, mas as paixões continuam inflamadas nos corredores eternos do Vaticano. E vão queimar como nunca quando a sucessão de Francisco, que está com 88 anos e hospitalizado em situação “complexa”, seguir o rumo inevitável.